Para Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), o real forte estimulou as importações, que supriram o mercado e evitaram a falta de mercadorias que ajudou a derrotar os planos anteriores. ;Foi uma grande jogada; para controlar os preços. ;Como os importados, principalmente os chineses, eram mais baratos, a indústria nacional não reajustava os preços para se manter competitiva, o que ajudou a manter a inflação baixa;, explica.
O efeito foi sentido na balança comercial. O superavit de US$ 10,5 bilhões em 1994 passou para um deficit de US$ 3,5 bilhões no ano seguinte. Houve uma disputa entre importadores e exportadores, que ficaram menos competitivos no mercado externo. Na outra ponta, muitos brasileiros passaram a viajar ao exterior. Mesmo pessoas de baixa renda tiveram a oportunidade de andar de avião pela primeira vez.
Como ressaltam os especialistas, com o dólar barato, foi-se além do frango e do iogurte, que se tornaram símbolos do real. O perfil de consumo dos brasileiros mudou por completo. Produtos importados passaram a fazer parte da lista de consumo de todos os lares. Por isso, dizem os economistas, o preço pago pelo real foi a manutenção da paridade da moeda brasileira com o dólar por alguns anos. Houve muitas críticas, mas o grande desafio era combater a inflação e, nisso, o plano foi muito bem-sucedido.
Nas alturas
O real forte ante o dólar exigiu, porém, um aperto na política de juros. Para conter os movimentos especulativos e evitar fuga maciça de recursos estrangeiros do Brasil, o Banco Central jogou a taxa básica (Selic) nas alturas. A cada crise externa que atingia o país, os juros disparavam. Não por acaso, a dívida pública avançou a passos largos, tornando-se um dos maiores focos de preocupação para a sustentação do plano que tinha por objetivo derrotar a hiperinflação. O real enfrentou crises vindas do México, da Coreia do Sul, da Tailândia e da Rússia. Em março de 1999, já com o câmbio flutuante, a Selic chegou ao pico de 45% ao ano ; atualmente, está em 6,5% anuais.;Fizemos o melhor que se podia fazer em condições que não eram as ideais. Fizemos escolhas sob condições de incerteza e tivemos resultados muito bons. Ouço sempre a queixa de que os juros foram muito altos, ou que seguramos muito o câmbio, e há sempre alguém a dizer que podia ter havido uma combinação diferente de juros e câmbio;, diz o economista Gustavo Franco, que integrou a equipe responsável pela criação e implementação do Plano Real. ;Mas o resultado também seria diferente e, muito provavelmente, pior, se fosse para fazer políticas menos restritivas. E tudo isso com as condições precárias na política fiscal. Tudo considerado, a equipe econômica entregou uma inflação, no ano de 1998, de 1,6%, partindo de uma inflação de 45% ao mês. Eu desconfio muito quando me dizem que tinha um jeito melhor de fazer. Acho que não faria absolutamente nada diferente;, afirma.
O economista Winston Fritsch, secretário de Política Econômica à época da implantação do real, lembra que o plano revelou a verdadeira situação fiscal do país, que era encoberta pelo reajuste frenético dos preços. Ele explica que, com o fim da inflação, as receitas, ;comidas; pelo reajuste dos preços, cresceram 5% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). O problema é que as despesas tiveram aumento de 10%. Isso porque o governo adiava o pagamento das despesas e, com isso, ganhava com a diferença de valores entre o momento de contratar e de pagar fornecedores. ;Matamos uma doença crônica, que era a hiperinflação e, no dia seguinte, tínhamos um problema fiscal para resolver;, ressalta. ;O real mostrou, naturalmente, a realidade fiscal. Tirou o véu do verdadeiro deficit público.;
Reservas
Fritsch acrescenta que, nos anos seguintes, mais precisamente no governo Lula, a economia brasileira foi puxada pelo ;boom; da economia internacional, que teve o bônus da alta no preço das commodities. O lado bom disso foi que o Brasil acumulou reservas internacionais ;extraordinárias; de quase US$ 400 bilhões, que atenuam o explosivo problema fiscal. Antes desse seguro contra crises, a cada espirro externo o Brasil ficava de joelhos. Além da poupança bilionária em dólares, o país praticamente zerou seu endividamento em moeda. Hoje, é credor externo.Internamente, há uma bomba a ser desativada o mais rapidamente possível. A dívida bruta caminha para 80% do PIB. Essa relação é quase o dobro da média observada entre os países emergentes. O Brasil se tornou um país gastador, mas que chegou ao limite, pois não tem mais como suprir suas necessidades de caixa aumentando impostos. A carga tributária está próxima de 35% do PIB, só é comparável a países desenvolvidos. Aqui, no entanto, os serviços à população são de péssima qualidade. ;Diante desse quadro, não dá mais para adiar. As projeções são assustadoras, é preciso fazer as reformas fiscais, das quais a da Previdência é a mais importante;, diz um dos pais do real.
Ex-presidente do Banco Central e peça fundamental na implantação do plano que derrotou a inflação, Gustavo Loyola destaca que o Brasil precisa passar por um choque de modernidade se quiser resolver seus problemas fiscais e voltar a crescer. ;Infelizmente, a estabilidade da moeda não resolveu todos os problemas do país;, frisa. ;O ambiente de negócios é ruim, com excesso de burocracia e de tributos, e a educação deixa a desejar;, emenda. Para o economista Edmar Bacha, também pai do real, há ainda um longo caminho a ser perseguido. E exigirá esforço de toda a sociedade.