Jornal Correio Braziliense

Economia

Intenção de consumo das famílias cai 1,7% em relação a abril, diz CNC

Retração acumulada nos últimos três meses já é de 4%

A Intenção de Consumo das Famílias (ICF) caiu pela terceira vez seguida. A queda foi de 1,7% em relação ao mês anterior, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A retração acumulada nos últimos três meses já é de 4%. Segundo a CNC, o baixo dinamismo do mercado de trabalho está por trás disso. Quase 13 milhões de brasileiros estão desempregados, e isso influencia a perspectiva profissional das famílias. Além disso, a alta de preços nos combustíveis, alimentos e até eletrodomésticos pode estar influenciando as famílias a comprarem menos.

Cerca de 61,5% das famílias acreditam que o momento é ruim para a compra de eletrodomésticos, televisores, aparelhos de som, segundo a CNC. Alguns até deixaram de adquirir itens necessários para o dia a dia, como Leonice Ferreira, de 43 anos. Ela, que faz e vende salgados para se manter, deixou de comprar feijão e outras verduras, como tomate e cenoura, por causa dos preços elevados.

;Neste mês, aumentou o preço de tudo! Deixei de comprar feijão porque o quilo estava por R$ 12, um absurdo. Também olhei preços de eletrodomésticos nos últimos meses, porque preciso de uma nova máquina de lavar, mas não tive coragem de comprar nada. Vou continuar lavando minhas roupas na mão;, reclama Leonice, que culpa o governo pela alta nos preços: ;Para mim, tudo isso é culpa do governo. O Bolsonaro prometeu tanto e não está cumprindo nada, e até está querendo cortar verba da faculdade do meu filho, que já está sem aulas práticas. Eu sou pobre, meu filho é pobre, como que o governo pode dizer que só está prejudicando os mais ricos com essas decisões? É mentira;.

Raissa Mendes, psicóloga de 26 anos, também notou um aumento nos preços de alimentos e eletrodomésticos. ;Não precisei deixar de comprar nada, mas esse aumento pesou em meu salário. Eu e meu marido estamos selecionando bastante os nossos gastos;, diz a psicóloga, que está tendo dificuldades em encontrar eletrodomésticos mais baratos. ;O maior aumento, para mim, foi nos eletrodomésticos, e como vamos nos mudar agora, estamos procurando fogão, microondas, essas coisas. Está difícil de encontrar algo dentro do orçamento. Fico angustiada com isso, porque o salário da população não está sendo levado em conta;.

Remilton Divino, 42, desistiu de comprar um fogão para sua casa por causa dos preços encontrados. Mesmo fazendo economias nos gastos e pechinchando por descontos, o servidor público não conseguiu comprar o eletrodoméstico. ;Meu fogão é muito antigo, eu precisava trocar, mas só vi preços muito salgados por aí e desisti. Acredito que o próprio governo é quem está inflacionando os preços de tudo, para ver se ganham mais ao nosso custo. Dizem que a inflação subiu, que é culpa dos aposentados, do mercado, mas acredito que são eles (governantes) que estão visando um lado mais empresarial no Brasil;, reclama Remilton.

Explicação

Para o economista chefe da CNC, Fábio Arantes, os dados são um indicativo de que o segundo trimestre do ano não melhorou. ;Certamente não deve ter acontecido uma melhora. Tudo leva a crer que se o consumo vai mal e as perspectivas não são boas, a tendência é em geral de um primeiro semestre muito fraco e o segundo estamos em compasso de espera. Boa parte da agenda de destravamento do crescimento está ligado a reforma da previdência que vem evoluindo lentamente.;, analisou.

Arantes considera outros fatores que influenciaram a pesquisa. ;Duas das principais quedas foram justamente na perspectiva profissional e de consumo, uma coisa ligada a outra. A inflação também não ajudou, tem o comportamento pior que nos últimos dois anos, concentrada em tarifas de alimentação que são gastos difíceis de serem contornados. O que vemos é o resultado da combinação da inflação com o dólar alto e demora da economia pela previdência, que causa queda da confiança no setor produtivo.;, disse.

Em relação ao mesmo mês do ano passado, a Intenção de Consumo das Famílias teve alta de 8,6%, revela a nova pesquisa. Na visão de Roberto Ellery, economista da Universidade de Brasília (UnB), essa alta ocorreu por causa das eleições de 2018. ;As pessoas criaram a expectativa de que as eleições mudariam tudo, acharam que tudo se resolveria com um novo governante. Agora, estão vendo que não é bem assim, os empregos ainda não começaram a aparecer, nem o crescimento econômico. A população acreditava que iria conseguir emprego rapidamente, mas não conseguiram e estão tendo que sobreviver com um salário mais baixo;, afirma Ellery.

Para ele, a taxa de consumo está caindo por causa do ;crescimento artificial; e da desigualdade de renda do país. ;A economia brasileira está ;emagrecendo;, todos estão caindo na realidade, inclusive as famílias, que estão reestruturando seu consumo e diminuindo dívidas. Apesar de esses dados serem um reflexo claro da crise fiscal que vivemos, é positivo pois mostra uma preocupação da população com nossa situação financeira;, afirma o economista. ;O setor do trabalho informal é quem mais está sentindo esse efeito, porque a inflação não está tão fora de controle, o problema está na baixa de renda do povo, ou até mesmo na falta de renda;.

O especialista espera que o comércio tenha uma melhora com a implantação da Reforma da Previdência, mas acredita que tudo dependerá de como o governo vai aprovar o projeto. ;Estamos em um momento em que o país jogou todas as fichas na questão da previdência, e o Brasil está congelado na parte de investimentos. Se o governo emplacar a reforma, com alguns ajustes que recuperem a confiança, podemos ter uma melhora no campo do comércio e investimentos;, explica.
* Estagiárias sob supervisão de Anderson Costolli