Paula Pacheco
postado em 27/11/2019 06:00
[FOTO1]São Paulo ; O staff do Grupo Enel, maior operadora privada do setor de energia no mundo, estava reunido em Milão para o evento mais importante do ano, a divulgação do Plano Estratégico 2020-2022, nesta terça-feira (26/11), quando o presidente da companhia, o italiano Francesco Starace, foi abordado por jornalistas brasileiros durante a conferência de imprensa. Em pauta, um assunto que tem tirado o sono não apenas dos executivos da companhia no Brasil, mas também vem causando estranheza entre os investidores.
Starace interrompeu o clima festivo que predominava durante o anúncio sobre o pacote de investimentos ; previsão de aportes da ordem de 28,7 bilhões de euros até 2022, equivalente a um crescimento de 11% em relação ao plano para o período entre 2019 e 2021 ; para comentar sobre a situação de uma de suas concessionárias, a Enel Distribuição Goiás, que está sob forte pressão nos últimos meses, diante da ameaça do governador Ronaldo Caiado (DEM), de retomar a operação.
Caiado tem declarado que pretende rescindir o contrato com a Enel. Na última sexta-feira,
em entrevista a uma rádio local, o governador afirmou que tão logo o projeto de lei que autoriza o governo a suspender a concessão da Enel seja aprovado na Assembleia Legislativa (Alego), a sanção será imediata. O projeto de lei é do presidente da Casa, Lissauer Vieira (PSB). Um projeto de decreto legislativo foi apresentado na Câmara por Elias Vaz (PSB-GO), que pede que o contrato seja sustado.
Provocativo, Caiado disse, ainda, que a sanção ocorrerá em frente à sede da concessionária de energia elétrica, durante uma manifestação, que ele acredita que será grande e para a qual o governador teria convocado a participação da população do estado, que se sente prejudicada com os problemas relacionados à queda no fornecimento de eletricidade nos últimos meses.
A subsidiária goiana da multinacional atende a 237 municípios do estado, equivalente a 98,7% do território de Goiás e cobertura de uma área de 336.871 quilômetros quadrados. Do total de 3 milhões de clientes, a maior parte se concentra na Região Metropolitana de Goiânia.
Starace, da Enel, disse, em Milão, que não existe caminho legal para o governo de Goiás suspender a concessão da antiga Celg. O executivo garantiu que estão sendo feitos investimentos na modernização do sistema da Enel Distribuidora Goiás. Apesar dos recursos, até agora se passaram poucos meses desde que o grupo assumiu a operação, o que impede a recuperação do negócio depois de anos sem investimentos.
"Recebemos a Celg em um estado muito ruim. Desde que assumimos a empresa, investimos, em média, 3,5 vezes mais por ano do que era feito durante a gestão anterior. Estamos trabalhando para resolver os problemas do sistema. Mas uma situação que resulta de anos de falta de investimento não pode ser resolvida em meses. Leva anos, infelizmente;, declarou o executivo.
Apesar da pendenga com o governo de Goiás, Starace garante que o problema não influencia os planos de investimento da companhia no Brasil, para onde serão destinados R$ 24,4 bilhões no período entre 2020 e 2022, especialmente na produção de energia renovável. Também está no radar do presidente da Enel a possibilidade de aquisições e oportunidades na área de distribuição.
Caiado, por sua vez, acusa a empresa de má qualidade na prestação de serviço. O político do DEM diz ter participado de 14 audiências oficiais que tiveram representantes da Enel, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério das Minas e Energia (MME). A concessionária assumiu um termo de compromisso, em agosto, garantindo que faria melhorias nas subestações e nos serviços de manutenção. Ainda assim, cerca de três meses depois do acordo, os problemas continuaram, garante o governador.
Leilão
"A performance da Enel Goiás subiu e já está dentro dos padrões pedidos pelo regulador. Estamos focados em fazer o sistema funcionar. O governador (Caiado) também está no papel dele, quer pressionar a companhia a ir mais longe;, ponderou Starace.
A Enel comprou a antiga Celg em novembro de 2016 e assumiu a companhia em fevereiro de 2017. Essa foi a primeira distribuidora vendida pela Eletrobras, até então responsável pela gestão da empresa, com a missão de adequá-la em termos de governança corporativa para então marcar o leilão.
Um advogado de um grande escritório de São Paulo explicou aos Diários Associados, sob anonimato, que a iniciativa da Assembleia Legislativa de Goiás e do governador Caiado não faz sentido do ponto de vista legal. ;A distribuição de energia elétrica é um serviço público de competência da União, segundo a Constituição.;
Segundo o especialista, em projetos de infraestrutura, a decisão final sobre uma possível rescisão desse tipo de contrato de concessão é do Ministério de Minas e Energia (MME), depois de cumpridos todos os trâmites pela Aneel, que tem o papel de órgão fiscalizador.
A declaração de caducidade só é emitida depois de o órgão regulador enviar notificações à concessionária sobre os motivos do descumprimento dos padrões de qualidade previstos em contrato. ;Precisa-se respeitar o direito de defesa e, depois do processo, pode ser emitido um parecer da Aneel para o MME, de que a concessionária não cumpriu com a obrigação prevista em contrato. A partir daí, o MME toma a decisão;, explica. De acordo com o advogado, a lei estadual até pode ser aprovada pela Assembleia e sancionada pelo governador, mas será inconstitucional.
Embora este ano o índice de chuvas esteja inferior ao verificado em 2018, em Goiás, o número de casos registrados de quedas no fornecimento de energia é cinco vezes maior. ;São cidades inteiras ficando o dia todo sem energia elétrica;, reclamou o governador. Ele recorreu ao chamado ;Direito Recorrente;, que consta da Constituição Federal, para dizer que deve atuar na busca de uma solução para o problema energético que Goiás enfrenta. E que, segundo ele, é ;inadmissível e inaceitável;.
Solução
Apesar da inconstitucionalidade, o governador de Goiás vem declarando que o estado tem o direito de intervir para a retomada do serviço, por se tratar de um ;estado de calamidade pública;. Segundo Caiado, há falhas no serviço de atendimento aos consumidores e no fornecimento de energia, além de problemas quanto à inclusão de clientes rurais.
Em um evento no Rio de Janeiro, na noite de segunda-feira (25), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, declarou que a anulação do contrato de concessão da Enel é juridicamente impossível. Segundo o titular da pasta, reuniões têm ocorrido com o governo de Goiás e a Aneel para buscar uma solução.
Assim como declarou o presidente da multinacional italiana, Albuquerque lembrou que a situação da distribuidora se deteriorou por conta da falta de investimentos em manutenção antes de a concessão ser feita.
Por meio de nota, a Enel declara ter recebido a Celg-D, em fevereiro de 2017, "em situação precária, após 10 anos de falta de investimentos da gestão estatal, o que levou a companhia a ser vendida em um processo de privatização".
Desde que assumiu a gestão da empresa, informa a nota, a Enel investiu cerca de R$ 2 bilhões na rede elétrica de Goiás até setembro deste ano. O valor, segundo a companhia, é cerca de 3,5 vezes mais do que os níveis históricos aportados antes da privatização.
Os recursos teriam contribuído para a melhoria nos índices de qualidade medidos pela Aneel, como a redução da duração média das interrupções por cliente (DEC) de 46%, de dezembro de 2015 a setembro de 2019, enquanto o número médio de interrupções por cliente (FEC) melhorou, declara a distribuidora, 52%. Em setembro de 2019, o DEC alcançou 23,5 horas. Já o FEC, afirma a multinacional, chegou a 12,1, o que teria superado as metas contratuais para 2019, que são, respectivamente, de 30,33 horas e 20,22 vezes.
A Aneel, procurada pela reportagem, informou que não comentaria o assunto. O governador Caiado não tinha agenda até o fechamento desta edição.