Para tentar escapar da prisão por descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), governadores articulam uma série de manobras para dizer que cumprirão a regra que exige, no fim do mandato, recursos em caixa para cobrir todas as despesas contratadas. O dispositivo foi criado para impedir que os sucessores no cargo encontrem uma situação de "terra arrasada", mas pode ser desrespeitado por 11 governadores ao fim de 2018, como mostrou o Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. As medidas propostas são vistas por técnicos do governo federal como "contabilidade criativa".
O caso mais gritante é o de Minas Gerais, onde o governador Fernando Pimentel (PT) encaminhou um projeto de lei para criar um fundo extraordinário abastecido por receitas que ainda não passam de mera expectativa. O texto diz ainda que, mesmo que o dinheiro ingresse só no futuro, o recurso poderá ser considerado disponibilidade financeira para cobrir despesas de 2018 e de exercícios anteriores (os chamados restos a pagar).
Na prática, Pimentel propõe que receitas futuras ainda incertas possam ser consideradas no caixa atual do governo do Estado para evitar que o mandato termine no vermelho. O Código Penal prevê pena de um a quatro anos para chefe de poder ou órgão que autorize despesa sem haver dinheiro em caixa.
A manobra é comparada por técnicos do governo federal às "pedaladas fiscais" que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Entre os recursos que podem "abastecer" o fundo extraordinário de Minas Gerais estão as compensações previstas na Lei Kandir pela desoneração do ICMS nas exportações e as receitas obtidas com a chamada securitização da dívida ativa (venda dos direitos de cobrança sobre os débitos). Mas o Congresso Nacional não aprovou até agora a regulamentação de nenhuma dessas medidas. No caso da Lei Kandir, o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda estuda metodologia de cálculo para a divisão dos recursos.
A oposição na Assembleia de Minas Gerais acusa Pimentel de apresentar o projeto apenas para se livrar da punição pelo descumprimento da LRF. "Esse fundo tem como único objetivo salvar a pele do governador, que vai descumprir o artigo 42 da LRF e pode ser preso", diz o líder da minoria na Casa, deputado Gustavo Valadares (PSDB). O projeto já foi aprovado em primeiro turno e ainda precisa ser apreciado em segundo turno.
Procurado, o governo de Minas Gerais não quis se manifestar. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) afirmou que pode se posicionar apenas depois de eventual aprovação e sanção do projeto. A assessoria do governador eleito Romeu Zema (Novo) disse que ele também só irá se manifestar após a conclusão da votação pela Assembleia mineira.
Mais manobras. Em Goiás, um decreto editado pelo governador José Eliton (PSDB) abre espaço para "pedalar" o salário dos servidores de dezembro deste ano para 2019. Como mostrou o Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, em novembro, a medida gerou protesto por parte do governador eleito, Ronaldo Caiado (DEM), que acusou a gestão atual de fazer "calote anunciado" de salários e transferir responsabilidades para o sucessor. À época, Eliton disse que vai pagar os salários em dia.
"O céu é o limite para os governadores, eles estão fazendo barbaridades para se livrar de punição", critica a economista Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e que tem acompanhado de perto a situação fiscal dos Estados. Segundo ela, há ainda casos de governadores que estão buscando antecipar receitas para tentar fechar as contas, seja por meio de parcelamentos especiais com descontos, seja com ofertas para o pagamento antecipado de tributos que vencem em 2019 e que caberiam à próxima gestão.
Prefeituras reclamam que alguns Estados têm atrasado os repasses do ICMS que cabem aos municípios. Outro subterfúgio que pode ser usado pelos governadores é o cancelamento de empenhos de despesas. O empenho é a primeira fase do gasto, em que o gestor público se compromete com aquela despesa. De acordo com técnicos do governo, esse cancelamento aliviaria o caixa, mas seria uma "fraude" porque geralmente o serviço já foi entregue e o compromisso continua existindo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.