Um dia antes, parte da informação havia vazado para a agência de notícias Bloomberg, e o mercado financeiro reagiu mal diante da possibilidade de a companhia se tornar dona de uma empresa americana, controlada por Menin, e, com isso, pulverizar os esforços que hoje se concentram exclusivamente no Brasil. Com a conversa de pouco mais de duas horas, os analistas puderam tirar dúvidas e os papéis da MRV voltaram a se valorizar na B3, a bolsa paulista.
A proposta terá de ser aprovada em assembleia geral extraordinária, agendada para 4 de outubro. Se for dado o sinal verde, a MRV (US) Holdings Corporation, entidade holding com sede no exterior, deverá adquirir, em um primeiro momento, 20% do capital social total da AHS Residential, LLC., o que representa 50,01% do seu capital votante, com o aumento dessa fatia para até 51% do capital social total da empresa americana, desde que respeitado o valor mínimo de investimento de US$ 220 milhões, e o máximo de US$ 255 milhões, em duas rodadas.
A primeira rodada, no valor de US$ 46 milhões, poderá ocorrer já no próximo mês, caso o negócio seja aprovado pela AGE. Já a segunda rodada, com aporte que ficará entre US$ 175 milhões e US$ 204 milhões, deverá ocorrer entre 2021 e 2022.
Foi anunciada, ainda, a contratação do escritório americano Morrison, Brown, Argiz & Farra, LLC. para elaborar o laudo de avaliação da AHS Residential. A consultoria Interbrand deverá fazer o trabalho de construção da marca a partir da nova gestão. Apesar de o plano ser manter o nome AHS Residential, que já atua nos EUA desde 2012, não se descarta a troca para MRV no futuro.
Todo esse movimento representa a chegada da MRV aos EUA, que tem um mercado residencial de US$ 34 trilhões, ou 11 vezes o tamanho do brasileiro. A AHS atua no segmento da classe média, que, hoje, sofre com um grande deficit habitacional no país.
;Desde aquela época, notamos que o mercado americano de casas populares é muito fraco, as empresas têm muito pouca tecnologia. Faço uma analogia com a indústria de carros dos EUA, que foi engolida pela japonesa, coreana e europeia. Ainda hoje, eles utilizam uma tecnologia ultrapassada na construção. A melhor tecnologia do mundo nesse setor é a da MRV;, disse Menin aos convidados.
Faltam imóveis
Segundo o empresário, presidente do conselho de administração da MRV, apesar de ser grande, o mercado residencial para a baixa renda nos EUA é muito mal abastecido. Há cerca de três anos, conta Menin, os executivos perceberam que era possível fazer um trabalho de troca de tecnologia entre as duas empresas.Foi assim que o processo construtivo da MRV ; um deles inclui o uso de formas de concreto ; chegou aos EUA, o que refletiu na redução de custos e no menor prazo para a entrega das obras. O prazo de entrega, no início, era de 16 meses, e atualmente está em 12. Agora, o plano é baixar esse cronograma para oito meses. ;Habitação popular é um problema mal resolvido no mundo todo. Tem de haver uma solução de mercado para isso e é no que apostamos.;
Menin acredita que o mercado teve uma percepção errada sobre o negócio por conta do vazamento incompleto da informação. ;Tínhamos propostas de empresas e fundos americanos bem superiores a isso. Vendemos pelo valor do tijolo. Corri todos os riscos. É um sonho da MRV. Estou abrindo mão de uma empresa que era minha para um sonho maior;, explica.
O empresário lembra que o negócio é atraente, não só pela tecnologia da MRV, que poderá ser exportada para a AHS, mas principalmente pelo tamanho do mercado americano, muito maior que o brasileiro. Nos EUA, diz, tem ficado cada vez mais difícil para a classe média adquirir um imóvel, o que ele acredita ser uma oportunidade. Como resultado, garante, o acionista ganhará ao ter participação em uma empresa que vai gerar mais valor ao se expandir em um mercado mais maduro e estável que o brasileiro.
Menin diz ter ;100%; de certeza de que a MRV tem condição de alcançar bons resultados. ;A MRV vai surfar muito bem no mercado americano. Acredito muito no Brasil, mas, por que não ir além e chegar a mais mercados?;. Para Menin, essa é uma janela de oportunidade. Além disso, lembra o mineiro, ;cavalo arriado não passa duas vezes;.
A sede da AHS fica em Miami, mas a empresa já estuda a expansão dos projetos para o Texas e a Georgia. Menin avalia que o potencial da AHS seja grande a ponto de a empresa americana se tornar maior que a MRV, uma espécie de plataforma global na área da construção civil.
Apesar do entusiasmo com o que pode vir dos negócios nos EUA, o presidente do conselho de administração da MRV mantém boas expectativas em relação ao Brasil, especialmente diante dos juros mais baixos e da carência de projetos fora dos grandes centros.
Promissor
Assim como Menin, Rafael Menin Teixeira de Souza, CEO da MRV, garante que, apesar do plano de internacionalização, a companhia continua entusiasmada com o mercado brasileiro.;Com novos financiamentos no mercado, juros caindo e a volta da economia, quem pode surfar nessa onda é a MRV. Estamos em 22 estados e 160 cidades. Não é nada fácil tocar essa operação em um país como o Brasil, com toda a sua insegurança jurídica. Mesmo assim, temos entregado resultados consistentes nos últimos 12 anos. A MRV ainda tem uma avenida de crescimento por aqui;, afirma. Em outro momento da apresentação, no entanto, o CEO lembrou que o ambiente doméstico ;ainda não é pró-negócio, enquanto nos EUA está ocorrendo o oposto, com menos risco;.
Apesar do comportamento que espera do mercado interno, o CEO provoca: ;Por que não adicionar mais um componente de crescimento? Temos capital financeiro e humano. Nosso jogo é muito de longo prazo. Por isso, acreditamos no que pode ser agregado ao alargar essa plataforma habitacional, ao levar nossas operações no primeiro e no segundo maior mercado habitacional do Ocidente;.
Na análise do CEO da MRV, o risco inicial da AHS já foi assumido por Menin no início da operação e ficou provado que a empresa é mais eficiente do que as concorrentes americanas. Otimista, Rafael diz que, neste caso, a soma de ;dois mais dois será igual a seis. Envolverá pouco capital para um negócio que pode dobrar o lucro da companhia;.
A aposta de todos os executivos durante o evento é que a combinação de negócios dará certo. E, mesmo antes da aprovação em assembleia, a direção da MRV já aposta no que vem por aí.
Ao final, os analistas ganharam um kit para já entrar no clima da nova fase da empresa. O cartão dizia: ;Quando o melhor de dois mundos é misturado, sempre surge algo muito especial;. Na caixa, os convidados encontraram ainda três tipos de molho barbecue, produto típico dos EUA, mas todos foram feitos com receitas que lembram Minas: goiabada caipira, café e pimenta biquinha com cachaça.