São Paulo — Companhia de origem argentina e com ações negociadas na bolsa de Nova York, a Decolar (ou Despegar, como é denominada nos países de língua hispânica) é a maior empresa de viagens on-line na América Latina. A empresa, que tem regionalmente em torno de 18 milhões de clientes, acaba de divulgar os resultados do primeiro trimestre. Na comparação com os números de 2018, apresentou crescimento de 5% nas transações e de 24% em receita bruta, que chegou a US$ 1,2 bilhão no período. A operação apresenta números expressivos. Os sites e aplicativos da Despegar/Decolar contam atualmente com a oferta de 270 companhias aéreas, 512 mil opções de hospedagem, em torno de 1.190 agências de aluguel de carros e 326 fornecedores de serviços de destino com algo como 5.690 atividades em toda a América Latina. Na divulgação do balanço, o CEO Damian Scokin lembrou que o resultado foi obtido apesar do “cenário macroeconômico desafiador, em particular, na Argentina”, que passa por uma grave crise. Mas problemas como esse não inibiram os planos de crescimento orgânico ou por meio de aquisição, como a que foi feita recentemente com a incorporação da marca chilena Viajes Falabella. O Brasil não escapa do que Scokin chama de “cenário macroeconômico desafiador”, como relata Alexandre Moshe, diretor-geral da Decolar no Brasil, que chegou à empresa em agosto do ano passado. Os negócios vinham em um bom ritmo do fim do ano até fevereiro, conta o executivo. Mas, nas últimas semanas, as incertezas quanto ao futuro da economia chegaram à empresa. Em entrevista ao Correio, Moshe conta o que a empresa tem feito para se livrar de problemas como a crise na Avianca, a alta do dólar, além de questões estruturais mais amplas, como a falta de investimento em infraestrutura e o aumento da violência.
Até que ponto o turismo tem sido afetado pela situação da economia brasileira?
O fim do ano passado foi muito bom e os meses de janeiro e fevereiro, também. Mas, nas últimas semanas, vejo um pequeno reflexo da situação econômica. Todo país estava vendo com muita expectativa as reformas que só devem acontecer nos próximos meses. Por outro lado, a Decolar tem uma característica particular, com atuação regional, e isso faz com que encaremos a situação e nossos projetos de outra forma.
De que forma essa atuação regional funciona na prática para minimizar os problemas de um mercado específico?
Seja lá o que for que esteja acontecendo em uma determinada economia onde atuamos, estruturamos os negócios de forma a não sentir os efeitos. No começo do ano, por exemplo, oferecemos mais de 100 charters que trouxeram para o Brasil turistas argentinos e chilenos, e a taxa de ocupação foi de praticamente 100%. Agora, no inverno, estamos com charters com saídas programadas para Bariloche (Argentina), e a nossa expectativa é muito boa. Ao final das contas, o público vai viajar. Se, com o câmbio atual, não dá para voar para os Estados Unidos, passamos a fazer uma campanha forte para a América do Sul. O voo charter para Bariloche entra nessa esteira. Além disso, intensificamos a oferta de outros destinos da América do Sul, independentemente dos charters.
Mas como manter a receita da operação se as pessoas estão gastando menos?
Uma forma é viabilizar a compra do pacote, não só da passagem aérea ou do hotel. Isso contribui com o aumento da receita. Para tornar o negócio atraente, oferecemos a possibilidade de montar pacotes do jeito que quiser, com uma economia que pode chegar a 35% em comparação ao que é pago comprando os serviços separadamente. Os resultados do primeiro trimestre do ano mostraram que 67% das vendas vêm de pacotes. Esse percentual tem aumentado trimestre após trimestre.
Essas ações internas são suficientespara diminuir os efeitos da macroeconomia nos negócios?
É fundamental que as reformas do país avancem. Independentemente disso, nossa atuação regional faz com que mantenhamos os compromissos de médio e longo prazos com qualidade. Continuamos trazendo novos formatos para nosso negócio. É preciso quebrar a cabeça, inovar, manter a disciplina e usar a força de atuar regionalmente para gerar mais negócios.
Temos, nos últimos meses, uma oferta cada vez menor de voos por conta da situação da Avianca, assim
como aconteceu com a saída de Varig, Transbrasil e Vasp. Como isso afeta a vida do viajante e da Decolar?
Pode ser uma oportunidade?
A situação da Avianca está bastante delicada, por isso, temos acompanhado bem de perto para ver como vai se desenrolar. O cenário ainda é bastante incerto. Tem um leilão que pode acontecer e definir que companhias assumem ou outras que poderão entrar no mercado. Quanto mais competição e mais empresas saudáveis, melhor para o consumidor. Para proporcionarmos uma experiência completa, quanto mais sólido e sustentável estiver o mercado, melhor.
Mas como minimizar os efeitos negativos na vida do viajante?
Uma forma de contornar esse tipo de problema é criando novos produtos e aumentando a nossa curadoria na hora da compra. Atualmente, 38% das vendas acontecem no mobile, tanto no app quanto no site mobile. Isso significa que, além da venda, o aplicativo possibilita ao cliente gerenciar a compra, consultar seus vouchers e contratar serviços durante a viagem, o que está acontecendo cada vez mais.
Por outro lado, têm surgido companhias aéreas internacionais low cost com operação no Brasil. Vale a pena para a Decolar oferecer esses produtos, que têm margem menor?
Vale a pena, sim, porque o cliente vai comprar a viagem inteira, não só o voo.
A qualidade da prestação de serviços no Brasil é adequada no turismo?
A prestação de serviços no Brasil pode melhorar muito. Isso é algo que olhamos com nossos parceiros comerciais o tempo todo, mas também damos a possibilidade de os clientes participarem desse processo e pressionarem por melhorias. No site da Decolar, há reviews dos clientes. Esses comentários são a primeira opção que aparece quando se faz uma busca no site. Essa é uma forma de incentivar a melhoria da prestação de serviço.
O Brasil sofre com a escassez histórica de investimentos em infraestrutura. Além disso, vê o problema da violência se agravar. Até que ponto esses problemas inibem o turismo interno e a atração de estrangeiros?
Se estiver em um ambiente com mais segurança e com infraestrutura de qualidade, é claro que ajuda na atração de turistas. Deveríamos ter cada vez mais turistas estrangeiros e mais turismo interno, com as pessoas alugando um carro e conhecendo outros destinos do país, mas isso não acontece. Quando o país tiver segurança e infraestrutura, o turismo será cada vez mais uma opção de consumo para as pessoas. Se hoje o consumidor escolhe um eletrônico em vez de uma viagem por influência desses problemas, esperamos que, no futuro, isso mude.
Qual é o impacto dos sites de comparação de preço em um negócio como o da Decolar?
A própria Decolar também faz uma comparação de preços, a diferença é que vendemos os produtos. Para nós, quanto mais serviços digitais estiverem disponíveis no setor, melhor. É uma forma de ajudar a fomentar o ambiente digital do qual fazemos parte.