Um ponto de consenso que emergiu do seminário Perspectivas 2019/2.º Trimestre, realizado ontem na FGV, em São Paulo, é que não há bala de prata para tirar o Brasil da atual situação quase calamitosa de baixo crescimento econômico. O evento foi promovido pelo jornal 'O Estado de S. Paulo' e pela FGV/Ibre.
Em particular, o economista José Júlio Senna, especialista em política monetária do Ibre, criticou a ideia de que novos cortes da Selic façam parte da receita para reavivar a moribunda retomada. Para ele, a taxa básica já caiu o que tinha de cair - de 14,25% em outubro de 2016 para os atuais 6,5%, recorde histórico de baixa -, e o atual marasmo da atividade não é um fenômeno cíclico, a ser combatido via política monetária, mas sim um problema de oferta, de múltiplas causas.
De certa forma, essa visão ampla do drama econômico brasileiro, na qual a crise de crescimento conjuntural se funde e se confunde com a crise estrutural de um modelo que rendeu décadas de desempenho do PIB "pior que medíocre" - como colocou o pesquisador Samuel Pessôa, do Ibre -, deu a tônica do debate.
Senna observou que o crescimento médio anual do PIB per capita nacional ao longo de 40 anos foi de apenas 0,9%, assim como a produtividade do trabalho cresceu somente 0,4% ao ano entre 1982 e 2018.
Mas mesmo o regime econômico-político que legou desempenho tão sofrível já não se sustenta mais. Como mostrou a economista do Ibre Silvia Matos, o ritmo insustentável de crescimento real dos gastos primários desde o fim dos anos 90 levou à crise fiscal gravíssima que explodiu com mais força a partir de 2015. A receita primária federal real expandiu-se a um ritmo anual médio de quase 6,5% entre 1998 e 2014, e a partir daí passou a cair em média a pouco menos de 0,2% ao ano.
Não houve escolha. A freada nos gastos do Estado - feita da pior forma possível, com grande participação dos investimentos - é a reação diante do crescimento explosivo da dívida bruta do setor público, que saiu de 51,5% do PIB em 2013 para projetados 78,7% ao fim de 2019.
A grande questão enfrentada pelos debatedores, obviamente, é o que fazer. Como de hábito na discussão recente, o consenso absoluto foi de que rigorosamente nada de bom pode acontecer na economia brasileira se não houver uma vigorosa reforma da Previdência, que é sem dúvida a principal tarefa (mas não a única) para se resolver a falência fiscal estrutural do País.
Mas esse é apenas o primeiro passo. Na visão de Pessôa, o crescimento econômico de longo prazo é um fenômeno microeconômico que exige que se alinhe o ganho privado ao bem público. Os agentes econômicos, entretanto, tomam a maioria das suas decisões movidos por incentivos, e não por virtudes morais ou a ausência delas. Desenhar instituições pró-desenvolvimento é a tarefa, mas não existe uma receita universal e única para isso. A tarefa, num caso como o do Brasil, é gigantesca: sistema tributário, regime trabalhista, Previdência, funcionamento do Estado, educação, ambiente de negócios, tudo está para ser mudado ou aperfeiçoado.
E é aí que entra a política, o nó para desatar todos os nós. Pessôa notou que a esperança frustrada - na área econômica - com Jair Bolsonaro foi de que o presidente, no governo, maneirasse sua retórica antissistema político da campanha e trabalhasse para montar uma base no Congresso, nos moldes do presidencialismo de coalizão, para tocar sua agenda.
Isso não aconteceu, com forte impacto negativo na economia, o que até fez com que o Congresso partisse para tentar uma espécie de "parlamentarismo branco", do qual há esperança que saia alguma reforma da Previdência.
Mas o cientista político Carlos Melo, do Insper, alertou que esse processo não será pacífico, pois Bolsonaro e seu círculo íntimo não aceitarão passivamente que o Executivo seja transformado numa espécie de presidência cerimonial típica de alguns parlamentarismos reais.
Mais do que isso, porém, Melo lembrou que não há como um regime político funcionar a contento no Brasil - mesmo supondo que Bolsonaro se rendesse ao presidencialismo de coalizão - se não houver um projeto coerente de governo, um presidente com capacidade de comunicá-lo e explicá-lo à população e um esforço de concertação de atores sociais e políticos numa determinada direção.
Na falta desses elementos políticos, o mais provável é que o Brasil continue aos trancos e barrancos a construir novas décadas perdidas. O seminário sobre a conjuntura do segundo trimestre acabou discutindo o desenvolvimento de longo prazo, não por ter se desviado do assunto, mas porque a crise atual foi vista como sintoma do fim de um modelo e da necessidade de começar a se construir um outro, novo e melhor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.