Quando se faz uma análise sobre os agenda-holders do Congresso ; aqueles atores que possuem maior peso na definição do que é pautado ; são normalmente considerados os presidentes da Câmara e do Senado, as lideranças partidárias, os presidentes de comissões, o Poder Executivo, a mídia e os movimentos sociais. Não é raro esquecer o palácio que fica ao lado direito da Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF).
Pelo senso comum, o Poder Judiciário seria o último vínculo da cadeia, responsável por julgar o que chega à sua apreciação no que se refere às leis aprovadas pelo Congresso e ações executadas pelo Poder Executivo. No entanto, na prática, algumas decisões das cortes superiores podem favorecer o andamento de uma agenda acordada pelos outros atores ; um exemplo disso foi a autorização da privatização de subsidiárias sem a necessidade do aval do Congresso. O problema ocorre quando os julgamentos da Corte põem a agenda prioritária do Congresso a ver navios. Esse foi o caso da mudança de entendimento da prisão após condenação em segunda instância, que determinou cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado.
Além dos impactos no campo político com a liberação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e reaquecimento da narrativa do PT, a decisão do STF abriu margem para que os parlamentares alinhados à pauta da operação Lava-Jato pressionassem pela deliberação de propostas pacificando a possibilidade de prisão em segunda instância. Inclusive, foi criada uma frente parlamentar sobre o tema, liderada pelo deputado Major Olímpio (PSL-SP). Apesar da pressa na tramitação de proposições que tratassem desse tema, não havia consenso entre Câmara e Senado sobre qual o melhor caminho a seguir.
Semana passada, ao que tudo indica, os líderes partidários chegaram a um acordo. Para dar maior unicidade e celeridade ao tema, vão priorizar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 199/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados. O acordo não agradou alguns partidos, devido à complexa tramitação de uma PEC. Na Câmara, será necessária a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois a aprovação por uma Comissão Especial e, por fim, pelo plenário das duas casas em dois turnos, com um apoiamento de três quintos dos parlamentares ; 308 deputados e 49 senadores. Na próxima semana, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), pode apresentar o calendário de tramitação da PEC.
Alguns senadores defenderam que fosse priorizado o Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2018, sob autoria do senador Lasier Martins (PSD-RS). A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), chegou a afirmar que, se a Câmara não cumprir com o calendário a ser proposto por Maia, o PLS 166/2018 pode voltar a avançar.
O movimento favorável à prisão em segunda instância pode até ter apelo perante parte da sociedade, mas, por outro lado, caso o acordo entre senadores e deputados não se concretize, pode afetar em cheio a pauta reformista. Deve-se lembrar, por exemplo, que aguardam deliberação na CCJ do Senado as novas PECs apresentadas pela equipe econômica (Pacto Federativo, PEC Emergencial e PEC dos Fundos Públicos).
Um impacto mais grave pode atingir a votação do Orçamento de 2020, que não foi devidamente priorizada e agora deve ocorrer apenas na segunda semana de dezembro. Isso afeta substancialmente o espaço de negociação do Palácio do Planalto. Com menos de três semanas para aprovar o Orçamento do ano que vem e uma série de medidas aguardando deliberação, a falta de uma articulação entre o governo e o Congresso pode gerar situações complicadas para o Palácio do Planalto até o fim do ano.
Os impactos indiretos da decisão do Supremo sobre a prisão em segunda instância continuará reverberando no Congresso. A repercussão do tema junto à opinião pública motivou os congressistas a quererem se debruçar sobre o tema em prejuízo da pauta econômica do governo. Nesse sentido, fica claro que o cálculo político deve sempre considerar, pelo menos, todos os vizinhos da Praça dos Três Poderes.