Durante a campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, era chamado pelo então candidato de Posto Ipiranga, e ele evitava fazer comentários sobre o assunto. Durante o período de transição após a vitória nas urnas, o economista ganhou o status de superministro ao ser o responsável pela política econômica liberal do novo governo e por comandar a pasta que aglutinou cinco ministérios: Fazenda, Planejamento, Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (Mdic), Previdência e Trabalho. Tanto poder, no entanto, não vem se refletindo em resultados concretos na trajetória de Guedes no governo.
A atividade econômica não cresce como o esperado após as eleições e a maioria das promessas não se concretizaram. No campo de ações, analistas avaliam que o superministro acumula mais derrotas do que vitórias e é criticado por apresentar balões de ensaio, como foi o caso da nova CPMF, que foi descartada publicamente pelo presidente. Para eles, o diagnóstico do remédio para fazer a economia voltar a crescer, só focado no mercado financeiro, está errado e precisa atacar também a desigualdade social.
Logo no início do mandato, Guedes se comprometeu a, além de apresentar nova reforma da Previdência, acabar com as ;criaturas do pântano; de dentro do governo, privatizar todas as estatais para arrecadar R$ 1 trilhão, zerar o deficit primário das contas públicas no primeiro ano de governo, fazer uma grande reforma tributária, ;tirando o peso do estado sobre os ombros do empresário;, entre outras promessas não concretizadas ainda. O único compromisso que está caminhando, embora lentamente e mais desidratado, é a mudança no sistema de aposentadorias, segundo analistas ouvidos pelo Correio. Guedes, inclusive, é elogiado por ter mantido integrantes da equipe econômica anterior e por ter dado continuidade ao programa de concessões na área de infraestrutura do governo Michel Temer.
;Em termos de avanços, a reforma da Previdência, pela sua importância, mesmo que tenha avançado pouco, em si, é um grande feito do ponto de vista da agenda econômica. Mas, se olharmos para o boletim do ministro, com o termômetro da economia, sua nota seria ruim;, avalia a economista Monica de Bolle, diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University, em Washington. Para ela, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não cresce, mesmo com a taxa básica de juro (Selic) no menor patamar da história e com deflação, porque a equipe econômica liderada por Guedes não entendeu o que está acontecendo. Ela precisa refletir melhor sobre o fato de o país estar preso na armadilha do baixo crescimento. ;Esse quadro ruim é ausência de diagnóstico do governo. Ele não tem estratégia. De modo geral, ficaram muito presos à reforma da Previdência e deixaram de lado os problemas estruturais que explicam a crise atual. Enquanto não houver um diagnóstico da equipe mais claro, não tem política econômica que vá destravar a atividade. É preciso uma reflexão maior;, explica.
O cientista político e diretor para Américas da consultoria norte-americana Eurasia, Christopher Garman, avalia que Guedes fez ;um excelente trabalho; com a reforma da Previdência, contudo, faz ressalvas. ;A equipe está indo em várias frentes simultaneamente, mas tem pecado um pouco ao adiar a entrega de várias propostas: tributária, fiscal e administrativa;, resume.
Na opinião do economista e consultor Paulo Nogueira Batista, ex-vice representante do Brasil no FMI e ex-presidente do Banco dos Brics, a área econômica do governo está ;patinando;, apesar de conseguir alguns resultados importantes, como a aprovação de uma reforma da Previdência ;bem relevante;. ;Mas, fora esse avanço, que foi do ponto de vista deles, não tem tido mais resultados a mostrar. Acho que não se nota uma clareza da agenda da área econômica do governo, não há um plano econômico;, avalia.
Mas a falta de traquejo político do ministro vem prejudicando sua relação com o Congresso, onde falam que ele tem um ;estilo próprio;. Quem tem conversado mais com os parlamentares são os auxiliares de Guedes, sempre que podem. As frequentes ausências do ministro vêm causando desconfortos e piadas de opositores de que o gás do posto secou.
Liberalismo
Mestre e doutor em economia pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, berço do liberalismo econômico, Guedes é um dos economistas que formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet no Chile na década de 1970, os chamados ;Chicago Boys;. Contudo, vem recebendo críticas de economistas liberais, destaca o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a Comissão Especial da reforma da Previdência na Câmara. Para ele, o ministro ;não tem experiência democrática; na vida pública.
Ramos considera o ministro desatualizado na teoria econômica. Para ele, ;Guedes é o que sobrou da velha Escola de Chicago no mundo;, enquanto contemporâneos deles tentam reavaliar os conceitos. ;O liberalismo rentista está levando ao colapso. Guedes acredita num liberalismo que o mundo inteiro questiona na atualidade, mas o mercado ainda está relativizando essa realidade.;
O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), considera que as medidas adotadas e sugeridas por Guedes têm sido no sentido do que o mercado financeiro deseja e que a agenda econômica que o ministro defende não terá efeito sobre o crescimento econômico porque é desatualizada. ;Ele insiste em uma volta aos anos 1970, essas medidas já não deram certo e não vão dar agora;, afirma. E acrescenta: ;Outra ilusão vendida foi a de que a economia brasileira crescendo de vento em popa no segundo semestre e, claramente, não está;.
;Paulo Guedes vendeu uma ilusão. Ele não sofreu derrotas, porque não conseguiu travar batalha alguma. Ele não apresentou soluções para os problemas do país. Apenas a reforma da Previdência;, afirma Ramos, primeiro vice-líder do PL. Ele conta que tem conversado com muitos empresários da indústria e do comércio que se dizem decepcionados com o superministro de Bolsonaro.
O deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n; 438, de 2018, que trata de medidas para conter o crescimento dos gastos obrigatórios e flexibilizar a regra de ouro, também não poupa críticas ao ministro. ;Guedes está errando muito. Parece que ele não entendeu que o congelamento do salário mínimo tem um choque muito grande na atividade, porque afeta a renda da população mais pobre. Isso, a Câmara jamais vai aprovar;, garante. No entender dele, o ajuste fiscal tem que atacar os setores que capturaram o Orçamento da União. ;Há um erro de diagnóstico sobre o tamanho do problema fiscal. Eles estão errando no remédio e no planejamento;, resume. Procurado, o Ministério da Economia não retornou até o fechamento da edição.
Campo minado
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dificuldade para avançar na maioria das promessas feitas quando tomou posse e não consegue estimular a economia. Veja alguns exemplos das batalhas travadas sem sucesso:
Reforma da Previdência
; Desidratação: o texto inicial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma previdenciária previa uma economia de R$ 1,2 trilhão em 10 anos. Na Câmara, a projeção de corte de gastos caiu para R$ 933 bilhões. No Senado, está em R$ 800,3 bilhões, mas pode sofrer mais ajustes no segundo turno de votação;
; Estados: a equipe econômica não conseguiu incluir os estados e municípios, que também sofrem para arcar com as despesas previdenciárias, no texto principal. A Previdência dos entes federativos ficou para a PEC paralela;
Reforma tributária
; CPMF: a ideia de um novo imposto nas bases da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira ;morreu em combate;, como definiu o próprio ministro da Economia. Após a polêmica em relação à divulgação das possíveis alíquotas da CPMF, o ex-secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, principal defensor da ideia,
foi exonerado;
; Novo texto: com a exoneração de Cintra e o veto do presidente Jair Bolsonaro a um novo imposto sobre transações, a equipe econômica tem de trabalhar rapidamente em uma nova proposta de reforma tributária enquanto, no Congresso, há duas PECs sobre o tema já tramitando.
Deficit zero
; Em sua posse, o guru da economia prometeu zerar o deficit primário do governo federal em um ano. Agora, Guedes já fala em alcançar o sonho ;o mais rápido possível;. A meta fiscal para as contas do governo central é de um deficit de R$ 139 bilhões, passando para R$ 124 bilhões, em 2020, e governo não tem apresentado medidas para conter o aumento de gastos;
Privatizações
; Desde a campanha eleitoral, Guedes falava na privatização de todas as estatais, arrecadando R$ 1 trilhão. Mas o secretário especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados, Salim Mattar, confirmou as declarações de Bolsonaro de que a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil e a Petrobras não serão privatizadas por este governo;
Estabilidade
; O ministro Paulo Guedes e a equipe econômica defendem a flexibilização da regra de estabilidade no emprego de novos servidores públicos na reforma administrativa que ainda não foi detalhada. A discussão pública sobre o assunto, no entanto, também foi vetada por Bolsonaro.
Cessão onerosa
; Dos R$ 106,6 bilhões esperados para serem arrecadados, tirando a parte da Petrobras, R$ 72,8 bilhões devem ficar para os governos federal e regionais. Estados e municípios vão abocanhar 33%, incluindo os 3% adicionais para o estado do Rio de Janeiro. Portanto, sobrarão para os cofres da União R$ 48,8 bilhões, valor que não deverá ter impacto nas contas públicas. O rombo fiscal previsto para o ano que vem é de R$ 124 bilhões.
OCDE
; A equipe econômica esperava que o apoio para a aprovação da candidatura do Brasil para entrar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pelos Estados Unidos saísse ainda este ano. O país iniciou o processo de adesão em 2017 e abriu mão do tratamento especial na Organização Mundial de Comércio (OMC). Em uma carta do secretário de Estado americano, Michael Pompeo, para o comando da OCDE, ele defendeu uma ampliação mais comedida e indicou apenas as candidaturas da Argentina e da Romênia.