Economia

Medo de calote: moratória argentina preocupa exportadores brasileiros

Empresas temem que colapso do sistema de crédito no país vizinho, com calote em dívidas de US$ 57 bilhões, reduza ainda mais as compras de produtos fabricados no Brasil

Nelson Cilo, Jaqueline Mendes
postado em 30/08/2019 06:00
Fabricantes de produtos da chamada linha branca estão preocupados com a crise na ArgentinaSão Paulo ; O empresário paulista Jarrier Belmonte, dono da Colormaq, fabricante de produtos como máquinas de lavar, tanquinhos e depuradores de ar, acordou com uma notícia preocupante para as estratégias da empresa: a Argentina está a um passo de dar um calote em sua dívida, obrigando credores internacionais a reduzir juros e estender prazos de pagamento.

A medida, conhecida como moratória, terá impacto direto na economia brasileira. No caso da Colormaq, a Argentina é o principal destino das exportações da empresa na América Latina. Embora os embarques representem apenas 5% do total produzido, os planos de expandir a presença da marca no mercado externo acabam ameaçados. ;Queremos ampliar nossos negócios fora do Brasil, não reduzir;, diz Belmonte. ;Estamos, inclusive, acertando os últimos detalhes de um plano de investimento de R$ 100 milhões para aumentar nossa capacidade de produção e atender à demanda dos países vizinhos e até da China;.

A empresa, sediada em Araçatuba, no interior de São Paulo, e com faturamento de R$ 650 milhões no ano passado, pretende construir uma nova fábrica e contratar mais 300 funcionários até 2021, segundo o empresário. ;O aumento das exportações e o e-commerce são os pilares da nossa estratégia de crescimento para os próximos anos. Então, estamos sempre preocupados e atentos com o que acontece nos países com quem mantemos negócios;.

Para muitas empresas brasileiras, a Argentina tem um papel fundamental, respondendo por uma fatia gorda dos resultados. Soma-se a isso o fato de o mercado brasileiro seguir aos solavancos, com crescimento modesto do PIB. Exemplo disso é a fabricante de calçados Vulcabras Azaleia, dona da marca Olympikus. A companhia fechou o primeiro trimestre de 2019 com queda de 21,6% em relação ao resultado registrado no mesmo período de 2018, com vendas de R$ 26,2 milhões, contra R$ 33,4 milhões do balanço do ano passado. ;No Brasil, muitos varejistas tiveram de arcar com estoques excedentes do fim de 2018, o que impactou o mês de janeiro;, explicou a companhia em comunicado sobre os resultados do período. ;A reação positiva veio em março, porém, abaixo do ideal. O mercado externo, refletindo a crise argentina, foi o maior peso sobre os resultados de Olympikus;.

Diversos setores econômicos ligaram o sinal de alerta. Presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), José Ricardo Roriz Coelho detalha o que está em jogo. ;A indústria do plástico vê com preocupação os efeitos econômicos do pedido de moratória na Argentina;, diz. ;Em um momento em que o Brasil ensaia uma possível recuperação, o agravamento da crise em um importante parceiro comercial do Brasil pode impactar no resultado das empresas;.

O executivo lembra que a Argentina é o principal destino das exportações de produtos plásticos, representando 32% do volume total. Entre os principais itens estão artigos de transporte ou de embalagem, rolhas, tampas e cápsulas, além de tubos e seus acessórios. Na outra ponta, apenas 3% do volume de produtos plásticos importados pelo Brasil vem da Argentina.

Para Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Associaçã
o Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a moratória trará mais problemas para o Brasil. ;As exportações de calçados brasileiros para a Argentina vêm caindo, ininterruptamente, desde o segundo semestre do ano passado, em função da crise econômica local;, diz.

;A moratória traz ainda mais incertezas para o mercado, mas sabemos que é uma medida urgente para aliviar a pressão sobre as reservas e também a galopante desvalorização cambial do peso argentino. Dentro desse contexto, e diante de um ano eleitoral, acreditamos que as quedas sigam ocorrendo, pelo menos até o fim de 2019;.

Apesar das quedas consecutivas, a Argentina segue como o segundo principal destino do calçado brasileiro no exterior, tendo importado, entre janeiro e julho, 4,6 milhões de pares, 28,5% menos do que no mesmo período de 2018.

Presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes enxerga um ponto positivo. ;A moratória da Argentina termina com as especulações sobre a capacidade do país de cumprir o acordo;, afirma. ;De um lado, obviamente isso é ruim. De outro, cria uma previsibilidade, abrindo espaço para a recuperação do país.;

Basta olhar para os números para entender que o temor dos empresários brasileiros se justifica. A Argentina é o principal parceiro comercial brasileiro na América Latina e o terceiro no plano mundial, atrás da China e dos Estados Unidos. Entre janeiro e maio de 2019, a pauta de exportações brasileiras era composta por 89,6% de produtos manufaturados, segundo dados do Ministério da Economia, enquanto do lado argentino, essa soma chegava a 73,7%.

Desde 2007, o Brasil é superavitário nas trocas com o país vizinho. A forte retração econômica argentina, no ano passado, fez com que a balança passasse a registrar um ligeiro déficit. Além disso, o calote da Argentina prejudica ainda mais a já fragilizada situação do Mercosul ; bloco econômico criado em 1991 e formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. ;Até mesmo a aprovação do acordo Mercosul-União Europeia fica mais complicada. Grande parte da dívida argentina está nas mãos de bancos espanhóis e franceses;, afirma o economista Paulo Henrique Campos, do Departamento de Estudos Econômicos da América Latina, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP).

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação