Campos Neto argumenta que mudanças no setor financeiro são populares, porque é uma agenda inclusiva e que ajuda a aumentar a produtividade do país. Para ele, apesar da queda dos juros nos últimos tempos, é preciso avanços maiores. Na composição do spread bancário — diferença entre o que os bancos pagam aos investidores e o que cobram dos devedores —, todos os fatores têm espaço para melhoria: inadimplência, despesas administrativas, tributos e margem financeira.
Na opinião do presidente da autoridade monetária, contudo, a redução do calote é o ponto mais alarmante, por ter o maior impacto, já que representa 37% do spread. “O que mais chama a atenção é a inadimplência. Temos o problema de informação assimétrica. Se eu tenho menos informação sobre uma pessoa, eu vou tender a cobrar mais caro”, diz. “Temos o cadastro positivo, que já foi regulamentado, e o open banking (compartilhamento de dados bancários pessoais), que deve quebrar isso de forma mais estrutural”, completa.
Também há barreiras para a recuperação do crédito, que é mais baixa que no resto do mundo e mais lenta. “O Brasil leva uma média de 3,5 anos a quatro anos, contra a média dos emergentes, de 1,5 ano a dois anos. No Brasil, nós recuperamos menos de um quinto da média dos outros países”, compara o presidente do BC. Os bancos compensam isso na cobrança de taxas mais altas.
Regressividade
Para ele, todos esses entraves acabam criando enormes distorções nas linhas de créditos emergenciais. “Há várias razões para os juros do cheque especial serem altos. Uma delas, preocupante, é que essa linha é muito regressiva, porque, quando disponibiliza um limite para alguém tomar um dinheiro, há um consumo de capital para o banco, que é proporcional ao limite disponibilizado”, explica. “Neste custo de capital, quem tem mais dinheiro na conta vai ter um limite maior, logo vai consumir mais capital”, acrescenta.
Campos Neto afirma que, geralmente, o cliente que tem mais limite do cheque especial é o que menos usa o produto. “Quem usa basicamente são pessoas que ganham até dois salários mínimos, e 67% dos usuários têm até o ensino médio completo. Então, por que ele é muito regressivo? Quem está lá embaixo paga para quem está lá em cima, para quem tem um limite alto e não usa”, acrescenta. “É um produto que, basicamente, com juros médios de 300% , pune quem está embaixo da pirâmide”, completa.
No entender do presidente do BC, o rotativo do cartão de crédito tem uma análise muito parecida. “A nossa conversa com a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) vai no sentido de diminuir a regressividade desses produtos. Precisamos compreender esses instrumentos. A Febraban tem feito o trabalho para a educação financeira, mas precisamos de um programa mais amplo”, defende.
A boa notícia, ressalta Campos Neto, é que o mercado de crédito tem evoluído favoravelmente e o Brasil está numa posição sólida, com juros em baixa e perspectivas de novos cortes na taxa básica (Selic), hoje, em 6% ao ano, o nível mais baixo da história. Ele assinala que a credibilidade do país aumentou nos últimos anos, o que pode ser medido pelo nível do credit default swap (CDS, uma espécie de seguro que mede o risco Brasil).
Infraestrutura
Pelos cálculos do presidente do BC, mesmo com a estagnação da economia, o crédito voltou a crescer, o que é um bom sinal. “O crédito é um canal que está bastante saudável. As operações com recursos livres estão crescendo a um ritmo de 11,8%, e o total, 5,1%”, diz. Ele indica que esse avanço será acompanhado da redução dos juros. No que depender da autoridade monetária, há a possibilidade de a taxa básica continuar baixando, devido ao elevado nível de ociosidade da economia. Esse quadro positivo, é claro, depende do andamento das reformas estruturais, como a da Previdência Social, e de um clima mais positivo no cenário externo.
Para o crédito evoluir de forma estrutural, Campos Neto diz que é preciso trabalhar na parte de infraestrutura, área em que o Brasil ainda tem grande carência. Isso exigirá um marco regulatório e o incremento do hedge cambial, seguros que permitem a investidores de longo prazo se protegerem de oscilações de moedas estrangeiras. “Temos que refazer as regras. O projeto (de lei) já está praticamente pronto”, destaca. “No Brasil, as regras cambiais foram feitas entre 1920 e 1960. É um sistema totalmente desatualizado e tem um custo expressivo, entre 0,4% e 0,6% para cada negociação”, afirma.
Outra frente a ser trabalhada é reduzir o crédito direcionado, que é subsidiado. Essas linhas distorcem o mercado e têm um custo alto para o Tesouro Nacional.
Inovações do mercado
O sistema imobiliário brasileiro pode dar uma grande contribuição para a redução dos juros e injetar recursos na economia, na avaliação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Esse mercado ainda é pouco alavancado no Brasil, mesmo quando comparado com países emergentes. Na avaliação dele, é preciso implementar uma agenda ampla de mudanças para reduzir o custo dos empréstimos e dos financiamentos. Com base em cálculos feitos no setor bancário, seria possível reduzir as taxas do crédito pessoal dos atuais 153% para 15,39% ao ano.
É o caso da hipoteca reversa, ou home equity, que dá ao cliente bancário a possibilidade de utilizar o imóvel quitado em seu nome como garantia para conseguir um empréstimo pessoal. O tomador do crédito recebe uma quantia mensal do banco e continua a morar no imóvel, sob a condição de a instituição financeira ficar com o bem e negociá-lo no mercado. Campos Neto acredita que isso poderá desalavancar o setor. “O mercado imobiliário no Brasil é uma rua de uma mão só, porque o banco consegue financiar o imóvel e colocá-lo no meu portfólio, mas não pode extrair valor do imóvel, uma vez que ele já está pago. Temos uma grande dificuldade com este produto”, diz.
Há, segundo o presidente do BC, um grande estoque de imóveis disponíveis para essas operações. “Fizemos uma conta grosseira. Num cenário em que temos R$ 12 trilhões em imóveis, contabilizando os quitados e os que estão impossibilitados, temos, no final, R$ 500 bilhões para extrair disso. Isso é comum em grande parte do mundo” completa. “Além disso, injeta dinheiro de forma relativamente barata na economia. Há também o ganho fiscal, porque, quando as pessoas começam a usar (suas moradias) como garantias (em empréstimos), tendem a regularizar os imóveis”, ressalta.