A onda populista global é um dos maiores desafios para as empresas e pode gerar uma nova crise financeira no mundo, diz William Boulding, reitor da escola de negócios americana Fuqua, da Duke University. "O populismo congela a atividade (econômica) e pode conduzir a uma crise de liquidez no sistema financeiro, pois defende a ideia de se recuar na economia global", disse Boulding ao jornal O Estado de S. Paulo. Em recente visita ao Brasil, ele acrescentou que, para reverter essa tendência, as escolas de negócios precisam criar líderes preocupados com a sociedade.
O Brasil e o mundo estão polarizados. Empresas devem adotar posições nesse cenário?
O melhor para a empresa é adotar posturas que sejam consistentes com seus valores. Nos EUA, muitas empresas entendem que inovação está ligada a uma força de trabalho diversa. Assim, se a empresa tem o ambiente de trabalho de inclusão e diversidade como um de seus principais valores e acontece algo na sociedade que sugere a marginalização de um grupo, muitas companhias escolhem dizer que isso é inconsistente com negócios.
A incerteza política pode ser considerada um dos principais desafios para o mundo empresarial hoje?
É improvável que vejamos o mesmo tipo de crise da de 2008, mas, quando a pergunta é quais os possíveis gatilhos para uma nova crise, (uma das respostas é) o crescimento do populismo no mundo. O populismo funciona contra a habilidade empresarial de fazer investimentos significativos, congela a atividade e pode conduzir a uma crise de liquidez no sistema financeiro, pois defende a ideia de se recuar na economia global. Há um risco significativo para as empresas se quiserem culpá-las porque as vidas não estão melhorando para todo mundo.
As empresas podem fazer algo para diminuir esse risco?
Sim. O crescimento do nacionalismo, a eleição de alguns indivíduos aqui (no Brasil) e em todo o mundo, é uma resposta ao sentimento de que o modelo global de negócios não está funcionando para todos. Você pode dizer que a eleição aqui foi uma resposta aos escândalos de corrupção nos negócios e na política. Nos EUA, pode dizer que as pessoas sentiam que havia sido deixadas para trás pela economia global, com a mudança de linhas de produção americanas para outros países. Para as escolas de negócios, isso significa que precisamos produzir líderes que entendam o papel dos negócios na sociedade, que tenham responsabilidades não só com lucros, mas também se perguntem como fazer a sociedade melhor, como criar empregos, como melhorar a vida dos clientes e dos funcionários.
Há líderes pensando assim?
Com certeza. Tim Cook (presidente da Apple e ex-aluno da Fuqua) é um exemplo. A Apple acredita na conectividade global e vê valor nisso. Eles dão importância à transparência na cadeia logística global: se preocupam em ter certeza de que, quando uma pessoa compra um celular, ela sabe o que está por trás desse produto.
Mas, há alguns anos, vimos vários casos de suicídios entre funcionários da Foxxconn, fabricante iPhones para a Apple...
Essa informação permitiu mudanças significativas. Eles sentiram que tinham uma responsabilidade com a sociedade. A visão de Tim Cook é que eles têm responsabilidade de criar valor para todas as pessoas envolvidas e que a empresa não será lucrativa no longo prazo se não for assim. Tim é um bom exemplo de alguém que tem voz ativa sobre mudanças climáticas, sobre transparência na cadeia de suprimentos, sobre privacidade e contra leis que marginalizam imigrantes ou a comunidade LGBTQ. As empresas não são capazes de atrair os melhores talentos se não oferecerem oportunidade para o funcionário fazer algo significativo para sua vida. Elas não serão capazes de continuar operando se a comunidade não confiar que elas estão investindo e criando empregos melhores. Isso é consistente com a maximização de lucros no longo prazo, além de ser consciência social.
Por que tantos líderes empresariais estão migrando para a política, tanto no Brasil como no exterior? Há algo além de uma insatisfação global com os políticos?
Um dos grandes avanços nas escolas de negócios é a ideia de que alguns princípios de gestão do setor privado são relevantes no setor público e no terceiro setor, como a disciplina na alocação de recursos. Mas os líderes empresariais também fazem algo que parece que políticos não são mais capazes de fazer: unir as pessoas por um bem comum. No mundo político, é muito difícil encontrar pessoas que se unam com um único propósito. No mundo dos negócios, isso acontece o tempo todo, você une pessoas que são largamente diferentes e faz com que elas achem as vantagens dessas diferenças, trabalhem com um propósito e atinjam um resultado ótimo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.