São Paulo ; João Carlos Costa Brega, presidente da operação latino-americana da Whirlpool, fabricante de eletrodomésticos que detém as marcas Brastemp, Consul e KitchenAid, acredita que o pior momento da economia brasileira está ficando para trás e que o país está fazendo a lição de casa desde o governo do ex-presidente Michel Temer (PMDB), com o avanço das reformas trabalhista e da Previdência.
Agora, o executivo está otimista com a reforma tributária, tendo inclusive participado de discussões sobre o tema. Para Brega, atualmente não há uma proposta perfeita sobre a mesa e, por isso, será preciso convergir para um modelo que ele chama de ;Frankstein;, juntando o que há de melhor nos projetos apresentados até agora.
Defensor da redução do papel do Estado, o presidente da Whirlpool diz que o governo deve se ater a garantir boa qualidade de serviço nas áreas da educação, saúde e segurança, e que as agências reguladoras tenham o papel de fiscalizar o funcionamento das atividades privadas. Para o executivo, elas deverão ganhar mais relevância à medida que o governo avançar com o programa de privatizações. Brega diz se incomodar com o clima de embate visto no Brasil. ;Essa polarização é ridícula, míope e rasa. Mas ela acontece porque é a forma de sobrevivência de cada um dos lados.;
A situação da economia é delicada. Você vê chance de melhora?
Atualmente, o nosso setor está com o mesmo nível de produção de 2008. Olha o potencial que nós temos para crescer. Não existe uma bala de prata. Precisamos atacar o tamanho do Estado, fazer as reformas estruturais. Isso vai melhorar o ambiente de negócios. Já passamos por algumas mudanças, por exemplo, na legislação trabalhista. Agora, o foco é a reforma tributária. O Estado deve garantir segurança, saúde e educação, esse é seu papel. Não tem de ser dono dos Correios, de empresa de petróleo. Cabe às agências reguladoras a fiscalização de como a economia vai funcionar. Infelizmente, elas foram desvirtuadas com o passar do tempo. Mas, com o plano de privatizações que o governo está colocando agora, elas terão um papel fundamental.
Como chegamos até aqui?
No fim de 2015, quando veio a crise, já deu para ver que entraríamos em recessão pelos fundos. Aí, veio o governo Temer e começou a fazer algumas mudanças importantes. Não avalio a pessoa, mas o que foi feito pelo governo naquele momento. Mesmo com as mudanças, sabíamos que o país andaria de lado e que a melhora só aconteceria se as reformas fossem feitas. Do ponto de vista econômico, a fotografia mostrava um país com uma inflação galopante e tecnicamente em recessão. O governo implementou o teto de gastos e atualizou a legislação trabalhista. Antes da eleição, tínhamos muito mais receio por não saber o que iria acontecer. Só havia uma certeza: de que não adiantaria o voo de galinha, ou seja, apenas estimular o consumo, como foi feito outras vezes.
Como a matriz, nos Estados Unidos, tem reagido à situação brasileira?
A Whirlpool, uma empresa centenária, está no Brasil há mais de 60 anos. Estamos acostumados com a volatilidade. Essa não foi a primeira crise, nem a última. O Brasil continua a ser um mercado muito importante para a companhia. Somos o segundo maior mercado, atrás apenas dos Estados Unidos.
Como a baixa atividade da economia afetou a companhia?
O mercado brasileiro se caracteriza pelas compras de reposição e as planejadas. A crise afetou a planejada, por isso estamos vivendo hoje do mercado de reposição. As pessoas compram quando o aparelho quebra e não tem mais jeito. Mas tem havido uma recuperação. Neste quarto trimestre, já veremos crescimento sobre o quarto trimestre do ano passado. Nossa expectativa é de um crescimento de dois dígitos em número de unidades comercializadas.
Apesar de apontar para uma recuperação, ão há uma sensação
nas ruas de que as pessoas estão adiando suas compras?
nas ruas de que as pessoas estão adiando suas compras?
Não é a percepção que tenho, também não é o que dizem os revendedores e os nossos pares. As vendas pararam de cair e há indícios de uma recuperação. Um sinal disso é a retomada das transações imobiliárias, principalmente no residencial. Com as reformas, teremos de quatro a cinco anos de um belo crescimento, sem inflação de oferta. Atualmente, estamos com uma capacidade ociosa em nossas unidades, que varia de 20% a 25%. Nossa previsão é que, em cinco anos, a utilização suba para 90% a 95%.
A imprevisibilidade do câmbio nos últimos meses chega a prejudicar os negócios?
Estamos em um mercado cada vez mais globalizado, com um sistema de troca baseado em moedas. Não foi só o real que se desvalorizou ou apenas a bolsa brasileira que caiu. O que está acontecendo agora é muito diferente dos efeitos que vimos no mercado com o vazamento dos áudios do Joesley Batista (da JBS), por exemplo.
A Reforma Tributária vai avançar?
Sinto uma grande evolução nas discussões sobre o tema. Hoje, há interesse e sabe-se da necessidade que a reforma tem para a economia do país. Ninguém tem uma varinha mágica que vai resolver o problema como um todo. Mas o fato é que pioramos e precisamos sair dessa situação. Em 1988, a carga tributária do país era de 23%. Hoje, é 37%. Algo precisa ser feito. Temos uma burocracia que foi construída ao longo de 30 anos, não é fácil desarmá-la. Acho que um bom começo é dar consciência para a sociedade, do cidadão às empresas, sobre a importância da oportunidade que temos agora.
Qual é a sua opinião sobre as propostas colocadas sobre a mesa?
Pelo que vimos das propostas apresentadas até agora, não há um modelo perfeito, por isso vai ter de ser um ;Frankstein;, juntando as melhores ideias de cada projeto. O importante é saber qual é a abrangência dessa reforma, a sua incidência e como será a transição para as novas regras. Não concordo, por exemplo, com o fim das desonerações. O governo precisa ter uma política de incentivo, não dá para simplesmente quebrar um contrato. Fala-se muito da Zona Franca de Manaus, mas ela representa apenas 8% das desonerações. Dependendo da forma como a reforma tributária for feita, pode levar a uma judicialização, o que é muito ruim. Os direitos adquiridos devem ser respeitados.
Não existe um risco de aumentar a sonegação
à medida que as regras para a tributação forem
mais rigorosas, frustrando os planos de arrecadação?
Hoje, a informalidade chega a 40% da economia. Dependendo da forma como os tributos forem cobrados, não tem como sonegar. Não se vive mais sem os bancos, mesmo aqueles que são informais. É preciso comprar matéria-prima, vender produtos, não tem como fazer isso fora do sistema financeiro. O que não dá é para continuar como está, com as empresas gastando 2.600 horas para estarem adequadas à governança exigida na área tributária. Algo precisa ser feito. Segundo o site da Receita Federal, 60% da arrecadação da Pessoa Jurídica vem de 0,01% das empresas. Isso mostra quão injusta é a legislação. A pessoa física é inocente até que se prove o contrário. Já a PJ, ao sofrer uma autuação, não tem como discutir, vai ter de arcar com um depósito judicial. Olha outro exemplo de necessidade de mudança. Sou 200% a favor do Simples, mas, do jeito que ele é hoje, funciona como um desestímulo ao crescimento das empresas, porque, se elas faturarem acima do que prevê a regra, ficam fora do Simples, pagam muito mais imposto e o negócio se torna inviável. É uma solução boa, mas sem visão de longo prazo.
Mas e o Refis, ao qual tantas empresas recorrem, deve continuar?
Hoje, há tantas coisas urgentes que eu não colocaria o Refis ou a revisão do Simples neste primeiro momento da reforma, não são prioridades.
Qual é a sua avaliação sobre esse início de governo?
O que eu vejo é muita manchete de jornal, mas a gente não sabe o que foi falado de fato. O fato é que esse é um governo eleito legitimamente. Não vejo nada que o desabone até agora. Não faço juízo de valor da pessoa. O fato é que o ministro Paulo Guedes tem uma equipe excelente. Tem muita coisa boa sendo feita, mas não vejo nada muito positivo sobre essas medidas, por exemplo, no caso da liberação dos R$ 500 do FGTS, da mudança das regras no setor de gás ou no caso da BR Distribuidora. O governo padece de comunicação. Isso é uma arte e precisa ser melhorado.
Essa polarização política o incomoda?
Ninguém deve ser tratado como inimigo porque diverge. O inimigo é o crime, o nível de saúde que temos no Brasil, isso sim. Essa polarização é ridícula, míope e rasa. Mas ela acontece porque é a forma de sobrevivência de cada um dos lados.