É jogo para atacar
O Brasil está no caminho certo, segundo o balanço de fim de ano do ministro Paulo Guedes, e é provável que esteja, desconsiderando-se o tempo perdido com discussões sem decisões e o que se revelou excessiva, a suposição de que o país tendia para a insolvência, ou em falta ; a prioridade da agenda de inovações tecnológicas.
Tratar as contas públicas pelo viés do gasto induz arrocho, não o enfrentamento do que gerou essa situação ; a captura do Estado por interesses alheios ao bem-estar coletivo e ao progresso nacional. É o que decorre de desonerações tributárias a setores econômicos sem nexo com o custo-benefício do favor fiscal, além da captura do Estado pela elite de servidores com bancada no Congresso e força coercitiva (juízes, procuradores, auditores, delegados etc.).
Cortar gastos com políticas sociais e com investimento público é mais fácil que trombar com os lobbies entrincheirados no Judiciário e no Congresso em torno do tal ;direito adquirido;. Isso significa que o alvo dos ajustes fiscais é outro. A nota positiva é que, sob a liderança do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já há clima para a reforma administrativa e de pessoal do governo federal.
Não fosse a relutância do presidente Jair Bolsonaro, temeroso das reações de militares e policiais para os quais sempre atuou como porta-voz na Câmara, Guedes a teria enviado ao Congresso. Mas há avanços, já que agora lhe será mais difícil falar de crise fiscal.
De tanto falar em colapso, até quem, por dever de ofício, não deveria se preocupar, acabou acreditando, o que explica a frustração dos prognósticos sobre o que seria da economia em 2019 feitos logo após as eleições. As principais casas bancárias projetaram expansão da economia de 2,5% a 3%, e vamos fechar com algo acima de 1%.
Erraram no otimismo, e também não botaram fé no bom comportamento do substrato de sua matéria-prima, o custo real do dinheiro. Ele é função da inflação. Ela continuou mansa, contrariando o consenso de que ficaria na meta, 4,5%, levando o Banco Central a pisar no freio da Selic. Os grandes bancos chutaram que ficaria parada em 6,5%.
Fato-1: a Selic vai fechar o ano em 4,5%, podendo cair algo mais em 2020. Fato-2: o governo não soube administrar as expectativas.
Reformismo de resultados
A dúvida nesta virada de ano é o que Guedes & equipe têm em mente. O fato-3 é que isso já não importa tanto quanto no começo de 2019, quando os cenaristas enxergavam a economia pilotada pelo ministro, com o Congresso de coadjuvante. Isso mudou. Nem há base governista nem a oposição de esquerda tem votos para obstruir as votações.
A força que comanda o parlamento está na direita moderada, o tal centrão, que sempre foi majoritário desde o fim da ditadura. Ele tem se mostrado reformista pragmático, podando tanto o radicalismo da extrema-direita quanto o liberalismo de partidos sem noção sobre a realidade social. Não por acaso, o centro é alvo diuturno de campanhas negativas dos radicais no Twitter e no Facebook.
Jogando em dupla, Rodrigo Maia e David Alcolumbre, presidente do Senado, ambos do Democratas, têm sido a ponta de lança das reformas que começaram com foco fiscal e convergem para a gestão do Estado, mais reeditando que recepcionando as propostas de Guedes.
Outro regime tributário
O próximo desafio é a reforma tributária. Maia e Alcolumbre dizem que vão aprová-la antes das eleições municipais. Qual reforma?
Uma comissão de deputados e senadores começará em janeiro a moldá-la, seguindo o roteiro da PEC que tramita na Câmara, centrada na criação do IVA, Imposto sobre o Valor Adicionado, a partir da fusão de vários tributos, do ICMS estadual ao ISS municipal e o IPI federal.
O ministro da Economia desistiu de enviar emenda constitucional a respeito do mesmo tema. Deve propor um IVA federal, juntando PIS e Confins, e mudanças no IR ; da pessoa física, com faixa de isenção mais alta e uma ou mais alíquotas acima da máxima de hoje, de 27,5%; da pessoa jurídica, com redução da alíquota, acompanhando tendência mundial, compensada com a volta da tributação de dividendos.
Guedes voltou a testar a CPMF, disfarçada como antes de tributação sobre transações financeiras. Falou em taxar serviços como Netflix, embaralhando com o pagamento instantâneo por meio do celular. Fato-4: a economia com pegada tecnológica não é o forte deste governo.
Respostas estão no futuro
E chega-se ao Fato-5: as megatendências em curso no mundo. Estamos preparados para elas? Se estivéssemos, ninguém falaria em tributar transações financeiras, mas noutro regime de arrecadação, que já é 100% digital, do atual declaratório para a cobrança em tempo real.
Estamos à mercê de mudanças disruptivas. A que mais incomoda é a percepção de que a expansão econômica acelerada ficou para trás em todo o mundo, mesmo na China, devido a um dos mais fortes vieses ; o do envelhecimento, combinado com maior expectativa de vida. Ambos já transformam o padrão de consumo e criam novas demandas.
Inserem-se entre tais movimentos dois eventos também perturbadores ; a concentração de renda e revoltas difusas, como se vê no Chile, na França, no Líbano, contra a incapacidade dos governantes diante das aflições econômicas e ansiedades existenciais da sociedade. A própria eleição de Bolsonaro representou a busca por novos rumos.
Graças à comunicação direta nas mídias digitais, talvez o maior evento desde a 2; Guerra, nada será como antes. É oportunidade ou risco, dependendo de como seja interpretada pelo governante de turno. O Fato-6 e último é que a resposta não está no passado.