Em sua segunda participação em evento público desde que foi indicado para a presidência do Banco Central, o economista Roberto Campos Neto voltou a citar nesta quarta-feira, 13, a necessidade de aprofundamento das reformas estruturais no sistema financeiro, em continuidade à Agenda BC+. Com os índices de preços sob controle, girando em torno dos 4%, a questão da inflação ficou em segundo plano no discurso de Campos Neto, embora ele tenha citado - como era de se esperar - que manter o poder de compra da moeda é um dos objetivos da autarquia.
O fato é que Campos Neto assume o BC em situação completamente diferente da enfrentada por Ilan Goldfajn. As falas dos dois refletem isso. Em junho de 2016, em discurso na cerimônia de transmissão de cargo, Goldfajn pronunciou a palavra "inflação" por 17 vezes. Não foi sem motivo: na época, os índices de preços giravam na casa dos 9%.
Na tarde desta quarta, no evento de transmissão de cargo no BC, Campos Neto citou a palavra "inflação" apenas em sete oportunidades. Detalhe: em cinco delas, a menção foi feita no contexto de um resgate do histórico recente; apenas em duas citações, Campos Neto reforçou o objetivo de manter os preços controlados.
Como a inflação deixou de ser um problema de curto prazo, Campos Neto se concentrou, em seu discurso, nas mudanças estruturais que, em sua visão, ainda precisam ser feitas. "Com a Selic em seu mínimo histórico de 6,5% ao ano, por cerca de um ano, podemos perceber melhor algumas distorções e propor políticas que melhorem a eficiência de nossos mercados", pontuou.
Entre as mudanças estruturais, Campos Neto defendeu a autonomia do BC - cujo projeto está em tramitação no Congresso -, a necessidade de "continuar avançando na transparência da comunicação da política monetária" e a promoção de um "amplo processo de democratização financeira". "Até o presente, esse processo se focou na garantia de acesso a serviços de pagamento e ao mercado de crédito. Precisamos agora avançar em outras dimensões", disse.
Segundo ele, são quatro as dimensões nas quais o País precisa avançar: inclusão financeira, precificação adequada, transparência na formação de preços no mercado e educação financeira. "A literatura demonstra uma clara correlação positiva entre o tamanho do mercado de capitais e o PIB de uma economia", acrescentou.
Em sintonia com o pensamento liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, Campos Neto defendeu que a "intermediação financeira no Brasil tem de se libertar das amarras que a prendem ao governo". "O mercado precisa se libertar da necessidade de financiar o governo e se voltar para o financiamento ao empreendedorismo", disse. "Por todas essas razões, é necessário avançar nas mudanças que permitam o desenvolvimento de nosso mercado de capitais, garantindo o acesso a tomadores e investidores, brasileiros e estrangeiros, famílias e empresas, grandes e especialmente pequenos."
Reservas cambiais
Em seu discurso, Campos Neto também retomou uma ideia, presente em sua fala à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, no dia 26 de fevereiro: a de que o câmbio flutuante é um "importante pilar" na gestão de crises que o País tem enfrentado, servindo como "primeira linha de defesa". "Isso não impede, no entanto, intervenções para evitar disfuncionalidades nos mercados. Nesse aspecto, as reservas internacionais funcionam como uma garantia, um seguro", disse.
Campos Neto voltou a afirmar que este "seguro" teve custo zero nos últimos dez anos, "já que os custos de carregamento foram compensados pelos resultados da variação cambial". "Além disso, seu custo de carregamento está no mínimo histórico, devido ao baixo nível da Selic e à elevação da taxa americana. Qualquer decisão econômica deve sempre considerar custos e benefícios, e isto também se aplica à gestão de reservas", acrescentou.
Presente à cerimônia de transmissão de cargo no BC, o ministro da Economia, Paulo Guedes, comentou sobre a formação das reservas internacionais no Brasil. "No fim do governo militar, éramos financiados pela reciclagem dos petrodólares. Logo depois, tivemos uma sequência de crises cambiais. Tanto que hoje o País tem US$ 400 bilhões em reservas", afirmou em seu discurso, feito de improviso. "A China precisava de US$ 3 trilhões, porque não é confiável. Realmente, ela manipula moeda. No Brasil, só US$ 400 bilhões (de reservas) está bom. Se a história fosse diferente, talvez o País tivesse uma moeda que fosse uma espécie de euro da América Latina, talvez todos tivessem aderido à nossa moeda", disse.