Jornal Correio Braziliense

Economia

Altos e baixos de uma moeda



São Raimundo Nonato (PI) ; Os anos passam, a tecnologia avança, mas o sonho da população de São Raimundo Nonato ainda é o mais básico: água. A obra da Adutora de Engate Rápido, inaugurada há um ano, está mais para pesadelo. Com 26 quilômetros de extensão, a construção deveria levar água dos poços da Serra Branca ao sistema adutor do Garrincho, possibilitando o abastecimento de nove municípios da região. Apesar do custo de R$ 15,4 milhões, ainda não funciona. O Aeroporto Internacional Serra da Capivara, que gerou muita expectativa em 2014 como porta de entrada para impulsionar o turismo, é outro elefante branco. Consumiu R$ 20 milhões, está pronto, mas só recebe aviões particulares.

Apesar disso, a tecnologia chegou com tudo ao município. A internet avançou graças ao empreendedorismo de Antônio Castro do Rosário Júnior, 38 anos, que, em 1994, quando o Plano Real foi lançado, era um menino de 13 anos, mas já cursava informática. ;Aprendi muito ao longo dos anos e nos empregos que tive. Em 2005, decidi parar de trabalhar e focar na manutenção de computadores;, conta. Em 2008, percebeu que o acesso ao crédito era fácil e que havia demanda por equipamentos. Abriu a Infoxente, loja de informática, cujo slogan era ;Tecnologia arretada;.

;Vendi muito bem no início, mas depois todas as lojas passaram a oferecer computadores e perdi competitividade. Em 2012, montei um laboratório e decidi focar em redes, área que estava crescendo. Fechei a loja e trouxe os seis funcionários para a Oxente Net;, conta. A empresa, hoje, é a maior provedora de internet da região. Começou com 120 clientes em 2014 e atualmente atende 5 mil, com 50 funcionários, num raio de 100 quilômetros, competindo com as grandes operadoras. ;Hoje, 80% dos dados da região passam pela Oxente Net;, destaca. O negócio continua em expansão e a empresa investe em fibra ótica. A projeção é dobrar de tamanho em dois anos. ;A ideia é fornecer mais dados e baratear o preço.;

Enquanto a tecnologia avança, o comércio tradicional se mantém na cidade, que é polo para 13 municípios. Vendedora no mercado de carnes de São Raimundo, Sidnaura Araújo, 41, diz que o quilo da carne de bode custava R$ 4,50 em 2004. Em 2014, passou para R$ 11, mas, nos últimos cinco anos, não valorizou muito. ;Hoje, eu vendo a R$ 14, mas, se o mercado está ruim, faço a R$ 13. O pessoal está chorando mais;, conta. Ela lembra que a vida melhorou com o Plano Real. A família dela adquiriu carro, moto e equipou a casa com eletrodomésticos modernos. Agora, ela conta com um aliado: o aplicativo do celular. ;As vendas melhoraram porque eu fecho negócio por WhatsApp. Vendo até para Teresina. É só encomendar, que eu entrego;, conta.

Tirando a pele

Em 1994, o pernambucano Cosme de Souza Cazé, conhecido como Galego das Peles, dono de uma empresa para comprar pele de animais dos produtores locais e revender para curtumes, era um dos mais entusiasmados com a chegada do real. Chegou a faturar R$ 15 mil por mês. Mas a animação caiu com o faturamento. Em 2004, uma década depois da implantação da moeda, o caixa registrava R$ 8 mil mensais. Em 2014, aos 70 anos, Galego contou que mal fazia R$ 3 mil. Quando a moeda completa 25 anos, ele está aposentado e nem passa mais pela loja no centro da cidade.

Um dos maiores produtores de animais da região, o empresário Absolon Rubem de Araújo, 69, tem a loja agropecuária Casa do Campo na cidade e uma propriedade rural na localidade de Barreira do Doca, a cerca de 22km do centro de São Raimundo Nonato, onde, em 2014, criava 400 cabeças. ;Continuo produzindo, agora com foco em melhoramento genético. Mas reduzi o rebanho. Estou com 200 cabeças;, conta. Há cinco anos, estava entusiasmado com o crescimento da cidade. Hoje, Absolon lamenta que o dinheiro esteja curto. ;Tem muita loja fechando. A gente vai levando porque é insistente e vai se adaptando;, ressalta.

Empresária em São Raimundo Nonato, Socorro Macedo, 64, lembra que o real representou estabilidade. Nos últimos cinco anos, no entanto, Socorro nota perda no valor de compra da moeda. ;Os combustíveis subiram muito, daí tudo fica mais caro por causa do frete. A energia também encareceu. E eu não consigo repassar o aumento de custo para os clientes;, ressalta Socorro, que investiu em tecnologia para se manter no mercado.

Olho no turista

Lucas de Macedo Negreiros, 44, chef e dono de uma pousada, começou a carreira trabalhando com o pai, que percebeu que os representantes comerciais tinham poucas opções para se hospedarem na cidade e viu nisso uma oportunidade. Montaram a Pousada Zabelê, que sobreviveu a muitos planos econômicos do país. ;Com o Parque da Serra da Capivara e a estabilidade do real, tentamos difundir o turismo na cidade, criamos comitês. O Sebrae foi um parceiro;, conta Lucas. Com o fim das obras do aeroporto, que, em 2014, estavam quase concluídas, houve uma expectativa positiva. No entanto, não se concretizou. ;O governo queria que os voos partissem de Teresina, quando nosso movimento é todo por Petrolina. A estratégia foi errada;, avalia.

Os últimos anos não têm sido fácil. ;A energia e o gás subiram muito e não consigo repassar para a diária dos hóspedes. Além disso, temos o eterno problema da água;, diz. A logística para chegar a São Raimundo Nonato também não ajuda, acrescenta Lucas. ;A chegada a Petrolina é na madrugada. O turista tem que passar uma noite lá, para, só no dia seguinte, pegar a estrada, que ainda não está totalmente pronta. É preciso alugar um carro. O destino se torna caro;, lamenta.

Por conta disso, o movimento na pousada ainda é 80% comercial. ;A tecnologia é nossa aliada. Mas precisamos mesmo é de infraestrutura;, afirma.