[FOTO1]Maria do Socorro Camelo, 70 anos, é lavradora e moradora de Santa Luzia, bairro ao lado da Cidade Estrutural, a 16 quilômetros da Rodoviária do Plano Piloto. Ela sobrevive, com muita dificuldade, com R$ 600 por mês. Socorro faz parte do grande contingente da população que perdeu renda nos últimos anos, enquanto a estreita fatia mais abastada da sociedade aumentou a concentração de renda, tornando o país, cada vez mais, desigual, conforme dados divulgados nesta quarta-feira (16/10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad).
A agricultora é responsável pelo sustento de oito pessoas. ;Às vezes nós não temos água e nem luz aqui. Ainda bem que, às vezes, recebemos doações de roupa;, conta ela, que veio do Maranhão, onde trabalhava quebrando coco na roça. ;Nunca fui beneficiária do Bolsa Família. Mal dá para sobreviver. Não consigo pagar meus remédios. Sou diabética e tenho problemas de pressão;, disse. Ela reclama da falta de cuidado dos administradores da cidade. ;Tem muita pulga e rato aqui onde a gente mora. Queria que eles olhassem mais para a gente que é pobre. Com fé em Deus, as coisas melhoram;, completou.
Anderson Mota Júnior, 20, estudante de medicina em uma universidade particular reconhece que é privilegiado economicamente. ;Seria muita inocência e falta de honestidade dizer que não;, afirmou. Para ele, o Brasil é um país evidentemente desigual em muitos fatores, como estudo, desenvolvimento social, acesso à saúde e ao lazer. O futuro médico já participou de atendimentos às comunidades carentes gratuitamente. ;Acredito que ações sociais impactam também de forma produtiva, na medida em que atende uma demanda sem cobrar nada de volta;, destacou.
De acordo com os dados do IBGE, o abismo entre Anderson e Maria do Socorro está cada vez maior. O Índice Gini, principal termômetro da desigualdade social, voltou a subir no país, alcançando 0,545, o maior patamar da série histórica do instituto, iniciada em 2012. Esse indicador vinha caindo até 2015, mas voltou a subir após a recessão que fez o Produto Interno Bruto (PIB) encolher 3,5%, naquele ano, e mais 3,3%, no seguinte.
Em 2017, o PIB brasileiro avançou 1,1%, mesma taxa de 2018, ou seja, andou de lado, e deve crescer menos neste ano (0,9% pelas novas estimativas do Fundo Monetário Internacional). Nesse período, o rendimento médio de 30% da população que ganha até R$ 951 ; menos do que um salário mínimo, de R$ 998 ;, como é o caso da moradora da Estrutural, teve queda no rendimento médio mensal. Já a população mais rica, com ganho médio de R$ 27,7 mil ao mês, registrou aumento de 8,4%, sinal de aumento da concentração de renda. Na média nacional, o rendimento mensal de todos os trabalhos cresceu 2,3%, em termos reais.
;O dado do IBGE tem um lado positivo, mostra que a renda média cresceu, mas tem o lado ruim, que é o aumento da desigualdade entre 2014 e 2018, confirmando as prévias anteriores;, avaliou o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas. ;O problema é que a recessão veio acompanhada do aumento da desigualdade. Desde 2014, a renda média dos mais ricos cresceu 9,4% enquanto os 5% mais pobres perderam o poder aquisitivo em 39,3%. É um crescimento chinês negativo de pobres;, lamentou Neri.
O sociólogo Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demonstrou preocupação com a tendência de aumento da desigualdade, devido ao baixo crescimento da economia. ;Isso é muito preocupante. A renda está crescendo muito pouco e a economia dá sinais de estagnação. Essa piora na desigualdade não é explosiva, mas considerando que a atividade econômica está muito devagar, esses dados me chamaram a atenção;, avaliou. Para ele, a concentração de renda pode ser maior do que a apontada pelos dados do IBGE, porque a média da Pnad costuma ser 40% menor do que o rendimento real desse 1% da população mais rica.
Estagnação contribui
A falta de crescimento da economia e o avanço da informalidade são fatores que explicam o aumento da desigualdade social no Brasil, levando o Índice Gini para o pior resultado da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 2012. Essa é uma das constatações da economista Adriana Beringuy, coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, ao explicar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgada ontem.;Esse movimento passa pela piora no mercado de trabalho, com redução do número de trabalhadores com carteira assinada; queda no volume de contratações da indústria, onde salários são melhores; e aumento da informalidade no setor privado e de trabalhadores por conta própria;, explicou a analista do IBGE.
Segundo o estudo, 72,4% da renda média domiciliar per capita dos trabalhadores brasileiros foi proveniente de alguma forma de trabalho em 2018, abaixo do pico de 75,4% de 2014. Já a participação de aposentadorias e pensão é crescente, passando de 18,3% para 20,5% no mesmo período. A fatia do bolsa família complementando a renda média mensal encolheu de 15,9%, em 2012, para 14,9%, em 2014, e para 13,7%, em 2018. ;Se pensar que os programas sociais estão relacionados às famílias mais pobres, essa redução acaba refletindo na perda do rendimento familiar;, comentou a técnica.
A pesquisa do IBGE revela, ainda, que houve redução da desigualdade no Nordeste A Região Norte ficou na lanterna, em função de uma queda maior nos segmentos de maior renda. ;Isso mostra que todos perderam mais;, avaliou Marcelo Neri, do FGV Social. Pelos cálculos dele, a perda de renda acabou sendo menor entre mulheres do que entre os homens, desde 2014 até o segundo trimestre de 2019. ;As mulheres foram o único grupo que registrou aumento na renda do trabalho, de 2%, enquanto a dos homens caiu 5%, porque são as mais educadas;, contou. ;A crise prejudica menos os mais educados. Nesse caso, as mulheres. Eis um dado positivo;, completou.