Jornal Correio Braziliense

Economia

Jayme Nicolato: 'O Brasil precisava de um choque de liberalismo'

Considerado um dos principais executivos brasileiros do mercado da produção mineral, Nicolato tem sob sua responsabilidade o comando da Mineradora Ferrous Resources


São Paulo ; Considerado um dos principais executivos brasileiros do mercado da produção mineral, Jayme Nicolato tem sob sua responsabilidade o comando da Mineradora Ferrous Resources, com sede em Belo Horizonte e operações no Espírito Santo e na Bahia. A empresa vai fechar o ano com faturamento de R$ 500 milhões e crescimento de expressivos 30% sobre 2017. Nos últimos 25 anos, Nicolato acumulou experiência com passagens também pela CSN, Vale e VLI, gigantes que são referência em seus setores de atuação. Atualmente, segundo ele, sua missão está focada no aumento da rentabilidade e na venda de minério de ferro de melhor qualidade, sem se preocupar apenas com volume. Mas não são apenas as perspectivas para a sua empresa que animam Nicolato. Ele afirma estar otimista com a possível redução do Estado a partir de 2019, com a posse de um governo mais liberal. ;O Brasil precisava desse choque, de mais liberalismo;, diz o executivo. ;O governo deve parar de interferir na vida do cidadão.; Acompanhe a seguir os principais trechos de sua entrevista.




Como 2018 será lembrado?
Como um ano de grandes desafios e obstáculos. Apesar das tentativas, o Brasil não conseguiu acabar com os seus principais problemas, principalmente a burocracia. Existe em todos os níveis, tanto no federal quanto no estadual e no municipal, um desincentivo para que o funcionário público exerça seu trabalho.

Há falta de incentivo ou falta de cobrança?
Falta de incentivo. E existe uma total falta de proteção ao agente público. Recentemente, até houve tentativas para alterar o direito administrativo, na questão relativa à penalização do agente público em decisões ou opiniões técnicas somente em caso de dolo ou erro grosseiro, mas isso não foi pra frente. Então, a vida do agente público continua muito perigosa. Ele não tem incentivo em fazer com que a máquina rode. Qualquer decisão que ele tome acaba retornando para a pessoa física e coloca o patrimônio pessoal e a liberdade dele em risco. Desse modo, o funcionário público é incentivado a não tomar decisões. Isso tem impactado severamente nosso crescimento. Infelizmente, nós sofremos dessa paralisia.

Mas a improdutividade do funcionalismo público é um problema crônico, não um fenômeno recente.

Exatamente porque falta um incentivo para a produtividade, além da ausência de uma proteção legal, como mencionei. Qualquer assinatura dele pode ser questionada e ele pode responder a um processo criminal por estar tomando uma decisão que não foi bem compreendida por um órgão de controle. Então, o servidor público é incentivado a não decidir, algo completamente diferente de um empregado de empresa privada. Isso faz com que o país esteja parado. O Brasil está travado pelo imobilismo.

O senhor acredita que o Brasil vai destravar a partir de agora? O que precisa ser feito para isso acontecer?
A primeira coisa é dar andamento às reformas. Todos estão cansados de saber sobre o deficit da Previdência. Só no setor público, fala-se em R$ 200 bilhões ao ano. A reforma precisa ser feita no setor tributário também. Atualmente, as empresas têm departamentos tributários maiores do que as áreas de planejamento e desenvolvimento financeiro. Isso gera um custo exagerado e um risco grande, porque as leis são supercomplicadas. Por mais que se esforce, tem sempre algo que acaba impactando a empresa, colocando em risco o negócio.

Só as reformas já serão suficientes?
Além de aprovar todas as reformas, o próximo passo será a execução.

A fragilidade da atividade do funcionário público afeta alguns setores mais do que outros?
Acho que afeta todos. O meu setor, o de mineração, é muito dependente de financiamento e de aprovações. Esse imobilismo faz com que o Brasil fique para trás. Só para dar uma ideia, nossas exportações de minério de ferro passaram de 300 milhões de toneladas para 400 milhões de toneladas ao ano nos últimos 18 anos. Já a Austrália passou de 250 milhões para 800 milhões anualmente, nesse mesmo período. Enquanto crescemos 30%, a Austrália cresceu 330%. Aí, se vê a desproporção do crescimento brasileiro.

Por que isso acontece?
Aqui, temos de passar por muitas portas para conseguir uma autorização, uma palavra final. Temos de depender da boa vontade de muitos órgãos e isso gera incerteza na tomada de decisão. O prazo mínimo para se conseguir uma licença de projeto chega a sete anos. Na Austrália, o prazo máximo é de três anos. Lá, enquanto está se desenvolvendo um projeto, há uma plena certeza de que em até três anos ele entrará em operação. Na China, uma usina siderúrgica sai do zero até o início da operação em 18 meses. A última que vimos ficar pronta no Brasil, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), da Thyssen, demorou 10 anos para começar a funcionar. Essa demora é, para todas as empresas, um custo absurdo.

O senhor está otimista com o cenário de um governo mais liberal?
Muito otimista. O Brasil precisava desse choque, de um liberalismo. O Estado tem de parar de intervir na vida do cidadão de maneira exagerada e focar só naquilo que é necessário. Com isso, irá destravar o ambiente de negócios. O Brasil tem um potencial muito grande, que fica inexplorado por conta de tudo isso. As reformas que vão ser feitas terão um foco diferente na relação entre o governo e os empreendedores. O Brasil nunca conseguiu crescimento realmente sólido. Sempre viveu voos de galinha. Isso porque o país não tem bases sólidas para crescer, como baixo endividamento e Estado enxuto.

Qual será o maior desafio do próximo governo?
Sem dúvida, será a aprovação das reformas. Tanto as reformas da Previdência e tributária quanto a criação de arcabouço jurídico para a proteção do funcionário público. Hoje, o funcionário público sabe que o melhor a fazer é não tomar nenhuma decisão. Isso precisa mudar.

Há projetos seus que estavam engavetados e que serão executados em 2019?
No caso do nosso setor, os projetos são de longo prazo. Nos últimos anos, temos mudado nosso conceito, seguindo o que a Vale fez e chamou de flight to quality, que é voo para a qualidade, em português. Em vez de trabalhar para apenas aumentar seu volume de exportação, passou a agregar valor ao seu minério, mais rico e valioso. Também estamos investindo primeiramente na melhoria da qualidade do nosso minério. Passamos a oferecer um produto premium, como o da Vale. E agora vamos expandir a planta para dobrar a produção nesse estágio, com foco em aumento de qualidade e sustentabilidade.

Qual será o investimento?
Existem números que ainda não foram aprovados pelo Conselho. Então, prefiro não falar agora.

Qual foi a sua produção neste ano?
Vamos fechar o ano com 4 milhões de toneladas. Mas nosso crescimento não está no volume, está no aumento da receita. Por vender um minério de melhor qualidade, vamos superar a marca de R$ 500 milhões em receita, crescimento de 30%.

Esse ambiente de paralisia é o que explica a demora da Samarco em voltar à atividade?
Sim. O imobilismo é uma das causas escondidas do problema da Samarco. É uma causa fundamental para ela voltar a operar. A insegurança gerada pelo modelo não motiva ninguém a assinar a volta do retorno dela. Se fosse em qualquer outro país, empresas de qualidade internacional como a Vale e a BHP Billiton (sócias da Samarco) seriam recebidas com tapete vermelho se dissessem que têm interesse em investir, gerar empresa e renda. Já o Brasil, por outro lado, fica parado.