Sem fibra nem lideranças visionárias, ficamos para trás enquanto o mundo enriquece e nos esquece
Em ritmo acelerado, ao contrário do que criticam os bolsonaristas, a Câmara logo levará a plenário o relatório substitutivo da emenda constitucional que reforma a Previdência. Ele mantém o grosso da economia projetada, apesar da reclamação do ministro Paulo Guedes.
O ministro, mais que o presidente Jair Bolsonaro, pedia um corte de gastos dos regimes previdenciários dos funcionários públicos e do setor privado, além dos programas assistenciais sob a marquise do INSS, de R$ 1,2 trilhão em 10 anos. A comissão que dissecou a proposta na Câmara excluiu o lado assistencial da reforma e manteve o principal, como idade mínima e regras de transição.
Tanto o prazo de tramitação quanto a economia devem ficar abaixo e acima, respectivamente, das reformas realizadas ou frustradas desde 1994. Não é página virada devido ao lobby das bancadas de policiais e da elite da burocracia, que contam com apoio velado de Bolsonaro. Batem bumbo para conservar suas exceções. Esse é o Brasil quebrado.
Há também um esforço derradeiro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para reincluir estados e municípios na reforma. Seu trabalho pelo ajuste fiscal e a liberalização da economia sem prejudicar a parcela pobre e majoritária da sociedade tem apoio de seus pares e do empresariado e a hostilidade da extrema direita bolsonarista.
O problema é que vivemos um modelo institucional terminal, pois com crescimento econômico pífio e restrito à minoria que usufrui os juros da dívida pública, às corporações com autonomia política e de gastos e a um punhado cadente de atividades produtivas (indústrias de ponta, por exemplo, já não veem futuro no Brasil). Firme, só o agronegócio.
As diferenças de propósitos entre Brasil e Índia, duas economias com destinos na contramão 40 anos atrás, dão a extensão do redemoinho em que nos enfiamos. Enquanto esse governo exalta um corte de gastos da ordem de US$ 310 bilhões em 10 anos, o primeiro-ministro reeleito da Índia, Narendra Modi, disse aspirar a um PIB de US$ 5 trilhões até 2024, 79% acima do atual.
Uma diretriz visa desatar o nó fiscal. A outra, superar a miséria no país mais populoso do mundo, repetindo o que a China começou em 1978 (quando nosso PIB, inclusive o industrial, estava à frente). Não tivemos fibra, lideranças visionárias e projeto para acompanhá-los.
Até a Índia se redimiu
Curiosamente, em 1974, o economista Edmar Bacha cunhou a metáfora Belíndia para o Brasil de então ; a Bélgica pequena e rica ao lado da Índia imensa e pobre. De lá para cá, a Índia vem se aproximando da Bélgica, que continua rica e civilizada, e nós paramos no tempo.
As reformas propostas por Bolsonaro, além da Previdência, ainda não são conhecidas. Pelo que diz sua equipe econômica, a ideia é reduzir o dirigismo estatal na economia e na sociedade, esvaziar os programas de crédito direcionado, extinguir subsídios e desonerações, baixar o custo da máquina pública, tirar proteções tarifárias, rever programas de transferência de renda e facilitar o investimento.
Trata-se de uma revolução, que passa, necessariamente, por revisões constitucionais, envolvendo o Congresso e, eventualmente, a Justiça, se o poder parlamentar não sobrestar o viés legislativo do STF. Os riscos de instabilidade são razoáveis, sem apoio parlamentar, coesão social e atenção ao tempo de transição ao novo regime.
O maior provedor do país
O fato é que o peso do setor público é avassalador no Brasil, o que exorbitou a capacidade de seu custeio pelo setor privado e pelo que ficou conhecido como ;pedalada fiscal;, causa formal do impeachment de Dilma Rousseff. É preciso ajustá-lo, mas, se feito abruptamente, o que se tem é desemprego, desalento social, ociosidade produtiva, a dívida pública engrossa, a arrecadação tributária despenca etc.
Um total de 93 milhões de pessoas, 54% da população ativa, depende de bolsa, salário (servidores civis e militares) e aposentadoria nos três níveis da Federação pagas pelo Estado. Isso corresponde a 48% da renda total das famílias. É menos no Sudeste e mais no Nordeste.
É o que faz os governadores das regiões mais pobres relutarem em apoiar a reforma da Previdência. Não é porque sejam de partidos de oposição. É porque previdência é a renda básica de milhões, assim como o Estado é o maior empregador. Tais estados estão insolventes, mas seus governadores clamam por opções que não os tornem inviáveis.
Vício se cura aos poucos
O que precisa de ajuste entre o programa liberalizante apoiado sem muita convicção por Bolsonaro e a realidade do país é o ritmo das transformações. Enxugar, sim, mas os privilégios do setor público e a excessiva autonomia orçamentária das corporações e dos poderes.
Um plano eficaz de desburocratização já será um bom começo, pois é criando dificuldades que a burocracia acua a sociedade. A corrupção, por exemplo, se combate anulando o que a favorece e não ampliando a força policial e processante. Não se diz que a ocasião faz o ladrão?
Mas nada bastará para reativar o desenvolvimento, que não se faz com incentivos ao consumo e sim ao investimento, sem o suporte do crédito público, ao menos até que existam as condições para emergir um amplo mercado de capitais. Não se trata viciado com abstinência absoluta.
Diretrizes da esperança
Com tais diretrizes, além de liderança com mensagem convincente tal como na Índia, podemos ter esperança. Sem elas, a sorte dependerá da compreensão das elites do país ou da tolerância dos mais pobres.
Os antecedentes para que as reformas sejam bem-sucedidas têm razões políticas ou ideológicas, inclusive as supostamente técnicas, como a aversão do Banco Central a baixar a taxa Selic, com demanda anêmica e a inflação tendendo a ficar abaixo da meta pelo terceiro ano seguido.
Isso já passou do ponto, tanto quanto o desmonte do BNDES, principal esteio técnico e financeiro para os projetos de longo prazo, como os de infraestrutura e concessões, sem que haja nada para pôr no lugar. A receita possível é sabida: pragmatismo, gente preparada e coesão.