Jornal Correio Braziliense

Economia

'O caminho das reformas é inevitável', avalia presidente da EDP Brasil

Miguel Setas aposta em impulso para a economia a partir da privatização da Eletrobras


São Paulo ; A vitória de Jair Bolsonaro nas urnas coloca um ponto final no período eleitoral turbulento que atrasou a retomada dos investimentos e afetou o avanço mais consistente da economia brasileira. E mais: a perspectiva de um novo governo abre caminho para que o país possa ter crescimento sustentável nos próximos anos. É o que afirma o português Miguel Setas, presidente da EDP Brasil, uma das maiores empresas privadas do setor elétrico do país. Nos seis primeiros meses de 2018, a receita líquida da companhia chegou a R$ 6,090 bilhões, um salto expressivo de 24,7% ante o mesmo período do ano passado. Setas avalia que a agenda reformista iniciada pelo governo Michel Temer precisa ser mantida e usa o exemplo de Portugal, seu país natal, para mostrar que é possível superar graves crises a partir do zelo com as contas públicas.

O Brasil passou em 2018 por um processo eleitoral turbulento e cheio de incertezas. O que a empresa espera para os próximos anos?

A EDP está no Brasil há 23 anos, e o setor elétrico aqui é um setor regulado. Então, em todo esse tempo, nós mantivemos a perspectiva de olhar para o horizonte e fazer investimentos a longo prazo, para eles serem rentabilizados e consumados em 10, 20, 30 anos. Portanto, olhamos para este momento do país, que obviamente foi muito sensível, mas sempre com uma expectativa positiva.

De que forma o novo presidente pode atuar para melhorar o ambiente de negócios no país?

Nós vimos nos últimos anos uma estabilização do quadro macroeconômico. Você tem hoje a inflação dentro da meta do Banco Central, taxas de juros bem baixas e investimentos econômicos que já vêm dando sinais de recuperação. Esse quadro é muito favorável. Então, a preservação desse cenário é fundamental para que o país continue sua trajetória.

E qual deve ser a postura do governo a partir de 2019?

Precisa ter uma agenda de reformas estruturantes, como a da Previdência. Nossa expectativa é que o novo presidente venha com essa visão, de continuar o processo que o atual governo já começou a endereçar. Vimos, por exemplo, a questão da reforma trabalhista, que foi uma evolução muito positiva. Por isso, o país clama por essas reformas. Esse caminho é inevitável.

O mercado deve agir rapidamente à manutenção dessa agenda?

Sim. Acredito muito na forma em como o mercado responde aos desafios da economia. O empresariado brasileiro tem competência, dispõe de recursos e uma visão que, certamente, ajudará o Brasil a projetar-se na próxima década.

O Brasil passou por uma grave crise entre 2015 e 2016. Acredita que o país saiu mais fortalecido desse período de recessão?

Eu sou português, então o que vejo no Brasil em termos de capacidade de reação em uma crise é bem diferente daquilo que se passa em um país europeu. O Brasil consegue rapidamente inverter um ciclo recessivo. Em momentos em que a capacidade instalada está ociosa, essa inversão acaba por ser instantânea, porque a capacidade está lá, basta um estímulo para ser utilizada pelo setor produtivo. Hoje, já estamos em um ciclo claramente de inversão dessa crise. Os números mostram isso. Acho que a consolidação do cenário econômico pós-eleição vai trazer as condições para que essa recuperação seja estabilizada e o país possa ter um 2019 mais consistente.

Portugal também passou por uma profunda crise econômica e hoje é exemplo de crescimento sustentável e de inovação. Como o país conseguiu virar o jogo?

Não há uma única explicação para essa recuperação. O país começou por fazer um dever de casa, com medidas de austeridade. Era um momento em que a dívida pública era expressiva e os gastos do governo precisavam ser contidos. Foi preciso dar uma racionalidade econômica. Esse momento permitiu equilibrar as contas, colocar ordem na casa e, a partir daí, iniciar um ciclo de crescimento que passa por setores concretos.

O que faz Portugal ter hoje um crescimento sustentável?

O turismo, como sabemos, é um setor que alavanca o crescimento do país. A inovação também. Lisboa, em particular, tornou-se um hub de startups, que trazem ao país mais talentos e novos investimentos. Isso ajudou muito a alavancar a economia portuguesa. Houve uma conjugação de vários fatores, que começou com um dever de casa, uma reorganização econômica e culminou no crescimento.

O que Portugal fez que poderia ser replicado no Brasil?

É importante não deixar a visão reformista que foi abordada pelo governo Michel Temer. Essas reformas já iniciadas são cruciais para criar o ambiente certo para que o crescimento esteja pavimentado.

Você está no Brasil desde 2008. O olhar estrangeiro é mais otimista do que o do empresário brasileiro?

Como estrangeiro, naturalmente olho para o que se passa no Brasil com um pouco mais de distanciamento que meus amigos nativos. Então, ao longo desses anos aqui, aprendi a não ficar tão entusiasmado com os momentos de otimismo nem tão deprimido com os momentos de pessimismo. Tenho uma visão mais estável. Acho que o país tem capacidade para ser uma grande potência. Por sua dimensão geográfica, demográfica e recursos naturais, o Brasil não tem como não ser uma grande potência mundial.

No setor elétrico, uma das principais discussões é sobre a privatização da Eletrobras, que está em tramitação no Congresso. Você acredita que esse processo pode ser finalizado ainda em 2018?

Vai depender, naturalmente, do ambiente político e econômico. É um calendário desafiador. Temos acompanhado com muita atenção todo esse processo, com as primeiras distribuidoras do grupo que já foram privatizadas. Creio que foi um passo muito significativo que o Wilson Ferreira Júnior (presidente da estatal) conseguiu realizar. Acho que a empresa vai se concentrar nesse momento na venda das distribuidoras, e depois há todo um conjunto de veículos específicos na área de transmissão e na área de geração eólica. São empresas nas quais a Eletrobras tendencialmente é minoritária e quer vender suas participações. Há um calendário, que começou com a distribuição, agora vai para a transmissão e geração eólica, e que no final, culminará com a privatização do grupo como um todo.

O que a privatização da Eletrobras deve representar para o mercado?

Em primeira mão, ela vem endereçar uma questão de sustentabilidade econômica do maior grupo elétrico brasileiro. Não podemos esquecer que a maior parte da transmissão ainda está nas mãos da Eletrobras, que grande parte da geração ainda é pública e pertence às empresas do grupo. A distribuição, como vimos, está sendo privatizada. Mas o grupo Eletrobras tem uma importância extrema daquilo que é o setor. Portanto, essa privatização vem resolver uma questão de sustentabilidade econômica e trazer sinais de eficiência para o setor como um todo.

Falando sobre inovação.A EDP recentemente inaugurou pontos para recarga de carros elétricos na Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro. Quando esses veículos devem ser populares nas ruas do país?

O carro elétrico é uma tendência inexorável no mundo todo e nós, com esse projeto de construir um corredor elétrico, estamos trazendo esse conceito para o Brasil e chamando a atenção para a importância dessa nova tecnologia. Hoje, temos 3,5 mil veículos no país, que ainda é uma frota muito limitada. Temos uma estimativa de multiplicar por 100 e chegar aos 350 mil veículos nos próximos 10 a 15 anos.

Então ainda será um processo lento...

Talvez com um avanço mais rápido em frotas de empresas, no transporte público, em companhias de táxi e em iniciativas de compartilhamento de automóveis, o processo seja acelerado um pouco mais. Há um conjunto de entidades e clientes que já tem um potencial muito grande. Nós estamos sendo demandados por grandes corporações que querem transformar suas frotas em verdes e querem fazer investimentos em energia solar e no carro elétrico. Querem instalar energia solar nas suas sedes e, associado a isso, abastecer o carro elétrico com energia solar. É um mercado que terá um desenvolvimento rápido, mas vai precisar ganhar mais massa critica no longo prazo.
Miguel Setas: O caminho das reformas é inevitável

Em termos de infraestrutura, o Brasil está preparado?

Temos de considerar várias situações para o desenvolvimento da infraestrutura. Se o mercado prioritário for o desenvolvimento das frotas das empresas privadas, é preciso que existam pontos de recarga rápida nas instalações dos clientes. O primeiro desafio vai ser dotar esses polos, essas áreas onde vai ser necessário fazer o carregamento. Depois é preciso que as empresas de distribuição também adéquem suas próprias redes, já que elas vão ter uma demanda maior nesses pontos. Julgo que vamos ter tempo para ir, gradualmente, preparando nossa infraestrutura.