São Paulo ; A cidade gaúcha de Gravataí teve um motivo a mais para comemorar o feriado prolongado. Uma das maiores empresas com atuação no município, a Fitesa, fabricante de material descartável para produtos higiênicos e médicos, conquistou pela terceira vez o título de companhia brasileira mais internacionalizada, de acordo com ranking ;Trajetórias de Internacionalização das Empresas Brasileiras 2018;, elaborado todo ano pela Fundação Dom Cabral.
;Estamos orgulhosos desta conquista e continuaremos expandindo nossa presença internacional para estarmos sempre próximos aos nossos clientes;, diz Raymond Dunleavy, diretor de marketing global da Fitesa, fundada em 1973. ;Tivemos a oportunidade de participar por várias etapas da internacionalização, começando com uma joint venture;, lembra Sandro Nogueira, outro executivo da área internacional da Fitesa.
O orgulho tem razão de ser. A empresa se tornou referência como companhia que tem diversificado, com desenvoltura, suas fontes de receita. A primeira unidade no exterior foi inaugurada, em 1991, nos Estados Unidos, ano em que o Brasil, por coincidência, enfrentava turbulências na economia durante o governo de Fernando Collor de Mello.
Naquele ano, a Fitesa havia comprado a divisão de itens higiênicos da americana Fiberweb. Desde então, avançou nos mercados da Europa, China e América do Norte. Entre 2012 e 2014, investiu em novas fábricas no Peru, China e no México. ;Em tempos de crise interna, as empresas buscam alternativas lá fora, mas essa busca precisa ser constante;, afirma o economista Jair Borges, especializado em processos de internacionalização. A segunda colocada do ranking da Fundação Dom Cabral é a Odebrecht (construtora envolvida na Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, seguida da InterCement, CZM e Stefanini (veja o quadro).
Na pesquisa que classifica as empresas com maior grau de internacionalização, estão mais expostas as dificuldades e, no contraponto, os avanços das companhias nacionais pelo mundo. Além do ranking, o levantamento mostra o potencial de cada uma lá fora.
Das 69 empresas avaliadas, 50 atuam em diferentes países por meio de subsidiárias próprias. Pelo menos 80% delas tiveram o planejamento afetado neste ano. Já 71% das empresas pesquisadas estão ampliando suas operações no exterior para diminuir os riscos enfrentados no mercado brasileiro.
Uma das inovações da edição deste ano do estudo foi a avaliação do potencial de expansão de cada empresa. Na média, elas aportam 37% dos investimentos anuais para internacionalização. Segundo a professora Lívia Barakat, coordenadora do Núcleo de Estratégia e Negócios Internacionais da FDC, 45% das empresas reconhecem que há barreiras a superar.
;Além da crise doméstica, falta mais clareza nas regras das exportações;, diz a especialista. ;Não há uma política definida, nem o necessário incentivo do governo. As nossas empresas querem segurança no exterior. É uma das alternativas para que se fortaleçam nas finanças e na estrutura empresarial. A saída é o cenário internacional.; O estudo traz resultados interessantes. Só 5% dos funcionários estão envolvidos no processo de internacionalização e as organizações usam apenas 17% do portfólio no atendimento das necessidades e demandas estrangeiras.
Outro levantamento da Fundação Dom Cabral, divulgado anteriormente, aponta que 8,5 mil empresas brasileiras de médio porte já operam no exterior. A busca por novas oportunidades comerciais é resultado também da crise econômica no Brasil e dos entraves que impedem a melhoria do ambiente de negócios do país.
Subsidiárias
Como se não bastasse a crise econômica nos últimos tempos, a instabilidade política levou as empresas brasileiras a buscar negócios no exterior. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que o número de subsidiárias (operações no exterior ligadas a companhias nacionais) cresceu 47% entre 2015 e este ano ; tendo alcançando 1.740 organizações. A estratégia é direcionada para todos os segmentos ; de indústrias químicas a grifes de moda, restaurantes e academias.Segundo o estudo, realizado por Maria Tereza Fleury, diretora e professora em Estratégia Internacional da Escola de Administração de São Paulo da FGV, os principais destinos são Portugal, França, Estados Unidos e Argentina. A pesquisadora se baseou nas 180 companhias que já operavam lá fora, mas destaca que a listagem das empresas internacionalizadas é maior.
Cinco perguntas para
Lívia Barakat: "O futuro é promissor"
Lívia Barakat, pesquisadora do Núcleo de Estratégia e Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, analisa os resultados do estudo sobre o grau de internacionalização das empresas e fala das perspectivas para aquelas com operações internacionais.
Como interpreta os avanços das empresas brasileiras no cenário internacional?
A crise econômica aqui instalada é um dos principais motivos. É o que poderia explicar o fenômeno. Também cito a recessão, a burocracia, o câmbio desfavorável e as incertezas internas. Então, elas procuram descobrir novos mercados e, de um modo geral, alcançam os objetivos.
A complexa legislação brasileira é um problema?
Além da crise doméstica, falta mais clareza nas regras das exportações. Não há uma política definida nem o necessário incentivo do governo. Aí as nossas empresas querem segurança no exterior. É uma das alternativas para que se fortaleçam nas finanças e na estrutura empresarial. A saída é o cenário internacional.
Quais os primeiros obstáculos a superar?
É a pesada concorrência imposta pelas maiores empresas mundiais que oferecem produtos diversificados aos compradores. As exportações impõem, sem nenhuma dúvida, muita competitividade. Caso contrário, não há como enfrentar uma briga desproporcional. Nossa pesquisa constatou, ainda, que grande parte das empresas não está preparada para concorrer no mercado internacional. É preciso recorrer ao senso organizacional bem-adequado e a uma gestão moderna. É o único jeito de corresponder às exigências internacionais. É assim que poderão competir e atrair novos clientes lá no exterior.
Há erros cometidos internamente...
Sim. Refiro-me àquelas que só mantêm 5% do total de funcionários inseridos no processo (de internacionalização). Além disso, há quem use apenas 17% do portfólio da empresa no atendimento das necessidades da clientela. O lado positivo é que a grande maioria (71%) sabe como agir e coloca em prática os melhores expedientes na hora das exportações.
Quais são as perspectivas nas exportações?
A perspectiva é de crescimento das empresas que ainda pretendem apostar no mercado internacional. Os crescentes números estão aí e sinalizam para um futuro promissor. Acredito que o ranking vai subir nos próximos anos. Afinal, o presidente eleito (Jair Bolsonaro) promete incentivar e simplificar as exportações. Vamos aguardar para ver o que ocorrerá. Sou otimista. (NC)