Jornal Correio Braziliense

Economia

Sensação de riqueza seduziu os brasileiros

Paridade entre a moeda brasileira e o dólar por alguns anos permitiu que a população, mesmo a mais pobre, tivesse acesso a produtos importados e viajasse pela primeira vez ao exterior



Poucas vezes o brasileiro se sentiu tão rico como no início do Plano Real, 25 anos atrás. Para conter a alta dos preços, o governo atrelou a nova moeda à divisa norte-americana. No início de julho de 1994, o dólar era vendido por centavos de real, a R$ 0,846. A cotação da divisa dos Estados Unidos era controlada com mão de ferro pelo Banco Central. Essa política, no entanto, mudou em janeiro de 1999, depois de uma sucessão de crises externas e de consecutivos pedidos de socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Vencido, o Brasil adotou o regime de câmbio flutuante, que vigora até hoje.

Para Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), o real forte estimulou as importações, que supriram o mercado e evitaram a falta de mercadorias que ajudou a derrotar os planos anteriores. ;Foi uma grande jogada; para controlar os preços. ;Como os importados, principalmente os chineses, eram mais baratos, a indústria nacional não reajustava os preços para se manter competitiva, o que ajudou a manter a inflação baixa;, explica.

O efeito foi sentido na balança comercial. O superavit de US$ 10,5 bilhões em 1994 passou para um deficit de US$ 3,5 bilhões no ano seguinte. Houve uma disputa entre importadores e exportadores, que ficaram menos competitivos no mercado externo. Na outra ponta, muitos brasileiros passaram a viajar ao exterior. Mesmo pessoas de baixa renda tiveram a oportunidade de andar de avião pela primeira vez.

Como ressaltam os especialistas, com o dólar barato, foi-se além do frango e do iogurte, que se tornaram símbolos do real. O perfil de consumo dos brasileiros mudou por completo. Produtos importados passaram a fazer parte da lista de consumo de todos os lares. Por isso, dizem os economistas, o preço pago pelo real foi a manutenção da paridade da moeda brasileira com o dólar por alguns anos. Houve muitas críticas, mas o grande desafio era combater a inflação e, nisso, o plano foi muito bem-sucedido.

Nas alturas
O real forte ante o dólar exigiu, porém, um aperto na política de juros. Para conter os movimentos especulativos e evitar fuga maciça de recursos estrangeiros do Brasil, o Banco Central jogou a taxa básica (Selic) nas alturas. A cada crise externa que atingia o país, os juros disparavam. Não por acaso, a dívida pública avançou a passos largos, tornando-se um dos maiores focos de preocupação para a sustentação do plano que tinha por objetivo derrotar a hiperinflação. O real enfrentou crises vindas do México, da Coreia do Sul, da Tailândia e da Rússia. Em março de 1999, já com o câmbio flutuante, a Selic chegou ao pico de 45% ao ano ; atualmente, está em 6,5% anuais.

;Fizemos o melhor que se podia fazer em condições que não eram as ideais. Fizemos escolhas sob condições de incerteza e tivemos resultados muito bons. Ouço sempre a queixa de que os juros foram muito altos, ou que seguramos muito o câmbio, e há sempre alguém a dizer que podia ter havido uma combinação diferente de juros e câmbio;, diz o economista Gustavo Franco, que integrou a equipe responsável pela criação e implementação do Plano Real. ;Mas o resultado também seria diferente e, muito provavelmente, pior, se fosse para fazer políticas menos restritivas. E tudo isso com as condições precárias na política fiscal. Tudo considerado, a equipe econômica entregou uma inflação, no ano de 1998, de 1,6%, partindo de uma inflação de 45% ao mês. Eu desconfio muito quando me dizem que tinha um jeito melhor de fazer. Acho que não faria absolutamente nada diferente;, afirma.

O economista Winston Fritsch, secretário de Política Econômica à época da implantação do real, lembra que o plano revelou a verdadeira situação fiscal do país, que era encoberta pelo reajuste frenético dos preços. Ele explica que, com o fim da inflação, as receitas, ;comidas; pelo reajuste dos preços, cresceram 5% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). O problema é que as despesas tiveram aumento de 10%. Isso porque o governo adiava o pagamento das despesas e, com isso, ganhava com a diferença de valores entre o momento de contratar e de pagar fornecedores. ;Matamos uma doença crônica, que era a hiperinflação e, no dia seguinte, tínhamos um problema fiscal para resolver;, ressalta. ;O real mostrou, naturalmente, a realidade fiscal. Tirou o véu do verdadeiro deficit público.;

Reservas
Fritsch acrescenta que, nos anos seguintes, mais precisamente no governo Lula, a economia brasileira foi puxada pelo ;boom; da economia internacional, que teve o bônus da alta no preço das commodities. O lado bom disso foi que o Brasil acumulou reservas internacionais ;extraordinárias; de quase US$ 400 bilhões, que atenuam o explosivo problema fiscal. Antes desse seguro contra crises, a cada espirro externo o Brasil ficava de joelhos. Além da poupança bilionária em dólares, o país praticamente zerou seu endividamento em moeda. Hoje, é credor externo.

Internamente, há uma bomba a ser desativada o mais rapidamente possível. A dívida bruta caminha para 80% do PIB. Essa relação é quase o dobro da média observada entre os países emergentes. O Brasil se tornou um país gastador, mas que chegou ao limite, pois não tem mais como suprir suas necessidades de caixa aumentando impostos. A carga tributária está próxima de 35% do PIB, só é comparável a países desenvolvidos. Aqui, no entanto, os serviços à população são de péssima qualidade. ;Diante desse quadro, não dá mais para adiar. As projeções são assustadoras, é preciso fazer as reformas fiscais, das quais a da Previdência é a mais importante;, diz um dos pais do real.

Ex-presidente do Banco Central e peça fundamental na implantação do plano que derrotou a inflação, Gustavo Loyola destaca que o Brasil precisa passar por um choque de modernidade se quiser resolver seus problemas fiscais e voltar a crescer. ;Infelizmente, a estabilidade da moeda não resolveu todos os problemas do país;, frisa. ;O ambiente de negócios é ruim, com excesso de burocracia e de tributos, e a educação deixa a desejar;, emenda. Para o economista Edmar Bacha, também pai do real, há ainda um longo caminho a ser perseguido. E exigirá esforço de toda a sociedade.

Coleção
O funcionário público aposentado Eliney Falstich, 71 anos, ainda guarda a última cédula impressa antes de o real entrar em circulação. A nota, de 50 mil cruzeiros reais, tem a estampa de uma baiana e, por causa da baixa tiragem que teve, chega a valer hoje R$ 500 no mercado de colecionadores. Ele conta que coleciona cédulas e moedas desde jovem, mas que contou com ajuda da Associação de Amigos do Museu de Valores do Banco Central para incluir, em seu acervo, as primeiras notas de R$ 1, que valem de R$ 20 a R$ 300, dependendo da tiragem e da assinatura. ;Antes do real nós não sabíamos o que seria o dia de amanhã em relação aos preços. A vida estava muito apertada para todos. Muitos foram os planos fracassados que desorganizaram nossas vidas. Felizmente, de 1994 em diante, a estabilidade da moeda venceu, e o país melhorou;, diz.