Há 15 meses, a economia argentina atravessa uma crise cheia de picos de estresse. Após a fuga de capital de países emergentes no começo do ano passado, o peso começou a se desvalorizar rapidamente, o governo de Mauricio Macri pediu socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação chegou à casa dos 50% e o país entrou em recessão. Agora, um novo ingrediente agrava o quadro: após as eleições primárias, o opositor Alberto Fernández passou a ser visto como presidente eleito, enquanto Macri já não consegue captar a atenção dos agentes econômicos.
O limbo político no qual o país mergulhou há quase um mês, com Fernández praticamente eleito, mas sem poder começar a trabalhar em um gabinete de transição, travou as decisões de empresários e investidores. "Estamos em uma situação complexa. Temos um presidente muito debilitado e um não presidente (Fernández) ganhando força. Estamos em um limbo em que nunca havíamos estado, porque o resultado das primárias nunca tinha sido tão contundente", diz o analista político Sergio Berensztein.
Em 11 de agosto, nas primárias, a chapa formada por Fernández e a ex-presidente Cristina Kirchner derrotou Macri por 15 pontos porcentuais - resultado considerado, em todo o país, como quase impossível de ser revertido nas eleições de 27 de outubro.
Nas últimas semanas, o mercado financeiro entrou em pânico, temendo o retorno do peronismo e de políticas intervencionistas como estatizações e subsídios a serviços de energia e transporte. A maior parte dos investidores não quis renovar os papéis da dívida do governo e, dado o baixo nível de reservas internacionais para honrar os débitos, Macri anunciou que parte dos pagamentos foi adiada para daqui a seis meses.
Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o ministro da Produção e do Emprego da Argentina, Dante Sica, admitiu que "muitos empresários deixaram de prestar atenção" no governo. Por isso, acrescentou, estabilizar a economia "requer um compromisso de todos os atores", não só do candidato oposicionista, mas também do empresariado.
Fernández, no entanto, tem emitido sinais ambíguos para o mercado. Já afirmou que, se eleito, honrará os compromissos do país, mas também culpou o FMI pela crise atual.
A comparação com o Brasil de 2002, quando houve grande tensão no mercado brasileiro diante da então possível vitória de Lula nas eleições, tornou-se óbvia na Argentina. "A situação é parecida, com o agravante de que ninguém apresenta uma carta (como a assinada por Lula à época, na qual o então candidato se comprometia a honrar contratos)", disse o economista Fausto Spotorno, da consultoria Ferreres y Asociados.
Paradeira
Enquanto nenhum recado mais claro é dado ao mercado, o país está parado. O presidente da Câmara Argentina da Construção, Julio Crivelli, afirma que as empresas do setor estão esperando 2020 para tomar decisões de investimento. "O grau de incerteza é altíssimo. É preciso esperar o próximo governo."
Membro da Sociedade Rural Argentina, Santos Zuberbühler também aguarda uma definição política para tomar decisões. Sua preocupação é com o aumento do imposto sobre exportações. No governo Kirchner, foi adotada uma tarifa de 35% sobre embarques de soja. O fim das "retenções", como são chamadas na Argentina essas tarifas, era uma bandeira de Macri nas eleições de 2015. No ano passado, porém, pressionado pelo FMI, o presidente retomou a cobrança em uma tentativa de aumentar a arrecadação para reduzir o déficit fiscal.
Por enquanto, a única medida que Zuberbühler tomou foi sacar do banco grande parte de suas economias em peso para comprar insumos cotados em dólar. Preocupado com a possibilidade de o peso perder ainda mais valor, ele adiantou a compra de fertilizantes para a plantação de soja e milho de todo o ano que vem. "Esvaziei uma conta em que tinha colocado tudo o que recebi da venda de gado." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.