Jornal Correio Braziliense

Economia

Crise econômica na Venezuela faz blecaute virar rotina em Roraima

Os apagões no estado brasileiro mais do que triplicaram entre 2016 e 2018, chegando a uma média de dois desligamentos por dia, entre agosto e dezembro do ano passado

A importação de energia elétrica que o Brasil faz da Venezuela entrou para a lista de calamidades que tomam conta da fronteira brasileira. Nos últimos três anos, período em que, sob várias sanções dos Estados Unidos, a economia do país governado por Nicolás Maduro entrou em crise, o número de blecautes ocorridos em Roraima bateu recordes sucessivos.

Os apagões no Estado mais do que triplicaram entre 2016 e 2018, chegando a uma média de dois desligamentos por dia, entre agosto e dezembro do ano passado. A estatal venezuelana Corpoelec, responsável pelo abastecimento, foi esvaziada depois que 20 mil funcionários deixaram seus postos de trabalho por causa de atrasos de salários.

Detalhes desse caos elétrico foram obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Documentos do governo brasileiro e da Embaixada do Brasil em Caracas expõem a precariedade do fornecimento de energia em Roraima, Estado que, até o ano passado, tinha cerca de 80% de seu consumo dependente de hidrelétricas da Venezuela.

A entrega da energia ao Brasil é feita por uma linha de transmissão de 513 quilômetros de extensão em solo venezuelano e 195 km em território brasileiro. Em 2018, foram contabilizados 74 apagões no trecho do país vizinho, mais que o dobro dos 30 desligamentos ocorridos em 2017 e quase quatro vezes o volume de 2016, quando 20 quedas na linha de transmissão deixaram Roraima no escuro.

No ano passado, a linha brasileira sofreu apenas duas paralisações. Outras seis ocorreram em 2017, ante 12 desligamentos de 2016. A situação se agravou em 2019: em ofício de 8 de março, o Ministério de Minas e Energia (MME) contabilizava 23 apagões da linha venezuelana em 2019. Só no dia 7 deste mês, três apagões afetaram Roraima.

O abalo nas relações entre os dois países tem dificultado até comunicações básicas com a estatal Corpoelec para entender as causas das paralisações e tomar medidas que restabeleçam o fornecimento. Em dezembro do ano passado, a Eletronorte informou ao MME que demorou seis dias para conseguir contato telefônico com a empresa venezuelana. "Após sucessivas tentativas, somente conseguimos contato telefônico com a empresa Corpoelec no dia 5 de dezembro", declarou a empresa do Grupo Eletrobrás.

Roraima é o único Estado do Brasil que não está conectado no Sistema Interligado Nacional, rede de transmissão que corta todos os demais Estados do País. Por causa desse isolamento, Boa Vista e região dependem da importação de energia da Venezuela ou da geração de usinas térmicas brasileiras alimentadas por óleo diesel, fonte mais cara e poluente.

Até o ano passado, o Brasil desembolsava cerca de R$ 150 milhões por ano para comprar energia da Venezuela. A substituição dos venezuelanos pela fonte térmica gera uma conta de R$ 1,95 bilhão por ano e é rateada por todos os consumidores brasileiros. Para cobrir os gastos feitos entre setembro e dezembro do ano passado, o governo teve de liberar R$ 490 milhões. Além do gasto alto, é preciso ainda lidar com as dificuldades logísticas para entrega do combustível.

Outro lado

Procurados, Aneel e Itamaraty não quiseram comentar. A Corpoelec não respondeu os pedidos de esclarecimentos. O MME informou que a construção da linha de transmissão que ligará Boa Vista a Manaus - projeto de 700 km ainda não iniciado porque seu traçado passa pela terra indígena waimiri atroari - deve concluir acordo de licenciamento ambiental nas próximas semanas. Os índios não são contra a linha, mas esperam ser consultados e ter contrapartidas do governo. "A expectativa é concluir o licenciamento e dar início às obras no segundo semestre deste ano para que o linhão entre em operação até dezembro de 2021, quando Boa Vista passará a ter a mesma qualidade de atendimento das demais capitais do País."

Corpoelec

Árvores altas, chuvas e trovões. São essas as causas recorrentes que a Venezuela costuma apontar para justificar oficialmente a sucessão de apagões vividos em Roraima. Os "contatos da linha de transmissão com a vegetação e as descargas atmosféricas", segundo a Corpoelec, estariam derrubando a rede, deixando Roraima no escuro.

As informações que a Embaixada do Brasil em Caracas enviou ao Ministério de Relações Exteriores, em novembro do ano passado, apontam que outros fatores podem estar por trás dos apagões, com o abandono de emprego por milhares de funcionários da estatal. "A situação do sistema elétrico na Venezuela é periclitante devido, principalmente, à péssima administração da estatal e à falta de investimentos e manutenção dos equipamentos", declara a embaixada, acrescentando que "os problemas com a evasão da mão de obra apenas contribuem para o agravamento do quadro".

A situação crítica da Corpoelec é detalhada pelas informações que a embaixada brasileira obteve com a Federação Nacional de Trabalhadores de Eletricidade (Fetraelec) da Venezuela. O órgão calcula que 20 mil empregados da estatal venezuelana teriam abandonado-a nos últimos dois anos. "O número de funcionários experientes e qualificados que deixaram o trabalho, nesse período, corresponde à metade do total de funcionários da estatal."

As informações são de que a estatal teria saído, desde agosto do ano passado, das negociações do contrato coletivo com os funcionários. "Os salários pagos neste país são baixíssimos e a isso se somaria o não cumprimento de obrigações trabalhistas", afirma a Fetraelec à embaixada brasileira.

Fim do acordo

O Ministério de Relações Exteriores informou estar atuando para que Corpoelec e Eletronorte mantenham o diálogo. Ao Estado, o Ministério de Minas e Energia afirmou que rompeu com o suprimento pela Venezuela e, há duas semanas, Roraima passou a ser atendida pela geração térmica brasileira. "Desde o início de março, quando foi interrompido o suprimento pela Venezuela, o sistema Boa Vista tem sido totalmente atendido pela geração térmica local", afirmou. O MME tem acompanhado a execução do Plano Emergencial e não foram registrados novos blecautes desde o dia 8 deste mês."