Jornal Correio Braziliense

Economia

Gigantes se curvam à censura chinesa

Para não perder oportunidades de negócios, Apple e Microsoft aceitam limites impostos pelo Partido Comunista e eliminam conteúdos que possam ser considerados subversivos




São Paulo ; Há 30 anos, no dia 4 de junho de 1989, estudantes chineses foram à praça Tiananmen, em Pequim, protestar contra o governo central opressor e gritar por democracia. A reação das autoridades não poderia ter sido pior: com tanques de guerra, tropas chinesas partiram para cima dos manifestantes, no que acabaria ficando conhecido como Massacre da Praça da Paz Celestial. Segundo o governo chinês, 241 pessoas morreram. Para organizações de direitos humanos, o número superou a casa das milhares de vítimas.

Os fatos descritos acima foram banidos da internet chinesa e são completamente ignorados pelo mecanismo de busca Baidu, o Google chinês, e pela Tencent, maior rede social do país, avaliada em impressionantes US$ 500 bilhões ; mais até do que o Facebook.

Os limites impostos às empresas chinesas pelo Partido Comunista não são novidade. O que chama a atenção agora é que grandes ícones do mundo ocidental também aceitaram submeter suas atividades à censura local. E eles fizeram isso por uma simples razão: para fazer negócios no país da Muralha.

Para ter acesso aos 800 milhões de usuários de internet na China, Microsoft e Apple, símbolos máximos das corporações de alta tecnologia dos Estados Unidos, têm sistematicamente censurado informações. Na Microsoft, isso significa eliminar, em seu buscador Bing, qualquer conteúdo que o governo chinês possa considerar sensível. O mesmo vale para as postagens feitas no LinkedIn, rede corporativa que pertence à Microsoft, e que tem grande penetração no mercado chinês.

Para o governo do presidente Xi Jinping, muita coisa pode ser enquadrada como conteúdo sensível: discussões políticas, projetos de governo, temas econômicos, acontecimentos do passado, defesa da liberdade de expressão, entre outros. O cerco é tão sério que qualquer referência ao ano de 1989 ; quando se deu o Massacre da Praça da Paz Celestial ; corre o risco de ser considerada subversiva.

A Apple controla sua loja de aplicativos na China com mãos de ferro, algo que não faz em nenhum lugar do mundo. Apesar de o presidente da empresa, Tim Cook, defender publicamente a liberdade de expressão, na China ele parece abandonar suas convicções democráticas.

No final de abril, segundo denúncias feitas pela imprensa americana, a empresa da maçã removeu músicas que mencionam tópicos políticos do serviço Apple Music. Uma das canções censuradas fazia referências aos protestos em Tiananmen.

Há alguns dias, o senador republicano Marco Rubio (Florida) classificou a adesão da Apple à censura chinesa como ;vergonhosa;. Segundo ele, a posição da empresa fundada por Steve Jobs não condiz com os valores democráticos defendidos pelos Estados Unidos. ;Nenhuma oportunidade econômica justifica ser condescendente com um regime autoritário;, disse Rubio.

Essa parece não ser a lógica de empresas que, afinal, buscam o lucro acima de tudo. Recentemente, o Google admitiu que estava testando um mecanismo de busca, chamado Dragonfly, que estaria de acordo com a censura chinesa. Na China, o Google oferece aplicativos de jogos e tradução, mas que aparentemente não incomodam as autoridades do país.

As grandes empresas chinesas de internet estão escaldadas. Se a maioria delas começou com um index de palavras e expressões proibidas, agora a inteligência artificial ajuda a identificar e bloquear assuntos indesejáveis.

Se um chinês tentar enviar, por WeChat (aplicativo de mensagens da Tencent), a foto clássica de um manifestante parado diante de tanques na Praça da Paz Celestial, a imagem nunca chegará ao destino. Os robôs de censura embutidos no aplicativo imediatamente associam a foto com conteúdo proibido e cancelam o seu envio. O mesmo vale para palavras.

Se nos últimos anos a China rompeu inúmeras barreiras econômicas e se tornou uma potência mundial, agora falta associar a isso as conquistas das sociedades democráticas, como liberdade de expressão e debate de ideias. Nesse aspecto, Apple e Microsoft não são bons exemplos a seguir.