O uso do cheque especial, modalidade de crédito mais cara para as famílias, continua alto ; mesmo após o anúncio da autorregulação, estratégia adotada por bancos há pouco mais de um ano.
A medida entrou em vigor em julho de 2018 e estabelece a oferta automática de parcelamento mais barato para consumidores que usam mais de 15% do limite por 30 dias consecutivos. A oferta é feita nos canais de relacionamento e é o cliente quem decide se adere à proposta. Caso não aceite, um novo contato é feito a cada 30 dias.
Números
De acordo com dados do Banco Central (BC), em junho deste ano, o saldo do cheque especial (R$ 25,755 bilhões) representava 2,5% do crédito livre ofertado para as famílias (R$ 1,008 trilhão). Em junho de 2018, o percentual estava em 2,7%, com saldo do cheque especial em R$ 23,970 bilhões.
No caso das concessões, o cheque especial (R$ 30,885 bilhões) foi responsável por 18,4% do crédito liberado pelos bancos para as famílias (R$168,2 bilhões) em junho deste ano. No mesmo mês de 2018, o percentual era 20,4%, com concessões do cheque especial em R$ 30,721 bilhões.
Já a taxa de juros subiu de 304,9% ao ano (12,4% ao mês) em junho de 2018 para 322,2% ao ano (12,8% ao mês) em junho deste ano ; modalidade mais cara do crédito livre, em que os bancos têm autonomia para emprestar o dinheiro captado no mercado e definir as taxas de juros cobradas dos clientes.
Segundo o BC, o cheque especial tem ;participação modesta; na carteira de crédito total do sistema bancário, mas foi responsável por aproximadamente 10% da margem de lucro de juros líquida (descontada a provisão para inadimplência). Outro dado apontado pelo estudo é que a maioria dos usuários do cheque especial pertence a uma faixa renda mais baixa, de até dois salários mínimos.
Avaliação
Para o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira, as medidas de autorregulação não atingiram o objetivo esperado, que era reduzir o uso do cheque especial.
;Desde o início, eu dizia que só iria funcionar se fosse obrigatório [o repasse da dívida para o crédito pessoal com taxa menor]. Quando não é obrigatório, há comodismo tanto por parte dos bancos, que recebem juros maiores, quanto dos clientes, que não vão em busca de outra opção;, disse.
Oliveira acrescentou que, antes, ;o vilão; dos juros altos era o cartão de crédito, mas, com a regulamentação imposta pelo governo, o líder em taxa de juros alta passou a ser o cheque especial. No caso do cartão de crédito, o rotativo dura 30 dias. Após esse prazo, as instituições financeiras têm que parcelar a dívida, o que é feito com uma taxa menor.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) destaca que mais de 12 milhões de pessoas trocaram o cheque especial pelo crédito parcelado no primeiro ano de vigência das novas regras.
Para Oliveira, parte desses 12 milhões de pessoas podem ter voltado a usar o cheque especial e outros clientes podem ter caído na modalidade de crédito, já que o saldo e as concessões não mostraram alterações significativas ao longo de um ano. ;Se a taxa não fosse tão alta, não seria um problema;, disse.
Segundo a Febraban, quem migrou para a modalidade parcelada pagou juros menores. A taxa média paga por quem optou pela mudança, em junho, passou de 12,48% ao mês (cheque especial) para 3,09% ao mês (crédito parcelado), de acordo com levantamento feito pela Febraban com 12 bancos que representam cerca de 90% do mercado brasileiro do produto.
A pesquisa também mostrou que os juros cobrados na linha de crédito alternativa caíram 13% ao longo dos 12 meses, de 3,54% ao mês para 3,09% ao mês.
Para o diretor de Autorregulação da Febraban, Amaury Oliva, a medida tem balanço positivo após um ano de vigência. ;Um dos objetivos era incentivar o uso consciente do cheque especial, destinado a situações emergenciais e por curto tempo. Os bancos passaram a enviar alertas e a diferenciar o saldo do cliente e o limite do cheque especial. Não havia um padrão entre os bancos;, destacou.
Oliva também destacou que os clientes passaram a ter acesso facilitado a uma linha de crédito mais barata, em alternativa ao cheque especial. Procurado, o Banco Central disse que não comentaria sobre o assunto.
Entenda
Pelas regras da autorregulação, nos extratos bancários dos clientes, o saldo em conta deve ser informado de forma separada do limite do cheque especial, para que o usuário não confunda o valor do crédito como sendo saldo positivo da própria conta.
A iniciativa dos bancos também estabeleceu que as instituições financeiras passassem a usar os canais de relacionamento com o cliente, como internet e telefone, para alertar o consumidor toda vez que ele entrar no cheque especial. No alerta, os bancos informam que esse crédito deve ser utilizado em situações emergenciais e temporárias.