Jornal Correio Braziliense

Economia

Roberto Macedo: 'O governo precisa estimular o setor privado a investir'

Para professor, agenda liberal e ajustes das contas públicas são essenciais para o país crescer


São Paulo ; O mineiro Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no início da década de 1990, é um dos analistas mais argutos da vida brasileira. Mestre e doutor em economia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e com pós-doutorado na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, além de professor visitante nas universidades de Kobe, no Japão, e Internacional da Flórida, nos Estados Unidos, Macedo construiu nos últimos anos uma imagem de independência que nem sempre é fácil encontrar no país.

Na entrevista a seguir, ele analisa os primeiros dias do presidente Jair Bolsonaro e aponta quais são os maiores desafios dos novos comandantes do país, empossados há menos de um mês. ;A comunicação do governo com a sociedade está particularmente desarticulada, em grande parte porque se assenta em informações contraditórias;, diz. O economista, porém, ressalta o compromisso de Bolsonaro com a agenda liberal e a preocupação com os ajustes das contas públicas, fatores considerados essenciais para a retomada do crescimento sustentável. ;É preciso fazer andar os programas de privatizações e obras de infraestrutura para colocar a economia em passo mais rápido;, alerta o especialista.

Macedo também sugere caminhos para um crescimento mais vigoroso nos próximos anos. ;O comércio internacional e o estímulo interno têm que caminhar juntos;, afirma. ;Mas esse estímulo tem que focar mais na poupança e no bom investimento que precisa ser feito dela.; Confira a entrevista completa a seguir.


Qual será o maior desafio do governo Bolsonaro?

O primeiro, sem o qual os outros desafios não serão superados, é colocar o time para trabalhar, e fazer de tudo para reduzir os conflitos. Alguns jogadores, que são os ministros e outros executivos, estão atuando como numa orquestra em que alguns músicos seguem as próprias partituras, sem se preocupar com o conjunto. Isso não pode acontecer. A comunicação do governo com a sociedade está particularmente desarticulada, em grande parte porque se assenta em informações contraditórias.

Em ordem de prioridade, quais são as reformas mais importantes a serem promovidas neste início de gestão?

A da Previdência, se robusta, pelo seu impacto num orçamento em que ela é o principal fator de desequilíbrio. Ao mesmo tempo, fazer andar os programas de privatizações e obras de infraestrutura e outras de construção civil, para colocar a economia em passo mais rápido, ajudar na geração de empregos e no aumento do PIB, o que também gera mais arrecadação tributária e ajuda nas contas públicas.

Como será possível equacionar o déficit fiscal e, ao mesmo tempo, cumprir as promessas de campanha de desoneração do etor produtivo e redução da carga tributária sobre pessoas físicas?

Além de questões fiscais como a da Previdência, como disse, é preciso tomar medidas para a economia andar mais rápido, pois isso geraria arrecadação adicional para acomodar desonerações e menor carga tributária. Isso vai tomar tempo, mas ele vai ter quatro anos para cumprir as promessas, o que não é pouco. Mas quanto mais rápido, melhor.

Qual é a sua expectativa em relação ao processo de privatizações arquitetado pela nova equipe econômica?

O processo está em boas mãos, as do empresário Salim Mattar, fundador da Localiza, que assumiu a secretaria do Ministério da Economia que cuidará do assunto. Ele não tem experiência na máquina pública, mas é ótimo gestor, aprende rápido e sabe cobrar. Tenho certeza de que o programa será bem-sucedido.

A perspectiva de ter um governo mais liberal pode judar a resolver os problemas do Brasil?

Esse é o caminho. Eu sou liberal na economia porque essa linha leva a um maior crescimento do PIB. Mas é preciso lembrar que o Brasil tem uma dívida social imensa. Qualquer governo precisa atacar as desigualdades sociais do Brasil.

O novo governo chegou ao poder com amplo apoio popular e deve ambém conquistar um grande apoio no Legislativo com a renovação o Congresso. Quanto tempo essa lua de mel vai durar?

Ainda não vi o casamento do Executivo com o Legislativo. Então, não acho que se pode falar de lua de mel. Na área política, esse é o principal problema, e os dois ainda estão no namoro, que até aqui nem sequer se firmou.

Qual a fórmula para o Brasil alcançar um crescimento sustentável, sem que enfrente novos ciclos de voos de galinha?

Vou responder com algo que resume os principais problemas que o Brasil enfrenta, e mostra como o governo vem prejudicando o PIB e daí vêm fórmulas para o Brasil voltar a crescer, de forma consistente. O economista Carlos Rocca, da Fipe-USP, segundo os últimos dados que vi dele, em números redondos, tem mostrado que as empresas e as famílias brasileiras poupam cerca de 20% do PIB, que não é uma taxa ruim, embora precisasse ser maior. Mas, desses 20%, cerca de 6% do PIB são emprestados ao governo, que, em lugar de poupar, usa esses 6% para financiar seus gastos correntes, como os da Previdência, e juros da sua enorme dívida, quase nada investindo em expansão da capacidade produtiva do país.

Qual é o reflexo desse processo?

Com isso, a taxa de investimento fica perto de 14% do PIB, que é baixíssima em termos internacionais e longe do suficiente para um crescimento sustentado. Países asiáticos que mostram as maiores taxas de crescimento do PIB investem perto de 30% dele. Na China, o índice é de aproximadamente 40%. No Brasil, essa é uma equação difícil de ajustar, e muitas fórmulas são necessárias para isso. Mas volto ao que já disse anteriormente, com alguns adendos. É preciso arrumar as contas do governo para que ele aumente também seus investimentos, e estimule o setor privado, de empresas e famílias, na mesma direção, para fazer o Brasil crescer mais e gerar mais recursos para a prestação de serviços públicos de que a população tanto carece.

O crescimento do Brasil nos próximos anos dependerá mais de suas estratégias voltadas às parcerias no comércio internacional ou passará pela volta da política de estímulo ao consumo interno?

O comércio internacional e o estímulo interno têm que caminhar juntos. Mas esse estímulo tem que focar mais na poupança e no bom investimento dela. O consumo, usando linguagem típica do mineiro Aureliano Chaves, viria por ;via de consequência;. Só assim será possível encontrar o caminho que leva à prosperidade.

Quais foram os principais erros cometidos pelos governos recentes do país que não podem ser repetidos pelo novo governo?

O ex-presidente Lula se vangloria da expansão do Bolsa-Família e de ter promovido o crescimento da economia, mas isso não foi coisa dele. Esse crescimento foi mais puxado pela China do que por Lula quando estava no governo. E Lula fez pouco pelo investimento, que é o que leva a um crescimento sustentado. Lula é mais chegado ao consumo, mas sem investimentos isso não funciona, e as famílias acabam se endividando muito, como estão hoje, e a coisa trava.

Sem o empurrão da China, como teria sido o Brasil nos anos Lula?

Acho que o partido que nesta década mais fez pelo Brasil foi o Partido Comunista Chinês, e nenhum dos nossos. O Xi Jinping, secretário-geral desse partido, deveria ser convidado a vir a Brasília para receber uma condecoração por seus méritos. Sem eles, e sem os chineses, o Brasil provavelmente não sairia do lugar.


Quais foram os principais erros cometidos pelo governo Dilma?

Todos. Dilma foi um completo desastre.


Que avaliação o senhor faz do governo Temer?

Temer deu uma arrumada para segurar as pontas, principalmente controlando a expansão dos gastos por emenda constitucional, mas também foi permissivo em alguns casos, como o do reajuste salarial de servidores, e perdeu a chance de entrar para a história se tivesse vetado o reajuste dos salários do Supremo Tribunal Federal. O ex-presidente Temer diz que tirou o país da recessão porque as taxas de crescimento do PIB trimestral passaram a positivas a partir de 2017. De fato, as taxas de crescimento do PIB trimestral passaram a ser positivas desde 2017, mas isso não foi suficiente. Naquele ano, o PIB cresceu apenas 1,1% e espera-se que em 2018 vai crescer outro mísero 1,3%. Isso é pouco, quase nada para um país como o Brasil, que tem enormes desafios pela frente e que precisa de crescimentos mais robustos para resolver seus problemas. Na verdade, os crescimentos tímidos de 2017 e 2018 não foram suficientes para compensar as perdas de 2015, com queda de 3,5% do PIB, e de 2016, que teve outro tombo de 3,3%. O que se pode dizer é que o Brasil voltou a crescer, saindo da recessão, mas permanece numa depressão, e agora rasteja vagarosamente rumo à superfície.