Jornal Correio Braziliense

Economia

Como sobrevivi à crise

Uma leva de empreendedores, grandes e pequenos, conseguiu driblar as dificuldades. Não só mantiveram seus negócios, como conseguiram expandi-los


O Brasil passou pela maior recessão da sua história nos últimos anos. Entre 2015 e 2016, a atividade econômica encolheu quase 7% e a retomada tem sido lenta desde então. O desemprego saltou de 7% para 12,7% no auge da crise, levando ao desespero quase 14 milhões de brasileiros. A necessidade fez muitas pessoas se abrigarem na informalidade para driblar a falta de oportunidades no mercado de trabalho. Pequenas e grandes empresas tiveram que se reinventar para não fechar as portas e manter produção e funcionários, diante de vendas e serviços em queda livre. Nesse cenário, um novo nicho salvou a vida de muita gente: os negócios disruptivos garantiram ocupação e renda para quem não tinha de onde tirar o sustento.

Para mostrar como brasileiros e empresas de todos os portes e ramos de atividade sobreviveram à turbulência dos últimos cinco anos, o Correio publica, a partir de hoje, uma série de matérias com histórias de superação e criatividade por todo o Brasil. ;Até mesmo as empresas eficientes sofrem com uma crise, sobretudo, essa última, com o tamanho que teve;, avalia o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo de Castro Souza Júnior. ;As mais saudáveis, no entanto, sobrevivem. E, algumas, com criatividade e ideias inovadoras, conseguem crescer;, explica.

Em geral, áreas associadas à criatividade e às novas tecnologias foram as que menos sentiram a recessão. ;Como surgiram exatamente no período da crise, as tecnologias e aplicativos para vendas e serviços tiveram desenvolvimento grande. Foi uma ótima solução, porque iFood, Uber, 99 e Rappi garantiram trabalho para quem tinha perdido emprego;, diz. Nas corporações, a saída foi buscar a otimização dos processos e promover aumento da produtividade;, analisa.

Desafios


No entender de Joana Siqueira, coordenadora de pesquisas institucionais da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), os profissionais criativos têm caráter estratégico dentro do mercado. ;O período é desafiador, mas os criativos demoraram mais para sentir a crise. Mais do que isso, a gente viu que num quadro em que foram fechados 1,7 milhão de postos de trabalho, nas áreas da indústria criativa houve geração de 24,5 mil empregos (veja quadro);, ressalta.

Joana explica que algumas profissões são buscadas pelas empresas mesmo em cenário de crise. ;Está tudo muito relacionado com a transformação digital. Aumenta a procura por profissionais especializados, gestão com foco no consumidor, processos de digitalização e diferenciação dos produtos e serviços;, diz. As empresas que sobreviveram bem à crise estão olhando mais para o consumidor, garantindo experiências diferenciadas, com base num volume gigantesco de dados. ;É o que se chama, na indústria criativa de customização em massa. A empresa consegue entender o perfil do seu público e criar condições diferenciadas. É uma tendência;, observa.

O caminho para a digitalização é inexorável e qualquer produto ou serviço voltado para isso tem espaço garantido. ;Uma pesquisa mostra que as empresas que investem em inovação têm resultados 66% melhores, ampliam seus mercados e abrem novos. É uma ferramenta de vantagem competitiva, principalmente na indústria;, explica.

Nos pequenos negócios, o desafio da sobrevivência existe mesmo sem crise, por isso, os cuidados precisam ser redobrados, ensina o economista e analista de Gestão Estratégica do Sebrae, Marco Bedê. ;Das empresas constituídas em 2012, período em que o país ainda crescia, 76,6% sobreviveram até 2014, considerando o Microempreendedor Individual (MEI). Sem ele, a taxa de sobrevivência cai para 58,4%;, afirma.

Quanto maior a situação de desespero e de desemprego, aumenta a abertura de pequenos negócios, alerta Bedê. ;O número de empregadores e profissionais por conta própria dispara em período de crise. Isso é comum, porque as pessoas tentam, justamente, buscar uma saída para o desemprego;, diz. No entanto, ele orienta alguns cuidados antes de arriscar tudo num novo negócio. ;O ideal é abrir com calma, planejar, avaliar formação de preços e custos, estudar os investimentos e, sobretudo, buscar capacitação para gestão empresarial.;

Questões estruturais


O Brasil é um país muito suscetível à crise por questões estruturais, avalia Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo da Fundação Getulio Vargas (FGV). ;Existe um fator muito relevante, que é como as empresas reagem à crise. Oito em cada 10 são de origem familiar, que nasceram por necessidade e não por oportunidade. Isso impacta diretamente na forma como as empresas são afetadas por fatores externos.;

Quem tem base familiar e necessidade, possui níveis de profissionalização e de competência técnica muito baixos, explica Massa. Por outro lado, a característica familiar também gera menos burocracia e um nível de comprometimento maior, porque todos são muito dependentes da empresa. ;São fatores que agregam resiliência ao negócio, mesmo diante das crises mais profundas.;

Massa diz que as startups são mais fortalecidas, porque já nascem com uma visão de aprendizado constante, com baixo investimento e vão se desenvolvendo conforme o mercado. ;As barreiras para o crescimento são mais fáceis de superar. As startups conseguem escala com menos custos. Mas existem problemas: pode não haver a demanda esperarada, exige pessoal qualificado e gestão profissional.;