A caminho do crescimento
Olhando para a frente, primeiro vejamos o que não vai atrapalhar a economia brasileira. Um é a forte escassez de divisas, que praticamente não existe mais; outro se refere às altas taxas de inflação, que caíram para níveis inimagináveis há algum tempo, e, por último, às taxas de juros básicas fixadas pelo Banco Central, hoje nos menores níveis de toda a nossa história recente. Por outro lado, não tem havido, nem parece se esboçar qualquer crise externa de grandes dimensões que possa provocar um choque tão desfavorável como o de 2008-09. Então, por que o nosso PIB, depois de atravessar, em 2015-16, o pior desempenho desde o Século XIX, continua patinando?
Há um aparente consenso de que o ;x; da questão se chama ou chamava crise previdenciária, principal fator de explicação da gigantesca crise fiscal que assola ou assolou o país, abarcando todos os entes que iniciaram ou continuaram em suas gestões em 2019. Assim, ao tomar a iniciativa de enviar uma proposta abrangente de reforma, com impacto estimado, para a esfera federal, em cerca de R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos em sua versão finalmente aprovada no Congresso, o governo Bolsonaro está realizando boa parte da tarefa requerida para pôr a economia novamente nos trilhos do crescimento, e por isso deve ser cumprimentado. Isso justifica o otimismo reinante em vários círculos sobre o comportamento futuro da economia, a despeito de reações contrárias ao que sucede em outras áreas da atuação governamental.
Ainda dentro do tema mais debatido ; desajuste fiscal ; há várias reformas na fôrma para serem votadas, no centro de um sem-número de mudanças que o novo governo tenta implementar na linha de frente econômica, muitas delas de difícil digestão política, mas nenhuma com impacto comparável ao das mudanças desenhadas para a área da previdência.
Estou entre os que enxergam um problema complicado na falta de infraestrutura adequada, que, por falta de espaço, discutirei apenas brevemente. Já na previdência, cujo processo de reforma se iniciou na nova gestão e está chegando ao final, a dupla Bolsonaro-Guedes fez o melhor que poderia ter feito ao escolher o competente trio Marinho-Bianco-Rolim para conceber e tocar esse barco nas águas políticas revoltas que costumam estar presentes quando esse é o tema.
Na verdade, previdência e infraestrutura são problemas interligados: se resolvermos a crise previdenciária, estaremos simultaneamente, e em tese, abrindo espaço nos orçamentos para mais investimento público. Outro ponto a ter em mente é que, no tocante a investimento, privado e público são em boa medida complementares. Ou seja, não adianta achar que se resolve o problema da falta de investimento apenas removendo os obstáculos à inversão privada, que de fato existem e são muitos, como tenho enfatizado em minhas colunas. Mesmo que o privado ;bombasse;, algo que jamais ocorrerá enquanto persistir o forte viés existente contra ele, há muito entranhado em nosso país, maiores investimentos públicos teriam de acontecer.
Outro problema relevante que se deve destacar na discussão da crise fiscal é a gigantesca crise financeira estadual e municipal. Aqui, o ponto central nem sempre devidamente enfatizado é de que os deficits recordes das respectivas previdências vêm se transformando em igualmente enormes ;deficits orçamentários totais;, já registrados ou por registrar nos respectivos balanços anuais. Esses deficits têm sido tais, que os novos governadores terminaram herdando um gigantesco volume de atrasados (cerca de R$ 100 bilhões ao todo, no final de 2018), por falta de financiamento convencional que os cobrisse, algo muito difícil de administrar. Além disso, começam a surgir notícias sobre novos atrasados de igual dimensão em termos de média anual para o encerramento de 2019, o que confirma a alta gravidade dessa situação.
Felizmente, além dos planos de ajuste disponíveis para o curto prazo, como o Programa de Recuperação Fiscal, que tem alcance limitado, temos agora a exigência, há pouco aprovada para fazer parte da própria Constituição, de os entes subnacionais submeterem à autoridade previdenciária nacional um abrangente plano de equacionamento dos respectivos passivos atuariais, algo que tem prazo curto para se materializar (até o final de julho deste ano), sob pena de duras penalidades. Para tanto, os entes subnacionais terão de aprovar em suas assembleias e/ou câmaras a dura reforma de regras que já está se materializando em cerca de metade dos Estados nas mesmas bases da que havia sido aprovada para a União, além de fazerem um expressivo aporte de ativos em fundos de previdência a eles ligados, a se refletirem nas projeções das contas previdenciárias subnacionais para os próximos, digamos, 70 anos, com vistas a zerar ; ou significativamente reduzir ; seus passivos atuariais. Por acreditar que o ajuste da previdência, como tal e a despeito de tudo o mais, virou a prioridade um da agenda econômica, creio que a recuperação está logo ali à frente.