Marcelo Fonseca/Estado de Minas
postado em 05/08/2019 08:31
Com cofres vazios e arrecadações cada vez menores diante da crise econômica que se arrasta há mais de cinco anos, governadores se reúnem na tarde desta segunda-feira (5/8), no Supremo Tribunal Federal (STF), em busca de acordo com a União sobre os ressarcimentos da Lei Kandir. Estado que mais deixou de arrecadar após a aprovação da lei, em 1996, Minas Gerais leva uma grande comitiva ao tribunal para a tentativa de conciliação com o governo federal, com representantes do Executivo, Legislativo e do Ministério Público. Um acordo pode representar melhorias no parcelamento dos salários de servidores e aliviar as contas públicas do estado.
Estudos feitos por técnicos da Secretaria de Fazenda e da Advocacia-Geral de Minas Gerais apontam que o estado tem a receber um total de R$ 135 bilhões em valores corrigidos pela taxa Selic acumulada, que é a mesma base de cálculo usada pela União em relação à dívida com os estados.
Os governadores esperam fechar um acordo com o governo federal para colocar fim em uma disputa iniciada em 2013, quando o governo do Pará ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) questionando o Congresso Nacional por não regulamentar a forma que a União deveria ressarcir os estados que deixaram de arrecadar com a Lei Kandir. Caso não haja acordo, os estados pedem a definição por parte do STF de um novo prazo, desta vez inadiável, para que as formas de compensação sejam definidas pelo parlamento.
;Será uma tentativa de conciliação entre estados e governo federal. Esse ressarcimento com as perdas da Lei Kandir pode ocorrer de várias formas: abatimento das dívidas com a União, emissão de títulos da dívida da União ou pagamento direto de forma parcelada;, explica Ricardo Sefer, procurador-geral do Pará. O estado da Região Norte é um dos maiores exportadores de minério (nos últimos anos Pará e Minas disputaram a liderança no ranking de maiores exportadores) e espera aumentar as arrecadações com a extinção da lei.
A audiência marcada para as 14h pelo ministro Gilmar Mendes, relator do processo na Segunda Turma do STF, contará com a presença de todos os estados federados e com representantes do governo federal. Alguns governadores e lideranças estaduais esperam que a União apresente uma proposta de ressarcimento, mas a comitiva mineira levará ao tribunal um plano para que as compensações sejam feitas parceladas ao longo das próximas seis décadas.
Na proposta elaborada pelo governo de Minas em parceria com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o crédito do estado relativo às perdas tributárias, estimado em R$ 135 bilhões, pode ser pago em 60 anos, em parcelas mensais corrigidas pela taxa Selic. De acordo com o texto, Minas receberia cerca de R$ 4,9 bilhões por ano, como forma de compensação. Desse total, R$ 3,7 bilhões (75%) iriam para o caixa do estado e R$ 1,2 bilhão (25%) seriam divididos entre os 853 municípios mineiros, que também têm direito à compensação.
Em relação às perdas futuras, a proposta é que a União repasse, anualmente, R$ 18 bilhões a serem repartidos entre os Estados, considerando-se os critérios já estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Carta
Um documento em apoio à proposta elaborado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de Minas, que recebeu o nome de Carta de Minas, foi assinado por vários prefeitos e pelas bancadas mineiras na Câmara, Senado e Assembleia.
A Carta de Minas será apresentada aos governadores e representantes da União pelo presidente da Assembleia, deputado Agostinho Patrus (PV). ;Esta é nossa luta por recursos que possibilitarão o pagamento de contas atrasadas do estado e a retomada do desenvolvimento e dos investimentos em saúde, educação, infraestrutura e, principalmente, na área social. A Carta simboliza a união em busca dos R$ 135 bilhões que o estado deixou de arrecadar após a Lei Kandir;, afirmou o presidente da ALMG.
Nas últimas semanas, o governador Romeu Zema (Novo) passou a citar em suas agendas oficiais o ressarcimento como prioridade do governo estadual. Segundo ele, o recebimento das verbas permitirá até mesmo o fim do parcelamento do salário do funcionalismo e pode aliviar a situação das contas públicas no estado.
;Nesta segunda (hoje) estaremos indo para Brasília, junto com o presidente do Legislativo, Agostinho Patrus, e o procurador-geral Sérgio Tonet, demonstrando que Minas está toda unida no que diz respeito à Lei Kandir. Minas foi um dos estados mais prejudicados, ou talvez o mais prejudicado, já que tem por vocação a exportação. Sabemos que o governo federal está em situação financeira crítica, mas ele não pode fugir da responsabilidade;, cobrou Zema no sábado.
Segundo o procurador-geral do Pará, caso não seja firmado um acordo com a União, a Constituição Federal prevê que a ADO permite ao Supremo determinar que o Congresso coloque um ponto final sobre o tema e estabeleça um prazo. Ele avalia que a posição do Pará será de esperar inicialmente uma posição da União sobre os ressarcimentos. ;É bastante razoável a proposta de Minas Gerais, mas o Pará entende que a proposta inicial tem que partir da União, pois é ela quem foi condenada pelo STF a promover a regulamentação do ressarcimento;, explicou Ricardo Sefer.
Prorrogação
Em 2016, o plenário do Supremo acatou o pedido do Pará e estabeleceu prazo de 12 meses para a regulamentação da lei. Caso isso não ocorresse, a corte determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) deveria fixar em caráter provisório o montante total devido e a cota de cada ente federativo, até a edição da lei. Em 2017, o governo federal pediu que o prazo fosse prorrogado por mais 24 meses.
Em fevereiro deste ano, o ministro-relator do processo, Gilmar Mendes, atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e concedeu mais 12 meses para que o Congresso delibere sobre a compensação financeira aos estados. O ministro, no entanto, convocou todos os envolvidos para a audiência de hoje na tentativa de um acordo.
"Esta é nossa luta por recursos que possibilitarão o pagamento de contas atrasadas do estado e a retomada dos investimentos em saúde, educação, infraestrutura e na área social;
Agostinho Patrus (PV),presidente da Assembleia Legislativa
Sem compensação
A Lei Complementar Federal 87, de 1996, isentou do recolhimento de ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, como o minério de ferro. De autoria do então deputado federal Antonio Kandir (PSDB-SP), a lei tinha como objetivo estimular as exportações no Brasil e previa a regulamentação de um ressarcimento aos estados, o que ainda seria discutido. A medida levou à perda de arrecadação de vários estados, que deixaram de receber ICMS, sem que fosse feita uma compensação.