Vera Batista
postado em 10/11/2018 07:00
Servidores civis do Poder Executivo Federal se preparam para pressionar o futuro governo por novos reajustes salariais. Eles tomaram a iniciativa de generais das Forças Armadas de pedir ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, reajuste de 23%, em troca das mudanças que o governo pretende fazer na Previdência, como parâmetro para pleitear a correção das suas próprias remunerações. ;Em 2016, segundo o Boletim Estatístico de Pessoal (BEP), do Ministério do Planejamento, os militares custaram R$ 57 bilhões ao Tesouro. Estimados 23% desse valor, o impacto financeiro seria de R$ 13 bilhões. Atualizados os R$ 57 bilhões, considerados os aumentos de 2017 e de 2018, o reajuste custaria para a União cerca de R$ 15 bilhões;, estimou Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate).
Em 2016, a maioria das categorias do topo da pirâmide do Executivo civil assinou acordo com a ex-presidente Dilma Rousseff, mantido pelo sucessor, Michel Temer, para um aumento salarial de 27,9%, em quatro parcelas, até 2019. No mesmo período, os militares receberam correções diferenciadas, de acordo com a patente, de 24,24% a 48,91%. O soldo dos generais, almirantes e brigadeiros saltou de R$ 11.800 para R$ 14.031 ; sem contar as gratificações, que variam com o grau de qualificação, de 12% a 150% do vencimento básico. Pelos dados do Planejamento, as despesas com os militares (ativos, da reserva, reformados e pensionistas) equivaliam a 22,4% de todo o gasto com salários.
Um eventual aceno positivo do presidente eleito aos pleitos da caserna seria imediatamente entendido, na análise de Rudinei Marques, como um incentivo para o funcionalismo. Principalmente para o chamado carreirão, que recebeu 10,8%%, em duas parcelas (2016 e em 2017), sem previsão de novas correções em 2018 e 2019.
Campanha
Os 23% também devem se transformar no ponto de partida das carreiras de Estado, para a campanha salarial de 2020. ;Os generais estão certíssimos. Nós vamos também enviar ofício ao governo solicitando reposição inflacionária, seguindo o exemplo deles e dos membros do Judiciário, que receberam mais 16,38% nos contracheques;, afirmou Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef, que representa 80% do funcionalismo).
;É importante destacar que R$ 15 bilhões são quase três vezes o impacto do tão criticado aumento do Judiciário, de R$ 6 bilhões anuais. Ou seja, está provado que o cofre abre se houver conveniência. Nós, da classe dos barnabés, vamos dialogar e reivindicar os nossos direitos, dessa vez com argumentos sólidos e sucesso usados por outras carreiras;, afirmou Silva. Para recompor as perdas salariais, a Condsef quer reajuste de 24% em 2020. ;A pressão agora vai ser maior. Vamos observar com lupa as negociações;, reforçou.
Os militares, segundo fontes do governo, não tiraram os 23% da cartola. Fizeram uma troca. Aprovariam as mudanças na Previdência das Forças Armadas desde que, no mesmo projeto, conste uma cláusula de aumento dos ganhos mensais do generalato. Na proposta apresentada a Bolsonaro e seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, admitem ampliação do prazo de permanência (e de contribuição) dos militares na ativa, de 30 para 35 anos; idade mínima para aposentadoria de 55 anos para homens e mulheres; e desconto previdenciário para cabos, soldados, alunos das escolas de formação e pensionistas.
Dilema
O funcionalismo está ansioso para saber como o próximo presidente vai equacionar esse dilema, no pouco tempo que resta até 31 de dezembro de 2018. ;Primeiramente, o presidente vai ter que agradar aos generais, sem perder de vista a Emenda Constitucional (EC 95) que estabeleceu o teto de despesas. O segundo passo será incluir esse possível aumento de gastos no Orçamento de 2019, já entregue ao Congresso, e que precisa ser aprovado até o fim do ano. E, depois, explicar como vai remanejar as verbas, indicando a fonte de recursos para o reajuste;, alertou Rudinei Marques.
Roberto Luis Troster, economista da Universidade de São Paulo, previu um quadro sombrio para a economia do país, com aumento da dívida pública e dos índices de desemprego. ;Será um tiro no pé do crescimento. Antes de qualquer reparo nas perdas salariais, temos que repor os empregos. Tomara que isso não passe de um gesto sem muita consequência e que o projeto seja engavetado. Do contrário, o deficit nas contas públicos de R$ 139 bilhões vai aumentar;, afirmou Troster. No entender de Nelson Marconi, professor de macroeconomia e finanças públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), não há dúvida de que haverá uma enxurrada de pedidos de aumento salarial em 2019. ;Essa é a lógica. As categorias de servidores, agora mais motivadas, vão se preparar para anos sem aumento, o que parece ser a orientação da nova equipe econômica.;
As contas do próximo governo vão começar pressionadas pelos R$ 6 bilhões do Judiciário e infladas pelos R$ 15 bilhões dos militares, assinalou Marconi. ;Dificilmente, o futuro presidente vai segurar os militares, que o apoiaram;, destacou. Para a economia, o efeito ;será péssimo;, mas, do ponto de vista político, pode ser um alento. ;A responsabilidade, tanto do aumento do pessoal do Judiciário, com perigoso efeito-cascata nos estados, quanto dos militares, que também vai se espalhar de cima para baixo, pode ser transferida para o atual governo. Bolsonaro poderá, então, dizer no futuro que foi rigoroso e não cedeu às pressões;, apontou Marconi.