São Paulo ; Ex-presidente do Sebrae Nacional, o paulista Guilherme Afif Domingos escreveu os principais capítulos de sua trajetória em defesa da pequena empresa, contra a burocracia e o peso dos impostos. Desde janeiro, ele é braço direito do ministro da Economia, Paulo Guedes, e tem ajudado a elaborar estratégias para reativar a economia e reduzir o desemprego. Mas Afif reconhece que os desafios são imensos, especialmente em tempos de rombos fiscais na União e nos estados. Em entrevista aos Diários Associados, ele fala sobre seus planos para ajudar a tirar a economia do atoleiro.
Qual tem sido o maior desafio como membro da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro e, principalmente, do ministro Paulo Guedes?
Trabalho muito próximo ao Paulo Guedes. Minha função é ser o melhor conselheiro sênior, com base na minha experiência de vida e de política. O desafio é ajudar a encontrar os rumos e caminhos, trocando ideias.
É visível a dificuldade da equipe econômica de executar alguns de seus planos e estratégias para a economia. Qual será o caminho para a articulação do ponto de vista político?
É fácil trabalhar com o Paulo Guedes. Tenho, sim, ajudado na articulação. O Paulo é uma pessoa muito rápida de enxergar evidências e se adaptar dentro do mundo político. Todos estão aprendendo como dar andamento à recuperação da economia.
Mas, até agora, nenhum indicador econômico importante, como o desemprego, mostra que o governo está sendo bem-sucedido em seu plano.
O problema do emprego está incomodando o mundo, porque estamos enfrentando uma autêntica revolução tecnológica, que é muito superior nos seus efeitos ao que foi a revolução industrial lá atrás. Este desemprego que aí está não é um desemprego só conjuntural, é um desemprego estrutural muito forte. Hoje, as formas de trabalho estão mudando. Temos de adaptar nossa estrutura, nossa legislação, desonerar o trabalho para que a pessoa possa ter mais facilidade de ser contratada, sem amarras, sem exigências, sem taxação. Hoje em dia, quando se fala em gerar emprego, o empregador pensa 10 vezes, porque é muito caro gerar emprego. Os custos são muito grandes e o salário passa a ser alto para quem paga e baixo, para quem recebe.
Desoneração da folha e redução de custos trabalhistas podem resultar em diminuição de direitos e precarização?
Nosso esforço, que é a nossa obsessão no ministério, é a desoneração de encargos trabalhistas. Isso passa também por outras formas de contratação de trabalho, porque hoje, com o mundo digital, é possível oferecer trabalho em casa, que está crescendo muito, os coworkings etc.
É possível, então, desonerar, reduzir custos, sem abrir mão de direitos?
Claro. O maior direito do trabalhador é a remuneração. Uma coisa é o direito trabalhista de quem é empregado, com regime de carteira tradicional, outra são as novas formas de contratação de trabalho, que não são as forma tradicionais da contratação com registro em carteira.
Quais são essas novas formas de contratar sem sucatear o mercado de trabalho?
A própria terceirização é um exemplo. Ela está acontecendo em velocidade descomunal. Na busca pela inovação, as grandes empresas precisam investir em pessoas. Foi o que fizemos nesta MP da liberdade econômica. Quem for montar uma startup não precisa estar autorizado para fazer teste disso ou daquilo.
Qual é, objetivamente, o plano da equipe econômica para fazer com que o emprego volte a reagir?
Primeiro, temos de equacionar a crise do Estado. Temos de promover um choque na estrutura, a começar pela reforma previdenciária. Esse é o maior fator de pressão de desigualdade que existe. Segundo, tem que partir para uma profunda reforma tributária, que desonere folha de pagamento, para poder financiar a própria Previdência. E ela tem que ser revestida de um processo brutal de simplificação. Terceiro, é a reforma fiscal com um pacto federativo, que é a distribuição dos recursos para os estados e municípios, definindo funções e tirando o peso sobre as costas da União. Ou seja, descentralizar o processo tributário.
Como imaginar um processo de desoneração com um governo no auge de um rombo fiscal?
Por isso, devem-se criar novas formas de tributação modernas. O nosso sistema tributário é arcaico, injusto, obsoleto. Temos, primeiro, de implementar um sistema tributário digital.
O senhor está falando em modernizar a arrecadação, é isso?
Sim, mas modernizar de forma consistente. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é o imposto do século passado. Como já foi dito pelo próprio Roberto Campos, o IVA é o aperfeiçoamento do obsoleto. Hoje, o mundo moderno faz transações relâmpagos, inclusive operações internacionais. A identificação da procedência de recursos, compras digitais, as compras no cartão, as transações on-line, tudo é eletrônico. Mas ainda estamos cobrando impostos no papel, de forma analógica. E o custo da administração tributária é um problema muito sério. Tanto para o Estado quanto para o cidadão.
Por que ainda não houve nenhuma proposta de reforma tributária e fiscal do governo?
Essas reformas já começam a ser debatidas, sim, mas apenas no nível interno do grupo e nos níveis de comissão não oficiais, na Câmara e no Senado. Não existe um pacote fechado. Isso vai ocorrer tão logo nós definirmos a reforma previdenciária. Ela precisa sair.
A reforma da Previdência vai ser aprovada da forma que está?
Ela tem que ter musculatura fiscal de R$ 1 trilhão em 10 anos. Só com essa cifra teremos tranquilidade. A reforma tributária tem que ser feita sem criar impostos, sem criar aumento de imposto, mas mantendo o nível de arrecadação. Mas manter o nível de arrecadação não significa manter o nível de sacrifício em cima da sociedade.
Isso pode significar a criação de um imposto no formato da CPMF?
A CPMF foi estigmatizada pelo fato de ser criada como um Imposto Único e foi usada para ser mais um imposto. Portanto, não foi aceita pela sociedade. Mas, tecnicamente, é um formato moderno de arrecadação. O problema é que a criação da CPMF, com a proposta do Adib Jatene de criar uma fonte de receita para a saúde, se tornou outra coisa. Foi um engodo.
E qual seria a sua CPMF ideal?
Poderia ser utilizada como fonte arrecadadora do financiamento da Previdência. Pode-se substituir a taxação da contribuição patronal e do trabalhador por um imposto geral de transações. É importante lembrar que o verdadeiro caos tributário é o ICMS, que os governadores estão sem coragem de mexer. Mas eles vão acabar sendo pressionados à medida que surja a ideia do imposto simplificado geral.
O medo dos governadores está em perder arrecadação em uma fase de quebradeira dos estados, não é?
A resistência não parte só dos governadores. Muitos advogados fazem fortuna com o manicômio tributário que foi criado no Brasil. Por isso, há uma resistência muito grande das máquinas fiscais. O processo de simplificação reduz drasticamente o custo da administração tributária e diminui o ganho de advogados. Só no Supremo há mais de R$ 1 trilhão em causas tributárias.
Então a reforma tributária não vai sair por resistência dos advogados?
Vai sair, mas com muita resistência. Assim como existem os privilegiados da Previdência, existem os privilegiados do caos tributário. Basta olhar de quem são as maiores mansões à beira do Lago Paranoá em Brasília. Não são de políticos.
São dos advogados?
A maioria. Quem vai pra Miami e passeia de lancha vê as casas dos grandes artistas de Hollywood às margens dos lagos. Em Brasília, só dá para ver as casas dos advogados.
Essa simplificação tributária ou a criação de um imposto único não representariam uma ameaça para a arrecadação dos Estados?
Não. Quando você calibra a arrecadação pelos níveis atuais e distribui mais, é menos Brasília e mais Brasil. Tem que acabar com a guerra fiscal e, logicamente, tem de definir um prazo de transição de regra em função dos direitos adquiridos, que é uma prevenção. Mas não pode passar de cinco anos essa transição.
Mas a criação de um imposto único pode dificultar os estados mais pobres a atraírem investimentos...
A grande dificuldade de atrair as empresas não é o incentivo fiscal, é a infraestrutura. Você tem que investir em infraestrutura, em educação, em faculdades, em escolas técnicas, tudo isso é fator de atração de investimento empresarial. Não precisa só oferecer imposto menor. É preciso pensar numa política de desenvolvimento local a partir de cada realidade.
O governo prega que o país só vai crescer com as reformas, mas a reforma trabalhista não se refletiu em queda do desemprego, como se prometia. Por quê?
Na verdade, a reforma trabalhista não se completou. Ela começa a se completar agora com a vinda da reforma previdenciária, que desonera a contratação para que a desoneração seja um fator da facilidade de contratação de mão de obra. As reformas estão todas interligadas, numa mesma filosofia de desoneração, simplificação e descentralização.
Quando o desemprego vai cair?
Vamos ter um alívio à medida que a reforma previdenciária passe. Ela é um sinal verde para o investimento. O emprego depende muito do investimento. O Brasil é um continente em implantação. Não é um país, é um continente. O Brasil vai ser um paraíso da entrada de recursos para investimento e infraestrutura. Esse é o motor principal do emprego.
Qual a sua opinião sobre o sistema S, do qual o senhor fez parte enquanto presidiu o Sebrae? Agora, há uma cruzada do governo contra o sistema. Sua opinião mudou?
É um sistema ultrapassado. Ele foi muito importante na sua concepção e criação, num país que estava iniciando a era industrial nos anos 1940. Ele foi concebido num sistema S tradicional para formação de mão de obra na indústria, no comércio, na agricultura. Daí surge o sistema S tradicional, Senai, Senac, Sesi, e depois veio o de transporte. Esse é o setor tradicional. Depois, nos anos 1990, surgiram outras, mas com outra concepção, Sebrae e Apex. Todos eles em cima de folha de pagamento, inclusive o do Sebrae e Apex, mas não tem nada uma coisa a ver com outra. A fonte de financiamento devia ser outra, e nunca a folha de pagamento. O sistema está sub júdice, de um lado, e sob suspeita, de outro.
Qual a sua proposta para o sistema S. Qual seria a fórmula ideal para dar um novo formato ao sistema?
Tem que vincular o sistema, por exemplo, à pequena empresa. Como o Simples. O sucesso do Simples se deve muito à atuação do Sebrae. Então, é justo que o Sebrae possa ser financiado com uma parcela da arrecadação do Simples. Um plano de gestão com diretrizes muito bem fundamentadas para acompanhar. Hoje, é totalmente solto. Não existe nenhuma relação da política pública com o que faz o Sebrae.
O que mudou na sua rotina, fazendo parte deste governo, em relação ao período em que dirigia o Sebrae nacional?
No Sebrae Nacional, eu tinha uma função executiva, com reuniões, agendas, todas amarradas para o cumprimento dessa missão, de uma grande organização. Já a assessoria é uma coisa mais solta, porque você trabalha com muitos assuntos, não tenho um cargo de função burocrática. Tenho que fazer pontes.