A estratégia do governo de tentar aprovar, esta semana, a polêmica Medida Provisória 844/2018, que modifica o marco legal do saneamento para facilitar a prestação do serviço por empresas privadas não venceu a queda de braço com entidades ambientais, governadores e a oposição. O Executivo tem pressa porque a MP caduca em 19 de novembro, se não for votada pela Câmara dos Deputados.
Em pauta na sessão extraordinária da segunda-feira, a MP sofreu obstrução e a votação foi adiada após acordo entre a liderança do governo e a oposição para ampliar negociações com o Ministério das Cidades. Ontem, a governadora eleita do Rio Grande do Norte, senadora Fátima Bezerra (PT-RN), leu, no plenário do Congresso Nacional, uma carta assinada por 24 governadores atuais e eleitos preocupados com o relatório aprovado pela comissão mista da Casa.
Segundo a carta, a MP pode agravar a desigualdade e a desestruturação do setor. Para Fátima, não houve diálogo por parte do Congresso com os governos estaduais durante a edição ou na análise da proposta. ;No Brasil, mais de 80% dos investimentos em saneamento são das empresas estaduais e isso não pode ser desprezado. Não pode ser diminuído. Pelo contrário, precisa ser estimulado com a maior participação do capital privado;, afirmou.
Para a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), a não votação da MP 844 condena 100 milhões de brasileiros a permanecerem sem acesso aos serviços de saneamento básico. ;A principal crítica é que a MP objetiva a privatização dos serviços de água, quando mais da metade dos brasileiros não têm sequer os serviços de coleta de esgoto. É alegar que a MP vai piorar um cenário que já está catastrófico;, argumentou o diretor de relações institucionais da entidade, Percy Soares Neto.
Na opinião de Tatiana Santana, vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental do Distrito Federal e integrante do Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama- DF), a população que já não tem acesso será ainda mais cerceada do direito à água e ao esgotamento sanitário. ;Será obrigada a pagar tarifas mais altas. A MP vai ampliar a desigualdade social por conta do fim do subsídio cruzado que mantém a prestação dos serviços de saneamento nos municípios com menor arrecadação;, defendeu.
Modelo
Percy Soares Neto explicou que a medida aumenta a participação privada no setor. ;Hoje, já temos empresas privadas que trabalham em conjunto com as estatais. Avançamos muito em água, apesar das perdas de 40%, mas muito pouco em esgoto;, destacou. Conforme ele, o setor privado está presente em 6% dos municípios e investe 20% do total. ;Dependendo do modelo regulatório, poderá investir R$ 20 bilhões por ano;, disse.
O especialista Fabrício Dantas, sócio de Vinhas e Redenschi Advogados, explicou que saneamento exige altos investimentos. ;O setor privado não tem como investir sem segurança jurídica e o público não tem dinheiro;, afirmou. De acordo com a Constituição, o serviço cabe aos municípios, mas muitos não têm capacidade de ter companhia própria pela baixa demanda.
Saneamento é um monopólio natural, porque não há necessidade de duas redes de água ou esgoto, assinalou Dantas. ;Porém, o Estado não tem capilaridade para levar serviços às regiões que realmente precisam. As empresas ganham dinheiro nos grandes centros, mas não nos municípios pequenos. A MP tenta dar atratividade para o investimento privado suprir a lacuna;, ressaltou.
Segundo o diretor da Abcon, 58% dos municípios onde a iniciativa privada participa têm menos de 20 mil habitantes e 72% têm menos 50 mil habitantes. ;Pelo relatório, os municípios que se associarem terão incentivo. O mercado cria alternativas. Ninguém quer perder um contrato. A resistência é corporativa;, criticou.
Colaborou Ingrid Soares