São Paulo – A roda da economia começou a girar, o avanço das reformas anima os investidores e a expectativa é que o país entre em um ciclo de crescimento substancial. A avaliação é de Mauro Correia, presidente da revendedora, importadora e fabricante de veículos Caoa. O executivo cita o forte desempenho da venda de caminhões no ano como sinal da retomada. “A área de caminhões, normalmente, retrata o crescimento da economia. Você precisa gerar riquezas para poder transportar.”
Correia afirma que o avanço das mudanças nos sistemas previdenciário e tributário vai acelerar os investimentos e tornar o setor industrial mais competitivo. “As reformas vão trazer uma condição melhor para o crescimento do país”, destaca. O CEO da Caoa fala também como as turbulências internacionais, como a guerra comercial entre Estados Unidos e China e a situação política na Argentina afetam os negócios.
Nesta entrevista, Mauro Correia aborda, ainda, o futuro da indústria automobilística no país e o desafio de acompanhar o crescimento da economia compartilhada. Ele conta como o setor pode se adaptar às necessidades das novas gerações, especialmente aquelas pessoas que não consideram o carro próprio um sonho de consumo. “A mobilidade vai continuar existindo. É uma necessidade e o veículo sempre vai fazer parte dela”, completa.
A indústria automobilística serve como um termômetro da pujança
econômica de um país. Considerando a importância do setor,
qual é a sua avaliação sobre o momento do Brasil?
econômica de um país. Considerando a importância do setor,
qual é a sua avaliação sobre o momento do Brasil?
Sofremos uma crise muito forte nos últimos anos, e com a mudança de governo, o otimismo melhorou muito. Já estamos vendo ações em todas as esferas que são importantes para o país. Ainda não estamos em um crescimento substancial, mas a economia já está se movimentando, a roda está começando a girar. Isso também é visível na indústria automobilística.
Há algum indício mais concreto da retomada?
A área de caminhões, por exemplo, normalmente retrata o crescimento da economia. Você precisa gerar riquezas para poder transportar. E as vendas de caminhões tiveram um crescimento substancial. Quando olhamos a parte de veículos, automóveis e comerciais leves, o crescimento acumulado de janeiro a julho está em torno de 11%. A estimativa para este ano, para uma indústria que, em 2018, produziu 2,5 milhões de unidades, é de 2,9 milhões. Ainda está longe do que foi nosso pico, de 3,6 milhões de unidades, em 2013, mas acho que já mostra uma consistência no crescimento, que vem desde 2017. O que é positivo nisso, quando você vê o crescimento da indústria automobilística, é que a base de suprimentos no Brasil também é muito grande. O setor no país é muito robusto. A grande maioria dos fornecedores internacionais está no Brasil. Temos empresas brasileiras que são multinacionais. Isso faz com que a economia gire em uma cadeia produtiva grande.
No geral, os resultados estão dentro das
expectativas ou as projeções eram melhores?
expectativas ou as projeções eram melhores?
Estão dentro do estimado mesmo, de crescimento de 10% a 15%. Mas precisamos trabalhar para ter uma venda mais saudável, vender muito mais no varejo. Temos que colocar a indústria para fabricar, temos que fazer volume para reduzir custos.
A expectativa no início do ano estava muito relacionada
à aprovação da reforma da Previdência. Que outros
fatores influenciaram o cenário econômico?
Sobre a Previdência, os empresários e analistas estavam mais otimistas quanto ao período de aprovação, mas ela já está quase lá, o que é muito positivo. Essa é uma reforma muito importante, porque ajuda na confiança dos empresários e investidores com o Brasil. Outro ponto importante que vejo é que já está se discutindo uma reforma tributária, que é fundamental para termos um sistema racional, que deixará o país mais competitivo.
Como a reforma tributária vai melhorar a
situação da indústria automobilística?
situação da indústria automobilística?
Primeiro, acredito que ela vai trazer uma condição melhor para o crescimento do país. Isso ajudará não só a indústria automobilística, mas toda a base industrial brasileira. Você vai trazer novos investidores, vai colocar mais dinheiro dentro do país, vai ter mais investimentos produtivos.
Com esse cenário, quanto tempo o setor
vai precisar para retomar os níveis pré-crise?
vai precisar para retomar os níveis pré-crise?
Para você voltar a um período pré-crise, de 3,6 milhões de unidades produzidas, ainda leva uns três ou quatro anos. Mas o modelo de volume começa a se modificar um pouco. Você começa a ter um movimento maior de locação de veículos, de meios de mobilidade diferentes pelas cidades. Precisamos também começar uma reinvenção para chegar mais próximo do consumidor, que passou a ter uma visão diferente de como fazer sua mobilidade nos grandes centros. Não vai depender só da economia, mas também de como a indústria automobilística se redesenha, se recria para se encaixar nesse novo momento.
A Caoa tem uma parceria com a fabricante chinesa Chery.
Como você vê a guerra comercial entre Estados Unidos e China?
Como você vê a guerra comercial entre Estados Unidos e China?
Os dois países precisam achar uma solução, entrar em acordo para minimizar o ambiente de aversão ao risco dos investidores.
Há ainda um preconceito do consumidor
brasileiro em relação aos veículos chineses?
brasileiro em relação aos veículos chineses?
Acho que tinha. Se você olhar o desempenho da Caoa Chery do ano passado para cá, estamos crescendo mais de 250%. Já estamos superando marcas que estão há 18 anos no mercado brasileiro. Isso mostra que essa aversão ao carro chinês vem desaparecendo.
Como?
Por um trabalho muito árduo e consistente que estamos fazendo, como a prestação de serviços ao consumidor. Dedicamos uma atenção muito forte ao relacionamento com o consumidor e temos um acompanhamento do pós-venda muito rígido. Quando o consumidor faz uma reclamação, ele não fica sem resposta, sem solução. E era isso que prejudicava as marcas chinesas. Porque não tinha pós-venda, não tinha peça de reposição.
Qual o impacto da guerra comercial para os negócios da Caoa?
É ruim, porque boa parte de toda a matéria-prima que se utiliza é cotada em dólar. Mesmo com componentes produzidos no Brasil, ainda tem uma porcentagem disso que é em dólar, que você precisa acertar, tem que reajustar. E isso faz com que os produtos aumentem de custo.
A situação política na Argentina, que é uma grande
parceira do setor automobilístico brasileiro, preocupa?
Impacta na retomada da produção. A Caoa, especificamente, não exporta para a Argentina, mas a crise no país impacta na produção nacional. Acredito que a Argentina vai achar seu caminho, sempre foi um parceiro muito forte do Brasil. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil vem buscando outros parceiros e já vem fazendo outros acordos bilaterais, como com México e Colômbia, e tem a discussão com a União Europeia indo para frente. O que precisamos, além desses acordos, é fazer as reformas necessárias para tornar o país mais competitivo.
Você falou em necessidade de renovação do setor. A economia
compartilhada é uma ameaça para a indústria automobilística?
compartilhada é uma ameaça para a indústria automobilística?
Existem sempre os ciclos de renovação tecnológica. Hoje, o próprio veículo está sofrendo mudanças, seja na forma de conduzir, na disponibilidade de conforto que você dá para o consumidor, seja no seu sistema de propulsão. Também fala-se muito de carro autônomo, da eletrificação do veículo, a forma de conectividade para trazer a informação adequada para o usuário. Isso é importante, porque você insere no setor outros participantes que não existiam antes, que são as empresas de tecnologia. Dito isso, acredito que o compartilhamento vai se tornar uma realidade. O sistema de aluguel de veículos está cada vez mais forte. Você vê os jovens tirando carteira de motorista cada vez mais tarde. E o jovem pensando mais na mobilidade do que no produto em si, na posse dele.
Como conversar com esse consumidor que
não tem mais o sonho do carro próprio?
não tem mais o sonho do carro próprio?
Pelo meio mais adequado que eles se comunicam, que é o eletrônico. Você tem que oferecer a esse consumidor aquilo que atende à necessidade dele de movimentação. Você já vê consumidores que querem um tipo de veículo durante a semana e outro, no fim de semana. Mas o que se discute muito é que isso é válido até o momento em que esse jovem se casa e tem o primeiro filho. Porque aí o veículo passa a ser uma necessidade para ele. Então, você começa a criar necessidades diferentes, em momentos da vida diferentes. Mas uma coisa é fato: a mobilidade vai continuar existindo. É uma necessidade e o veículo sempre vai fazer parte dela. Você vai ter, talvez, uma forma diferente de comercialização, mas esse carro vai continuar tendo a necessidade de acompanhamento de serviço, de reserva, entre outros.
Sobre carros elétricos, quais os planos da
empresa para o mercado brasileiro?
empresa para o mercado brasileiro?
Já estamos preparando o nosso primeiro lançamento no país, que deve entrar em comercialização agora em setembro. E estamos trabalhando no desenvolvimento de outros produtos eletrificados. Não necessariamente puro elétrico.
Quando esses veículos vão
ter um preço mais acessível?
Quando aumentar o volume de produção, com o desenvolvimento da tecnologia, que tem como principal foco a redução do custo da bateria. Isso já vem ocorrendo. A tendência é que os eletrificados fiquem com preços cada vez mais competitivos.
Existe alguma estimativa de tempo?
É difícil, porque a tecnologia hoje gira muito rápido. Mas podemos apontar que, nos próximos três ou quatro anos, isso estará muito mais competitivo. Hoje, o desenvolvimento tecnológico tem uma velocidade muito maior do que no século passado. Mas o que vejo para o Brasil é que ainda vamos passar por uma fase que é a eletrificação por meio de veículos híbridos e flex. O país tem um combustível limpo, que é o álcool, e acho que temos uma oportunidade muito grande de associar a eletrificação de veículos com motor a combustão.