Sampaio (SP). No texto, é feito um alerta sobre os riscos de esvaziar os cofres da instituição de fomento. Como prevê a Constituição, cerca de 40% dos recursos do FAT ; composto por contribuições do PIS/PASEP ; tem como destino o BNDES, que financia investimentos de longo prazo. Ou seja, o valor que vai para os cofres do BNDES garante a remuneração do dinheiro que compõe o FAT, fundo que tem como finalidade custear os benefícios do seguro-desemprego e do abono salarial, financiando também iniciativas por meio de bancos federais, em especial, o BNDES. Sem esse recurso, diz Mendonça de Barros, nesta entrevista, o banco não se viabiliza e haverá efeitos diretos no setor produtivo, que precisa de empréstimos de longo prazo para sua expansão.
Por que o senhor entrou no debate em torno do uso dos recursos do FAT pelo BNDES?
Tanto Paulo Guedes (ministro da Economia) quanto os diretores do Banco Central têm essa visão negativa sobre o BNDES. Acham que o setor privado tem de dar conta das necessidades atendidas pelo banco. Com essa situação de hoje, os funcionários resolveram se organizar para fazer o contraponto e procuraram alguns dos ex-presidentes para pedir ajuda. Estou disposto a ajudá-los. Resolvi, pessoalmente, mandar uma carta para o relator do projeto da Reforma da Previdência porque sempre fui e continuo ligado ao PSDB, que é quem está mais ou menos encabeçando essa história. Entreguei essa carta ao Carlos Sampaio, líder do PSDB na Câmara, e imagino que ela deva estar em discussão.
Que tipo de impacto na economia poderá haver, caso seja extinto o repasse dos recursos do FAT para o BNDES?
O FAT é um fundo que garante, por exemplo, recursos para o pagamento do seguro-desemprego. É um dinheiro importante para atender a uma demanda como a que temos hoje, num país com cerca de 13 milhões de desempregados. Quando a economia do país está andando, o FAT é superavitário. Isso cria reserva técnica por meio do que é aplicado no BNDES, que tem uma história muito longa de capitalização. Em tese, esse dinheiro do FAT que vai para o BNDES investir não deve ser mexido nunca, porque deveria servir como reserva. O que não foi previsto na época da sua formulação é que poderia haver depressão na economia como a que temos agora, com um número recorde de desempregados. Por conta desse desemprego elevado, o volume de pagamentos feitos pelo FAT comeu todo o recurso que estaria disponível para esse destino e o Tesouro teve de usar seus recursos para pagar os benefícios. Só no ano passado, foram usados cerca de R$ 9 bilhões do Tesouro para pagar o seguro-desemprego.
O que seria possível fazer?
Na carta, proponho que, quando tiver uma situação de desequilíbrio do ponto de vista da reserva técnica, ou seja, quando não houver recurso, o BNDES devolva o dinheiro ao FAT. É como se o dono do dinheiro precisasse pagar o hospital. Não faz sentido ele fazer um empréstimo para isso se ele tem uma aplicação. Então, o lógico é que ele saque, pague o hospital e depois faça um esforço na sua despesa diária e recoloque o dinheiro de volta na reserva. O BNDES é um banco que empresta o dinheiro por cinco anos, 10 anos, o que os bancos comerciais não fazem. Em vez de render só juros ao FAT, esse recurso também faz parte do crescimento econômico e remunera indiretamente o trabalhador com novos postos de trabalho.
A proposta do relator de acabar com o repasse de parte do dinheiro do FAT ao BNDES tem algum sentido prático nas contas públicas?
Eles estão tirando dinheiro de uma reserva técnica, que é emprestado para aumentar o crescimento econômico, e jogando no Tesouro para pagar o dia a dia na Previdência. Como se você tivesse uma reserva financeira para uma emergência, aplicada no CDB ou na poupança, e um dia seu filho pedisse aquele dinheiro para comprar um carro. Essa é a imagem que eu faço, um desvio de finalidade. Estão atrás daquele R$ 1 trilhão de economia com a Reforma da Previdência. Essa reserva do BNDES que vem do FAT traria recursos da ordem de R$ 280 bilhões para pagar a Previdência. Mas essa é uma conta de chegada. Num país com muito pouco dinheiro para emprestar, não dá para tirar do BNDES.
Qual seria a alternativa para melhorar os números da Previdência?
Qualquer alternativa tem de ser buscada dentro da estrutura da Previdência. O Tesouro está quebrado, não dá para tirar dinheiro de outro lugar e colocar do FAT. E também não dá para acabar com uma fonte de dinheiro escasso de investimento de longo prazo e financiar a Previdência.
Como ex-presidente do BNDES, o senhor pretende se manter engajado nessa pauta?
Preferi usar o canal do PSDB na Câmara e colocar a experiência de alguém que viveu quase quatro anos no banco. Mas há um problema hoje em relação ao BNDES. Há um lado muito criticado pela forma como usou os recursos, ligado ao período do Luciano Coutinho (presidente do banco durante parte do governo do PT), e outro, ligado ao governo, que acha que o BNDES não tem de existir, que não deve haver banco público. Nossa posição é intermediária, a de que ele tem um papel importante. A Embraer só virou a Boeing porque o BNDES deu seu apoio. Da mesma forma, podemos falar desse apoio na privatização da Vale.
O senhor vê alguma alternativa ao BNDES como indutor de investimentos na iniciativa privada?
Se matarem o BNDES, a situação vai se complicar. Nos meus anos de BNDES, fiz várias viagens internacionais e vi que havia um ciúme danado do banco por causa da sua dimensão. É um banco de 67 anos, não é uma experiência de agora. Tem um quadro de funcionários extraordinário. Todas as decisões foram tomadas no Palácio do Planalto. O TCU (Tribunal de Contas da União) confirmou que o corpo de funcionários do BNDES não tem culpa dessas coisas que foram feitas. Pelo seu estatuto, apenas tem de obedecer, mas cumpriu seu papel ao pedir garantias para o caso de não receber, o que foi feito por meio do fundo de exportação da Apex.
Uma proposta dessas pode comprometer ainda mais o crescimento da economia?
Com o fim do repasse, se reduz uma das poucas fontes de recursos para o crescimento de longo prazo que existe no Brasil. O BNDES é especializado na parte industrial e de exportação. A Caixa também empresta no longo prazo, mas só no setor imobiliário. O BNDES responde por cerca de 90% desses empréstimos, ou seja, o setor industrial seria muito prejudicado.
O que está no centro dessa discussão sobre o futuro do BNDES?
O pessoal do Paulo Guedes, da FGV do Rio, tem uma visão muito ortodoxa e se apega a um item da Constituição, que prevê que a economia é de responsabilidade do setor privado. Mas essas pessoas se esquecem da história do Brasil. A Caixa tem dinheiro do FGTS, que funciona como uma espécie de FAT do BNDES.
Fala-se insistentemente no atual governo sobre abrir a caixa-preta do BNDES. Ela existe ou as irregularidades já foram mostradas?
Não há caixa-preta no BNDES. Depois de muita briga, com o BNDES dizendo que não poderia mostrar os dados dos empréstimos por causa do sigilo bancário, isso começou a mudar com o Luciano Coutinho e depois foi dada continuidade com o Paulo Rabello de Castro. Com isso, o BNDES fez o livro verde das suas operações e basta entrar no seu site para consultar esses dados.
O Brasil tem ficado cada vez mais defasado em infraestrutura, o que se traduz em aumento do custo-Brasil e no desestímulo aos investimentos privados. Essa proposta sacrifica justamente o setor de infraestrutura?
Não há projetos de infraestrutura para financiar, tanto que tudo que foi financiado pelo BNDES está associado a privatizações. Como há uma escassez desses projetos de infraestrutura, essa é uma área que só vai andar por meio da privatização, que, por sua vez, é feita com recursos do FAT, por meio do BNDES. As privatizações só vão andar dessa forma.
O BNDESPar deve reduzir suas participações para fazer caixa? É uma boa medida?
Quando estive lá, exigi uma dose semanal de venda de participações acionárias já maduras. Não faz sentido o BNDES ter ações da Petrobras. A maior parte do lucro do banco vem dessa carteira de ações. Mas não implica no dinheiro do FAT, que só pode ser emprestado para empresas brasileiras. É uma reserva de dinheiro de longo prazo.