[FOTO1]O Brasil corre o risco de atrasar a comercialização da tecnologia 5G, quinta geração da conexão móvel, fundamental para a revolução da Internet das Coisas (IoT), indústria 4.0, agricultura de precisão, assistências médicas remotas e veículos autômatos, entre outras inovações. Apesar de já ter sido testada na cidade do rock, durante o festival Rock in Rio 2019, a tecnologia depende do leilão da frequência para entrar no mercado.
O certame, inicialmente marcado para março do ano que vem, deve ficar para 2021, se as principais grandes operadoras forem atendidas. Oi, Tim e Vivo manifestaram, na quinta-feira passada, durante a Futurecom, o desejo de que o leilão da internet 5G seja adiado. A data ainda não foi definida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A Oi considera que uma prorrogação da data pode ajudar as empresas a ;tomarem fôlego; após os investimentos feitos nas redes 4G. Já a Tim e a Vivo afirmaram que defendem a ideia se isso resultar em regras mais favoráveis.
A tecnologia, no Brasil, provoca interferência na recepção do sinal das antenas parabólicas, a chamada Banda C. Além disso, o país usa equipamentos da chinesa Huawei e os Estados Unidos estão provocando um boicote generalizado no mundo para evitar a hegemonia da China na tecnologia 5G. De acordo com o sócio da área de Telecom, Entretenimento e Tecnologia, do Vinhas e Redenschi Advogados, Rafael Pistono, a principal banda será 3.5 GigaHertz (GHz), ainda usada em áreas rurais pelos satélites. ;São poucos receptores nesse tipo de frequência, basicamente as parabólicas de televisão por assinatura;, afirma. ;O Brasil não pode mais tropeçar com o 5G, há necessidade dessa conectividade, é um vetor para o desenvolvimento;, destaca.
O especialista explica que o 5G multiplica por 100 a velocidade que existe hoje e aumenta a capacidade. Nesse contexto, a chinesa Huawei está muito à frente dos concorrentes, garante. ;Os Estados Unidos demoraram a se posicionar no 5G. Hoje, as grandes empresas são a Nokia, da Finlândia, a Ericsson, da Suécia, e a Huawei, da China;, ressalta. No Brasil, a chinesa tem presença dominante nas rádio-bases (antenas), com 70% de participação. ;Os EUA usam argumentos de que a Huawei faz espionagem e quebra de segurança e que o Estado comunista chinês está por trás da companhia. Por isso, ameaça vários países caso não restrinjam o uso dos equipamentos da Huawei;, diz.
Investimentos
Pistono alerta que faz todo o sentido o interesse da chinesa na Oi. ;A empresa está estimulando a China Mobile a comprar a brasileira em recuperação judicial. Mesmo que tenha negado, como negam Vivo e Tim, mas todas sondam. Isso porque a Oi tem uma estrutura de fibra essencial para a tecnologia 5G;, assinala o especialista. Por isso, o leilão da frequência é apenas o primeiro passo. A tecnologia exigirá grandes investimentos em infraestrutura das operadoras.
Enquanto as discussões não avançam, a Oi ofereceu wi-fi com tecnologia 5G na cidade do rock, durante o Rock in Rio. O diretor de operações da companhia, José Cláudio Moreira Gonçalves, explica que a diferença crucial da tecnologia é a latência, que reduz o atraso em transmissão ao vivo, por exemplo. ;Faz toda a diferença. É o tempo de conexão entre dois equipamentos. Isso permite que, no caso de carros autômatos que estejam se comunicando, um freie antes do outro;, exemplifica o diretor.
Gonçalves diz que a tecnologia muda completamente o grau de automação. ;Minha leitura é que vai ter ciclos de desenvolvimento para internet das coisas. Muito mais do que baixar vídeo, toda a parte da realidade virtual, holografia. No Brasil, a Oi tem uma vantagem competitiva, porque a tecnologia precisa ter meio de transmissão por uma rede robusta. E a Oi tem 365 mil quilômetros de fibras óticas;, destaca.
Seis perguntas para
Lindsay Gorman, especialista em tecnologias em inteligência artificial,
Big Data, 5G e cibersegurança da Alliance for Securing Democracy:
Qual a importância do 5G?
A tecnologia vai gerar uma explosão de dados, transmitidos com mais qualidade, maior velocidade e menor latência. Logo, teremos conexão em todos os dispositivos, com a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). Com o 5G, haverá menos problemas de conectividade, o que permitirá que a IoT funcione de fato. Isso deve ocorrer em cinco ou 10 anos. Há uma estimativa segundo a qual, nos próximos anos, cada indivíduo vai produzir uma interação de dados a cada 18 segundos. Tudo será conectado. Isso vai garantir um potencial econômico enorme para quem conseguir captar, processar e analisar essas informações.
O leilão de 5G no Brasil só deve ocorrer no ano quem, talvez ique para 2021. O que esse
atraso pode provocar?
Mais do que implementar a infraestrutura de 5G, devemos nos preocupar em proteger as informações e a privacidade das pessoas. Os países estão correndo para ver quem vai construir as redes antes. Mas o desenvolvimento total acontecerá na próxima década. O espectro é importante, mas não é tudo. A segurança é mais relevante porque as decisões que tomarmos agora terão importância nos próximos 30 anos. Nesse sentido, o Brasil está mais avançado, pois já tem uma lei sobre o tema. Contudo, a implementação dessa regulamentação é muito difícil.
O 5G é mais vulnerável em termos de cibersegurança?
Quem controlar a infraestrutura de implementação do 5G terá acesso à informação que será transmitida. Em países como os Estados Unidos e o Brasil, a privacidade individual é importante. Com os dados coletados pela IoT, é possível saber tudo sobre as pessoas. Tudo o que estiver disponível ficará armazenado em apenas um lugar e o dono da infraestrutura terá acesso. É potencialmente mais vulnerável porque vai permitir uma transmissão muito maior de dados. Por isso, temos que ter cuidado com quem detiver a infraestrutura, que é um mercado muito mais concentrado. Há muitas empresas no ecossistema de telecomunicações, mas, em infraestrutura, mal enche a mão: Huawei, Ericsson, Samsung e Nokia.
O Brasil usa muitos equipamentos da Huawei. Há preocupação em relação à empresa?
Se temos uma empresa que é dona da infraestrutura e ela não respeita a regra, todas as informações estarão vulneráveis. Esse é o maior risco. Por isso, há uma grande preocupação em relação à Huawei, que já tem um histórico de fazer espionagem. Especialmente para o 5G, essa é uma área de preocupação. Não só por espionagem tradicional, mas por espionagem comercial e roubo de propriedade intelectual. Pagam funcionários para roubar tecnologia. É o modelo normal com o qual a China trabalha. Você faz mais dinheiro, se consegue roubar tecnologia.
Esse temor é porque a empresa é chinesa?
A China não é um país democrático. O país rouba informações dos demais. O pior é a vulnerabilidade dos dados pessoais. O país tem um sofisticado regime de vigilância, coleta informações sobre os seus cidadãos. E está exportando esse regime para todo mundo. A China, de fato, treina como vigiar pessoas, como entender o que as pessoas estão dizendo, usando sofisticada inteligência artificial, lendo o que dizem e determinando o que é perigoso para o governo. Sabem o que as pessoas fazem. Isso é assustador. Além disso, o governo influencia nas empresas que estabelecem a infraestrutura. Com o 5G e a IoT, a chinesa Huawei terá acesso às câmeras de vigilância, à iluminação pública e poderá passar isso tudo para a China, aumentando o risco geopolítico. Com o 5G, o monopólio é extremamente perigoso. Os Estados Unidos não têm companhias de infraestrutura. Samsung (coreana), Nokia (finlandesa) e Ericsson (sueca) são as companhias que competem com a Huawei. Os governos desses países não dão subsídios para suas empresas e por isso são tecnologias mais caras. Quando uma empresa tem subsídios e pode cobrar mais barato que as outras, é um perigo, porque as demais podem não sobreviver no longo prazo. A China subsidia a tecnologia da Huawei, por isso é mais barata, mas faz isso porque considera o setor de telecomunicações estratégico, da mesma forma que os governos brasileiro e norte-americano investem em equipamentos militares. Por isso, temos que ser cuidadosos com o que compramos.
Qual o maior desafio para os regimes democráticos em relação ao 5G?
A democracia valoriza a liberdade de expressão, a liberdade de criticar o governo. Se uma companhia de uma regime não democrático dominar o setor agora, vai ser um problema mais adiante. Porque infraestrutura é justamente a área mais difícil de fazer substiuições. As redes que estamos construindo agora serão as bases para as tecnologias que estão por vir, como 6G e 7G. A decisão de agora vai determinar o futuro.