Jornal Correio Braziliense

Economia

Guerra das maquininhas desafia gigante do setor: a Cielo

Queda no lucro da líder Cielo e pulverização do mercado prenunciam dificuldades para as empresas de meios eletrônicos de pagamento manterem seus balanços bilionários


São Paulo ; O semblante do executivo Paulo Caffarelli, que desde outubro é presidente da maior empresa de meios de pagamento do país, a Cielo, não esconde que há enormes desafios para o mercado de cartões de crédito. Sempre sorridente, o ex-presidente do Banco do Brasil demonstrou preocupação nesta semana, durante encontro com jornalistas para divulgação de resultados, em São Paulo.

Caffarelli afirmou que o lucro da companhia, depois de dois anos consecutivos de retração, só deve voltar a crescer em 2020. O ambiente de dificuldades e de incertezas contrasta com o clima de lua de mel que a empresa viveu durante quase dez anos, sem ser incomodada pelos concorrentes e ocupando as primeiras colocações no ranking das companhias com melhor desempenho na bolsa, o que era resultado de balanços financeiros consistentes.

Neste ano, no entanto, a empresa não deve alcançar o guidance (termo em inglês que define a projeção de resultado feita com grande antecipação por uma empresa) de R$ 2,3 bilhões a R$ 2,6 bilhões. ;Vamos perseguir esses números, mas será um grande desafio para nós;, afirmou Caffarelli, sem apresentar nenhuma nova projeção.

A liderança de mercado da Cielo tem gerado dois efeitos diretos na empresa. O primeiro, e mais negativo, é a perda de espaço. A Cielo responde, atualmente, por 45% do mercado brasileiro, fatia ainda substancial, mas que vem encolhendo com o passar do tempo. Há um ano, o percentual era de 50%.

;Quem tem mais para perder sempre está mais exposto às perdas de participação;, disse Filipe Martins, consultor da corretora Coin. ;Os desafios das Cielo estão no fato de que o mercado de meios eletrônicos de pagamento está em plena transformação, com as mudanças de regras do Banco Central e com a maior participação das fintechs;, afirmou o especialista.

O segundo efeito, neste caso visto como positivo em um ambiente de forte concorrência, é que a empresa tem mais poder de fogo, especialmente entre microempreendedores individuais e pequenas e médias empresas (PMEs), segmentos de forte crescimento no país, apesar da crise dos últimos anos. ;Se nós estivéssemos acomodados, poderíamos perder participação de mercado, mas estamos trabalhando pesado para defender nosso patamar e até elevá-lo, se possível;, garantiu Caffarelli.

De acordo com o executivo, mesmo que a Cielo encolha nos próximos meses, com uma ligeira deterioração dos resultados da companhia e achatamento das margens operacionais no curto prazo, a estratégia é reverter as perdas.

Estratégia


A empresa, na avaliação do executivo, tem condições de se manter na liderança no mercado de adquirência, mesmo com o acirramento da concorrência com o surgimento das fintechs e com o avanço da principal rival, a PagSeguro, do UOL. A tática para defender sua participação, no entanto, deve comprometer a rentabilidade. ;Entre margem e market share, estamos optando por market share neste momento;, garantiu Caffarelli.

Para isso, a Cielo reduziu seus custos, o que permitiu oferecer produtos e serviços mais competitivos. Além disso, a empresa recrutou mais de mil novos funcionários, permitindo uma ampliação de credenciamento de lojistas em 2,5 vezes. ;Quebramos o dogma de venda da máquina. A Stelo é nossa marca de combate;, destacou o presidente da Cielo.



Para Caffarelli, a atual situação de caixa da empresa é ;confortável;, o que pode dar à companhia mais munição para lançar produtos e serviços, além de possibilitar oportunidades de aquisições. ;Atualmente, não precisamos comprar nada para o nosso dia a dia, mas algumas aquisições, principalmente para transformação digital, podem fazer sentido;, acrescentou.

A situação da Cielo é emblemática, porque marca o início de uma transformação no setor de maquininhas e meios eletrônicos de pagamento. Nos últimos dois anos, com ou sem crise, o total de transações cresceu a taxas de dois dígitos.

Com o dinheiro de plástico, as operadoras e os bancos, especialmente os grandes, que respondem por cerca de 90% do total de cartões de crédito e débito emitidos no Brasil, garantiram a antecipação dos recebíveis da venda e a concessão de empréstimos, com taxas que podem chegar a 150% ao ano, considerando-se os juros e as tarifas fixas por transação. Com a chegada das fintechs, que possuem custos infinitamente menores, tudo mudou. Aparentemente, em definitivo.

Brasil encabeça uso de pagamentos eletrônicos

Os desafios para o setor de meios de pagamento são imensos, mas o potencial de geração de novos negócios é significativo no Brasil. Um estudo recente realizado pela consultoria Minsait, braço da gigante espanhola Indra, mostra que os consumidores brasileiros são os que mais usam cartão de crédito na América Latina. De acordo com a pesquisa, 81,6% dos consumidores usam frequentemente esse meio, índice consideravelmente superior ao de outros países na região, que ficam entre 60% e 70%.

Entre aqueles que não dispõem de cartão de crédito ou que apresentam baixa frequência de uso, foram testadas várias propostas que poderiam incentivar o pagamento com este meio. Espanhóis e portugueses voltam a ser os mais reticentes a incorporar este meio de pagamento: para 37,7% e 36%, respectivamente, nenhuma das iniciativas utilizadas incentivaria um maior uso.

Nos países latino-americanos, no entanto, essa porcentagem não supera 20%, à exceção do Chile. ;Nos países europeus, há um incentivo mais tangível em forma de descontos diretos em estabelecimentos, enquanto nos países latino-americanos é possível observar uma gama maior de oportunidades para estimular os usuários de cartão de crédito;, afirma a companhia, em relatório, ao analisar o cenário apresentado no estudo.

A companhia apresenta o Informe de Tendências de Meios de Pagamento 2018, que mostra as linhas futuras do mercado e a evolução em cifras da série histórica. O estudo foi realizado com a colaboração de Analistas Financeiros Internacionais (AFI) e contou com as opiniões de numerosos executivos do setor bancário e clientes bancarizados da Espanha, Portugal e América Latina.