Se as pessoas que têm dívidas em atraso no Brasil formassem um país, haveria uma nação maior do que a Colômbia e quase o dobro do Peru. O país de inadimplentes brasileiros seria maior do que a população de quase todos os países da América Latina. Enquanto cerca de 63,2 milhões de pessoas vivem com contas atrasadas no Brasil, a população colombiana, por exemplo, é de 50,2 milhões de pessoas. O país imaginário só não seria maior do que o México, que tem 134,3 milhões de habitantes. Os dados são do professor do Insper Ricardo Rocha.
O especialista utiliza as informações para abordar a troca de foco da educação financeira no Brasil. Na opinião de Rocha, é preciso olhar com atenção para todos os indivíduos, sobretudo os de mais baixa renda. “O crédito é fundamental na gestão das finanças pessoais e, de maneira correta, ajuda as famílias a construírem patrimônio. Então, é preciso gastar um pouco mais de tempo ensinando as pessoas a refletirem sobre o crédito, e não só sobre investimentos. A gente bate muito em cima de investimentos quando se tem uma população de 63 milhões de negativados. Não há sentido”, afirma.
Compras
Rocha acredita que, dentro dos 63 milhões de endividados, há pessoas que têm condições para se organizar e sair do negativo. “Acho que o brasileiro se incluiu na questão do consumo via crédito, mas não foi educado para se planejar. É preciso ensinar que desejo e necessidade não são a mesma coisa”, diz. Um levantamento feito recentemente pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que um percentual relevante de inadimplentes deve quantias que não chegam a quatro dígitos.
A cada 10 consumidores que começaram o mês de agosto com dívidas, quatro (37%) devem até R$ 500. Mais: 53% dos brasileiros têm dívidas que não superam R$ 1 mil, 20% devem valores entre R$ 1.000 e R$ 2.500 e 16% registram débitos entre R$ 2.500 e R$ 7.500. A pesquisa revela que o número de consumidores com contas atrasadas subiu 1,73% em julho ante o mesmo mês do ano passado.
Uma das soluções sugeridas por Rocha para mudar esse quadro é a mudança dos nomes de algumas linhas de crédito, como o cheque especial. “Acredito que a mudança do nome para crédito emergencial causaria um grande impacto na hora do indivíduo utilizar esse recurso. É bom que se possa contar com isso, mas tem que ser usado com cautela”, explica.
Foco errado
Para o professor do Insper, os programas de educação financeira cresceram muito nos últimos 20 anos, mas ainda tratam de maneira privilegiada o ensino da poupança. “Os programas deveriam trabalhar mais a questão de como se comportar ao contratar crédito e se perguntar por que contratar”, alerta. Segundo ele, o crédito é visto como vilão, mas o que prejudica os cidadãos é a má utilização dele. “O crédito faz parte da nossa cultura. Para comprar um veículo ou um imóvel, por exemplo, ele é uma saída interessante”, ressalta.
Ele lembra que o crédito é um produto como qualquer outro e, por isso, é preciso trabalhar o consumo dele. “Na hora em que o consumidor vai às compras, a primeira coisa que ele faz é pesquisar os preços. O próprio site do Banco Central mostra que existem diferenças significativas entre as taxas das instituições. As pessoas têm que adquirir o hábito de pesquisar isso também”, aconselha.