Na prática, o que vai mudar com o novo marco regulatório que o Inmetro está defendendo?
Estamos fazendo um novo arcabouço regulatório, em conformidade com as melhores práticas do mundo. Estamos falando das práticas norte-americanas, canadenses, europeias, australianas e japonesas. Nesses países, a regulamentação garante os princípios basilares de segurança e qualidade de todos os produtos. Depois, em casos mais sensíveis, determina áreas ou setores específicos. É o caso, por exemplo, de produtos químicos, metal, mecânica ou brinquedos. Então, se a empresa vai produzir um brinquedo, primeiro tem que olhar para as regras gerais, depois para a especificidade.
Mas já não é assim hoje?
Não. As regras são muito minuciosas. O que defendemos é que, quando uma empresa faz um produto, deve verificar a lei maior e, depois, as regulamentações específicas às quais o produto está sujeito. Esse é um ponto. Só para se ter uma ideia, o Inmetro tem hoje 330 regulamentações, cada uma delas com mais de 20 correções e adequações. Na Europa, existem apenas 20 regulamentações, que cobrem 100% dos produtos comercializados, produzidos ou vindos de fora que estão na comunidade europeia. Nós, com 330, mais essas correções, não atendemos nem 10% dos produtos regulamentados que são comercializados no Brasil. Esse modelo de regulação mais genérica é usado hoje praticamente no mundo inteiro. Qual é a grande vantagem dele? A empresa toma todo o cuidado com o que é básico, com padrão de qualidade. Isso permite a criatividade, a inovação e, consequentemente, a competitividade dos produtos no mercado.
O novo modelo regulatório vai reduzir o número de regulamentações para quanto?
Vai reduzir bastante. Não tenho ainda um número preciso, mas as 330 vão se tornar entre 20 e 25, no máximo. Não deve ser uma biblioteca muito grande de regulamentação.
Com a redução do número de regulamentações, vai ser possível ampliar o atendimento acima de 10%?
Queremos ampliar para 100%. Estamos com muitas regras e, mesmo assim, só regulamentamos 10%. No novo formato, você pega um arcabouço que, por princípio, abrange todos produtos comercializados entre 20 e 25 regulamentações. A meta é regulamentar 100% dos produtos comercializados no país, sejam eles fabricados aqui, sejam vindos de fora.
Com isso, o Inmetro vai ficar em sintonia com as regulamentações praticadas nos Estados Unidos, Europa, Austrália?
Exatamente. Hoje nós somos prescritivos demais. E essa burocracia do Inmetro inibe a competitividade das empresas. Então, a gente sequer deixa a chance de o fabricante produzir alguma coisa diferente, um pouco melhor, algo mais diferenciado. Tudo por receio do crivo do Inmetro.
Como será feito o controle? Cada um por si?
A gente vai passar a operar em alguns pilares fundamentais. O primeiro é o que a gente chama de autorregulação e autorresponsabilização. Funciona assim: se conheço a lei, vou produzir dentro daquelas regulamentações para garantir segurança e a qualidade para a população. Além de eu conhecer a lei, se meu produto é mais específico, mais elaborado, tem riscos, devem-se identificar todos os riscos e mitigá-los em testes de laboratórios acreditados pelo Inmetro. Isso vai dar a confiabilidade, além de atestar que é um bom produto e que sofreu todos os testes capazes de provar para a população que é bom. A autorresponsabilização diz que, se tudo isso der errado, para qualquer coisa que acontecer com um usuário ou consumidor do produto o dono da empresa será responsável e deve pagar por isso. No Brasil, quase não temos esse modelo.
A flexibilização das regras não vai gerar um aumento das irregularidades?
Estamos flexibilizando, mas amarrando com a autorregulação. Isso vai mitigar o jeitinho brasileiro. Além disso, teremos mais fiscalização, que vai acontecer de forma inteligente, no sentido de saber quais exatamente são os produtos de maior risco. Vamos fazer vistorias no processo produtivo para garantir que, antes mesmo de chegar ao mercado, o produto não tenha qualquer tipo de problema. Não vamos deixar correr solto. Estamos dando aos empresários maior liberdade na criação. Não podemos confundir, como acontece muito no Brasil, com uma concorrência predatória. Mais do que isso, temos de promover o combate à pirataria, que traz produtos teoricamente fora da especificação.
É o caso, por exemplo, das cadeirinhas de bebê trazidas de fora?
Esse é um exemplo. Muita gente que viaja para fora acaba comprando essas cadeirinhas no exterior. Elas são de qualidade, mas não têm o nosso selo. Evidentemente, esses produtos são atestados por laboratórios dos Estados Unidos e da Europa. O que nós vamos fazer é uma campanha de comunicação maciça para a população para ela estar atenta aos órgãos certificadores do exterior. Porque, na verdade, da mesma forma que existe o Inmetro aqui no Brasil, todos os países têm seus órgãos de metrologia, semelhantes ao Inmetro. Se está aprovado lá, não deve ser proibido aqui.
Existe alguma estimativa de quanto o Brasil perde pela burocracia do Inmetro?
Existem alguns números. Anualmente, concedemos 260 mil licenças de importação. Com a flexibilização, vai haver uma redução de custos para os importadores, além de maior agilidade no tempo. Há uma rede de fast food no Brasil que pode trazer a compra mundial de determinado produto se for regulamentado por nós. Sem essa exigência, a economia para ela significa o equivalente a 200 novos empregos. Ou seja, os impactos dependem muito do setor, do tamanho do negócio. Mas é fato que o impacto é grande. Atualmente, o Inmetro demora de seis a 12 meses, em média, para a aprovação prévia de um produto. Com a expansão de nossos laboratórios acreditados, queremos reduzir para menos de três meses.
Essa redução de tempo também está alinhada aos padrões internacionais?
Está, sim. Temos que lembrar que o sistema de acreditação não é uma invenção brasileira. O nosso sistema de acreditação parte de uma rede internacional de metodologia. Seguimos rigorosamente o sistema de acreditação mundial, passo a passo. Se um laboratório é acreditado, pode ter certeza de que ele é extremamente competente para fazer os testes, muito atualizado em todos os seus procedimentos, e assim por diante.
Por que o Inmetro decidiu fazer essa atualização só agora?
Tenho apenas quatro meses no Inmetro. Percebo que o senso de urgência da indústria privada é muito diferente do serviço de apoio público. No fundo, o Inmetro é um serviço de apoio público. Estou querendo mudar esse pensamento. Quero que o Inmetro seja um serviço público de apoio à produtividade e competitividade.
Essa mudança de conceito está em linha com a nova postura do governo federal também?
Está 100% alinhada com o Ministério da Economia, ao qual estamos vinculados. E está 100% alinhada com a necessidade imperiosa de que o Brasil precisa inovar. O arcabouço regulatório dos Estados Unidos existe desde a década de 1980. Na União Europeia, desde a década de 1990. No Japão, desde 2000. O Brasil está chegando a 2020 com um imenso atraso regulatório. Isso acaba impedindo a criatividade e a inovação que levam ao desenvolvimento tecnológico. Tudo é o que leva ao aumento da competitividade.
Com esse mea-culpa de que o Inmetro é um obstáculo às empresas, é possível concluir que as companhias que reclamam do instituto estão certas?
Não. Uma coisa é contestar o resultado do teste. Todos têm esse direito. Outra é colocar em xeque nossa metodologia. Nossos laboratórios são altamente sofisticados, com tecnologia mundial. As empresas podem até, eventualmente não aprovadas no teste, contestar alguma coisa, falar que não, que não é bem assim, mas somos cuidadosos demais para não prejudicar ou denegrir a imagem de uma empresa. Os testes que são feitos nos nossos laboratórios ou organismos por nós acreditados são válidos aqui e no mundo inteiro. São absolutamente fidedignos. Antes de liberar um resultado, testamos e retestamos.
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