O país vizinho está mergulhado no segundo ano seguido de queda do PIB neste ano. Analistas lembram que esse cenário, deve-se, em grande parte, à inflação elevada e ao fato de o presidente argentino, Mauricio Macri, ter feito um ajuste fiscal muito gradual. Eles lembram que, como Macri corre o risco de não se reeleger no fim deste ano, ele partiu para medidas desesperadas e populistas (que não deram certo no Brasil dos anos 1980), como congelamento de preços. Além disso, está na contramão da cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI), que voltou a socorrer Buenos Aires com a saída de Cristina Kirchner, que está na frente das pesquisas em um eventual segundo turno contra Macri.
O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, não tem dúvidas de que essas medidas artificiais anunciadas por Macri não funcionarão. Apesar de achar que o risco de o Brasil cair no mesmo ciclo recessivo que atravessa a Argentina ser pequeno, Castro reconhece que, se a reforma da Previdência não acontecer neste ano, esse risco vai crescer. ;A consequência de não haver reformas piora a atividade econômica, que vai ser pífia. O país não está criando condições para um crescimento sustentável. O desemprego está altíssimo. Os juros não caem;, afirma ele, lembrando que as estimativas iniciais de alta do PIB deste ano eram próximas de 3% e elas caem constantemente. Na avaliação dele, o comércio exterior não deve ajudar no PIB como no passado, porque as exportações do país estão encolhendo e devem fechar o ano com retração em torno de 8%. ;Pelas nossas estimativas, em 2019, o país vai exportar US$ 20 bilhões a menos do que no ano passado;, aposta.
Realidade
O diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Ipea, Ivan Tiago Oliveira, também acredita que a demora nas reformas estruturais colocará o Brasil na mesma trilha da Argentina, rumo a uma nova recessão. ;Por isso, a necessidade da reforma da Previdência é muito clara. A realidade deve se impor e, certamente, essa reforma deve sair tendo em vista a sua relevância. Ela precisa ser colocada, de fato, como prioridade na agenda econômica;, orienta. ;Quanto mais rápido essa reforma for aprovada, melhor será para o país. Além de dar uma previsão na questão fiscal, vai destravar outras agendas que esperam para acontecer enquanto a reforma não sai, como reforma tributária e abertura comercial;, complementa. Ele destaca ainda que, pela história econômica da região e do Brasil, congelamento de preços não funciona. ;Macri está tentando enfrentar a oposição que está crescendo, mas está indo na contramão do liberalismo econômico que ajudou a elegê-lo e poderá não votar nele novamente;, alerta.A economista Monica de Bolle, diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Petterson Institute for International Economics (PIIE), ambos em Washington, ressalta que os dois países crescem menos do que a média global e essa dificuldade para conseguir fazer com que a atividade econômica avance de forma mais sustentável também é um risco que não pode ser ignorado. ;Os ajustes que não são feitos ou que são feitos sem a profundidade necessária acabam gerando uma situação de baixo crescimento eterno, como estamos vendo no Brasil. O país está preso em uma armadilha do baixo crescimento que não é resolvida;, explica.
Monica antecipou que o Brasil não cresceria acima de 2%, quando as previsões giravam em torno de 2,5%. Hoje elas estão em 1,7% e em queda. Segundo ela, o Brasil está preso na armadilha do baixo crescimento e, se não for resolvida, as consequências serão dramáticas, e a população deixará de acreditar no sistema. Ao comparar as duas economias, a economista ressalta que, como a Argentina funciona com duas moedas, o peso e dólar, isso atrapalha qualquer ajuste que o governo queira fazer. ;Essa dolarização impede a existência de uma política monetária, e o FMI não entendeu isso até hoje;, completa.
De acordo com Juan Carlos Barboza, economista do Itaú Unibanco, a instituição reduziu recentemente de 2% para 1,3% a projeção de crescimento do PIB do Brasil neste ano e prevê queda de 1,2% no PIB argentino. ;A Argentina precisa que o Brasil cresça para dinamizar a indústria local. O desaquecimento da economia é ruim para os dois países, mas não na mesma proporção. Pelos nossos cálculos, a cada 3% que o PIB brasileiro crescer, isso pode contribuir com 1% de alta no PIB da Argentina;, compara. ;Como parte do ajuste, o país precisa que o principal parceiro também cresça;, pontua.
Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, ressalta que os dois países são dependentes um do outro. ;O desaquecimento da economia argentina está frustrando as previsões iniciais de retomada do Brasil, e, por isso, estamos vendo redução constantes das previsões;, destaca. ;A Argentina é uma economia muito mais fragilizada e com fundamentos piores. A taxa de juros que o investidor está cobrando para cobrar a dívida argentina é muito maior do que no Brasil;, completa o especialista.
Seguro de mais de US$ 380 bi
Uma diferença que garante uma resistência maior ao Brasil diante de crises do que a Argentina, além da inflação mais baixa, são as reservas cambiais, de acordo com o ex-ministro da Fazenda e atual secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Henrique Meirelles. Para ele, elas são uma ;vantagem comparativa enorme;, que faz com que o país não tenha os mesmos riscos de entrar em uma nova recessão. ;O país conseguiu controlar a inflação e temos mais US$ 380 bilhões de reservas, e isso é fundamental, porque dá tranquilidade para o país fazer política interna. Mário Henrique Simonsen (ex-ministro da Fazenda na ditadura militar) dizia: A inflação mata e o câmbio aleija. O Brasil conseguiu ancorar a inflação já na década passada;, destaca. A economista Monica de Bolle descarta uma redução desse colchão. ;Essas reservas precisam ser olhadas como um seguro. O custo de tê-las é o sinistro e ele é menor do que o de não tê-las;, resume.Em busca de maior integração
Depois de quebrar a tradição de seus antecessores em não visitar primeiro o principal parceiro latino-americano, o presidente Jair Bolsonaro finalmente marcou sua ida para a Argentina para o início de junho. O terceiro maior destino das exportações brasileiras será o quinto país visitado pelo chefe do Executivo desde a posse, após Suíça, Estados Unidos, Chile e Israel.
A visita de Bolsonaro a Buenos Aires ocorrerá em 6 de junho em retribuição a de Macri, em 16 de janeiro. De acordo com o Itamaraty, o novo encontro dos dois presidentes tem como objetivo ;adensar a integração política e econômica com a Argentina, aliado estratégico brasileiro em razão dos laços geográficos e históricos e dos fortes vínculos bilaterais nos mais diversos setores;.
A Argentina é um importante mercado para os produtos industrializados brasileiros. Tradicionalmente, mais de 90% das exportações nacionais para o país vizinho são manufaturados, ou seja, itens de alto valor agregado e de setores estratégicos das duas economias, sobretudo na indústria automobilística. Contudo, esse percentual está em queda devido à crise no país vizinho, destaca o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
As exportações brasileiras para a Argentina ajudaram no crescimento de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, quando o país cresceu 2,9%. Mas, com dois anos de recessão e forte desvalorização do peso argentino, o país vizinho vem importando cada vez menos do mundo e do Brasil. Depois de registrar um superavit recorde de US$ 8,18 bilhões em 2017, as exportações brasileiras encolheram 15,1% no ano passado. Isso contribuiu para a queda de 52,33% no superavit bilateral de 2018, de US$ 3,9 bilhões.
Neste ano, o Brasil deverá registrar o primeiro deficit comercial na balança com a Argentina desde 2003, pelas contas do presidente da AEB. Ele destaca ainda que para cada US$ 1 bilhão a menos nas exportações brasileiras de manufaturados, há uma queda de 50 mil empregos nas indústrias brasileiras. ;Pelas nossas estimativas, o deficit comercial com a Argentina neste ano deverá ficar em torno de US$ 2 bilhões, o que significa que serão 100 mil postos de trabalho a menos no país;, lamenta Castro.
Fontes do Itamaraty informaram que, entre os principais temas que serão tratados na visita de Bolsonaro a Macri são: a cooperação fronteiriça para a integração da infraestrutura física e a facilitação do fluxo de turismo e comércio pela fronteira terrestre; a cooperação e a possível definição de projetos conjuntos em ciência, tecnologia e inovação, com ênfase em áreas como biotecnologia, energia, espaço e defesa; e a concertação bilateral para o aumento da segurança pública nos dois países e o combate ao crime organizado no plano regional.