Jornal Correio Braziliense

Economia

Burocracia é obstáculo ao crescimento do Brasil, afirma CEO italiano

Marco Donzelli, CEO global da HLB, com sede em Londres, fala dos desafios de se investir no Brasil

[FOTO1]São Paulo ; A possibilidade de o país seguir com a discussão de novas reformas tem animado investidores brasileiros e estrangeiros. Se os debates avançarem e as mudanças forem aprovadas, o Brasil tem chances reais de voltar a ter relevância nos planos de negócios. Para as consultorias, a reforma da Previdência e a reforma tributária, especialmente, poderão aumentar a demanda e estimular a assinatura de novos contratos. Uma das companhias que segue de olho nas oportunidades que poderão surgir no mercado brasileiro é a HLB, que atua como uma rede global da qual fazem parte organizações independentes, empresas de consultoria e de contabilidade. Com sede em Londres, seu quadro conta com 27.485 profissionais, espalhados por 153 países, entre eles o Brasil.

Na última semana, o italiano Marco Donzelli, CEO global da empresa, esteve no Brasil para acompanhar de perto os negócios. Ele diz estar otimista em relação a decisões que venham a ser tomadas para melhorar o ambiente interno.

Para o executivo, o principal problema do país para quem quer fazer negócios é a burocracia, que acaba por comprometer a eficiência de qualquer tipo de empreendimento. Gera desperdício de recursos, tanto de tempo quanto de dinheiro, além de provocar incertezas.

Com a perspectiva de encurtamento da distância entre as demandas do dia a dia empresarial e o poder público, Donzelli acredita que essa realidade poderá passar por mudanças. Por isso, a companhia vem aumentando as apostas por aqui. Em março, a HLB Global anunciou a adesão de uma firma nacional do segmento de assessoria de transações. O negócio, fundado em 2015, por Paulo Crepaldi, Luiz Felipe Fleury e Eduardo Vaz, tem em seu histórico cerca de 50 processos de fusão e aquisição, por meio da assessoria a fundos de investimentos e clientes de diferentes setores. Confira a entrevista a seguir:

A HLB trabalha com escritórios associados, espalhados pelo mundo. Esse modelo não torna o negócio ainda mais desafiador?
Apesar de nosso modelo de negócios ser por meio de alianças entre firmas independentes, não quer dizer que não haja integração entre os associados e a companhia. Trabalhamos em rede e com áreas de apoio. Recentemente, passamos a adotar uma ferramenta que permite integração ainda maior dos nossos associados. O objetivo tem de ser o mesmo. Por isso, mantemos uma rede de firmas integradas. Claro que há situações locais que devem ser consideradas, por isso há espaço para adaptações ao mercado local. Mas o que propomos aos clientes têm como ponto de partida a capacitação e a gestão de qualidade.

Mas não existem riscos quanto a normas de compliance, já que são consultorias associadas?
Todas as associadas têm de ser alinhadas com o programa de controle de qualidade mundial, que inclui muitas áreas e aspectos de compliance. Nossas operações sabem que devem seguir normas de qualidade, além de cumprirem as regulações no nível local para evitar qualquer tipo de conflito. Agora, com a ferramenta que lançamos recentemente, o objetivo é que as empresas associadas diminuam ainda mais o risco de cada cliente em qualquer país, levando consideração às regras dos países onde operam.

O atual momento econômico tem trazido que tipo de desafio para as empresas?
Onde há desafios, há oportunidade. O Brasil é uma das maiores economias do mundo e só tende a crescer. Há problemas conjunturais e econômicos, é fato. O país passou por períodos que não foram fáceis, mas há muito o que ser feito aqui e essa é a principal vantagem na comparação com outras economias já desenvolvidas. Existem necessidades nos setores de serviços, industrial, além da própria capacitação.

As oportunidades estão apenas no mercado interno ou o país deve buscar outras possibilidades?
Não, também há muitas possibilidades para Brasil na American Latina. Esse é um mercado que faz sentido para as empresas brasileiras pela sua proximidade, semelhança de cultura e até de idioma. Além disso, é uma região onde há muito menos concorrência do que as companhias podem encontrar em outros países, como os Estados Unidos. Nesse processo de retomada e de busca de oportunidades, imagino que o Brasil possa ter como inspiração o que foi feito no Vietnã e na sua relação com a Ásia. O país cresceu muito nos últimos anos e acredito que aquele seja um modelo que pode ser replicado aqui.

O que atrapalha a atração de investimentos?
A burocracia é o que há de pior, é um obstáculo ao crescimento do Brasil. Ela atrapalha o ambiente de negócios e dificulta a vida das empresas. Ainda assim, as companhias seguem investindo no Brasil, apesar de terem de lidar com essa inconstância.
O atual governo vem apostando em um grande pacote de privatizações de ativos federais.

Essas privatizações têm potencial para chamar a atenção de investidores?
No geral, os processos de privatização costumam ser controversos em alguns aspectos, como o político e o social. Mas é inegável que há muitas oportunidades. O importante é que se leve em consideração sempre que esses processos exigem transparências para que se afaste o risco de corrupção.

A polarização política pode influenciar o humor dos investidores?
A polarização na política não é um problema apenas no Brasil, é geral. Vemos isso ocorrendo nos Estados Unidos, na Itália, no Reino Unido. Acredito que é algo que faz parte da democracia, porque demonstra que há opções. No meio desse processo, é fundamental que se compreenda e se respeite a força do sistema democrático. Essa força não está em não deixar ninguém governar.

Qual é a opinião dos investidores estrangeiros sobre o Brasil?
A percepção, além da burocracia exagerada no ambiente de negócios, é que há outros pontos que poderiam ser resolvidos. Os investidores dizem que há corrupção, que não há profissionalismo. Mas não é o que vejo pessoalmente. Por outro lado, eles acreditam que há, no Brasil, uma oportunidade única, pela posição do país como motor da América Latina.

A redução da taxa básica de juros, a Selic, pode diminuir o interesse dos investidores?
Esse não é um inibidor de investimentos. O Japão, por exemplo, passou por muitos anos com uma política de taxa zero, mas isso não afetou os investimentos. O que pode ocorrer é justamente o inverso. Com taxa de juros mais baixa, se toma mais recursos e se investe mais. Juros menores podem até ser um obstáculo em alguns casos, mas não é o principal. Há outros fatores que podem inibir os investimentos, como a falta de qualificação de pessoal e o regime fiscal.

Que tipo de mudança na economia é necessário fazer hoje para que seja gerado algum impacto significativo no ambiente de negócios?
No geral, as reformas fiscais simplificam o processo e trazem benefícios financeiros e de tempo para as empresas. Para mim, as cidades devem ter mais importância nessas discussões, porque elas precisam ter liberdade fiscal para atrair investimentos específicos. O Brasil é um país muito grande, não deve adotar uma política fiscal centralizada.

O senhor tem uma série de experiências como voluntário em atividades sociais. Que tipo de impacto isso tem na sua vida
como executivo?
É algo realmente muito importante. É o tipo de ação que a HLB procura ter junto às comunidades onde atua. Por meio do voluntariado, é possível aumentar o envolvimento dos funcionários da empresa com a sua comunidade. Também é uma forma de semear boas ações pelo mundo.