São Paulo ; O mundo dos negócios tem mostrado de forma acelerada que fica cada vez mais difícil afirmar que uma fusão, por mais estranha que possa parecer, é improvável. Ontem, depois do fechamento das negociações na B3, a bolsa paulista, Marfrig e BRF anunciaram que estão em fase inicial de conversa para negociar uma possível fusão das suas operações.
Se o negócio entre as empresas, que já são muito relevantes no setor de alimentos, vier a se confirmar, nascerá daí a uma das maiores empresas globais do segmento. Juntas, as companhias terão uma receita de R$ 80 bilhões e passariam a ser a quarta maior empresa de proteína animal do mundo, perdendo apenas para a também brasileira JBS, a americana Tyson Foods e a chinesa Smithfield.
Troca de informações
Ambas divulgaram fatos relevantes sobre o início das negociações. Segundo as duas empresas, os conselhos de administração de das duas empresas aprovaram que fosse assinado um memorando que prevê um prazo de exclusividade de 90 dias, prorrogáveis por mais 30, que poderá ser a fase pré-consolidação dos ativos das companhias em uma nova sociedade. Segundo o texto, ambas começarão um ;processo de diligência dos seus negócios, cujo resultado, a critério conjunto das companhias, poderá ensejar ajustes nos termos da transação;.
Ainda de acordo com o fato relevante, a relação de troca de ações entre ambas deverá levar em consideração a cotação média das ações de BRF e Marfrig nos últimos 45 dias. Sua base será uma companhia unificada que dará aos atuais acionistas da BRF 84,98% do negócio. Já os 15,02% restantes serão dos sócios da Marfrig.
Fôlego para a BRF
Para a BRF, segundo parte dos analistas dessa área, a fusão com a Marfrig parece ser um dos caminhos mais viáveis para o futuro dos negócios da companhia. Com alto endividamento e vivendo uma sucessão de problemas, que vão de escândalos investigados pela Polícia Federal à troca de presidente, a BRF tem sofrido ainda com os problemas fitossanitários envolvendo as exportações de proteína animal para alguns mercados internacionais importantes.
A decisão de começar a conversar sobre uma fusão acontece no final do mandato de Pedro Parente, ex-Petrobras, como CEO da BRF. Quem assume esse posto a partir de 17 de junho é Lorival Luz, enquanto Parente passará a presidir o conselho de administração, conforme já foi anunciado.
Marfrig fortalecida
Ao contrário da BRF, a Marfrig chega a essa negociação fortalecida tanto por seus resultados financeiros quanto pela aquisição, feita em 2018, da companhia americana National Beef, e a venda da também americana Keystone, que deixou seu caixa mais redondo. Já a BRF, ao contrário, tem um índice de alavancagem (a relação entre dívida líquida e Ebitda, sigla para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) perto de quatro vezes. Se a fusão sair da mesa de negociação, esse número pode chegar a três vezes.
Há quem não acredite em tantas vantagens na união entre BRF e Marfrig neste momento. A BRF, apesar do aperto financeiro, ganhou fôlego e vê uma recuperação no valor de suas ações à medida que cresce na China o problema com a gripe suína na China, que deverá impactar no aumento das exportações da brasileira. Para a empresa fundada pela família Molina, a aproximação com a BRF pode significar para os analistas desse setor uma exposição desnecessária ao risco.
Virada na estratégia?
Quando Eduardo Miron foi anunciado como presidente da Marfrig, em setembro passado, a estratégia da empresa parecia ir exatamente em outra direção. Na época, foi informado em comunicado que a companhia reforçaria ;seu processo de geração de valor por meio da sustentabilidade financeira, integração e sinergia com a National Beef, e no caso da América do Sul, de uma gestão baseada em excelência operacional, na valorização de seus produtos e marcas e na revisão de sua estrutura;.
;Vamos trabalhar para gerar valor em todas as dimensões do negócio;, informou Miron naquela ocasião. ;Queremos ser uma empresa reconhecidamente sustentável na forma como conduzimos as finanças, no retorno oferecido a acionistas e investidores, nas relações com pecuaristas, funcionários, clientes e consumidores.;
Mas há o outro lado da moeda. Se a BRF ganha o necessário fôlego financeiro com a possível entrada da Marfrig na operação, tem como acionista controlador e presidente do Conselho de Administração o empresário Marcos Molina, poderá trazer para sua operação a potência da BRF em duas áreas importantes de negócio: frangos e suínos. A produção atual a coloca como líder na exportação para os países do Oriente Médio, um grande consumidor dessas proteínas.
A Marfrig é atualmente a segunda maior produtora de carne bovina do mundo. Já a BRF ; que surgiu da fusão entre as catarinenses Sadia e Perdigão ; é a principal indústria nos outros dois tipos de proteína animal. Hoje, a companhia é dividida em duas operações: América do Sul, responsável pela operação no Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, e América do Norte, que inclui os negócios da National Beef e a fábrica de hambúrguer, em North Baltimore.
Em 2018, a Marfrig chegou a um faturamento de aproximadamente R$ 40 bilhões. Já as vendas da BRF foram de cerca de R$ 30 bilhões.
Ganhos
Caso as companhias cheguem a um acordo para a fusão, a expectativa, como é de se esperar, é que encontrem ;sinergias operacionais e financeiras em virtude do equilíbrio e complementariedade de produtos, serviços e diversificação geográfica com relevância no Brasil, Estados Unidos, América Latina, Oriente Médio e Ásia;.
No entanto, quem acompanha de perto esse mercado tem nesse primeiro momento dificuldades em enxergar esses ganhos, já que por volta de 80% das operações da Marfrig estão em território americano, enquanto que a BRF tem sua base operacional no Brasil.
Apesar do tamanho do negócio em jogo, não se trata da primeira vez que Marfrig e BRF se sentam para conversar. Em 2018, a BRF vendeu a Quickfood, da Argentina, para o grupo de Molina, além de ter repassado uma fábrica de processados em Mato Grosso. Resta saber se nessa nova aproximação o final da história será o mesmo.