Presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antonio França tem se dedicado nos últimos meses a apresentar dados sobre a situação do setor para mostrar como a habitação pode ter um papel relevante na recuperação do crescimento econômico do país, por meio da geração de empregos e de aumento da massa salarial.
Outro papel protagonista do setor tem a ver com o seu propósito: garantir moradia para a população. Estudo elaborado pela Fundação Getulio Vargas para a Abrainc aponta para um deficit habitacional de 7.770.227 moradias ; recorde da série histórica, iniciada em 2007. Desse total, 967.270 habitações são classificadas como precárias (improvisadas ou rústicas). A maior concentração está no imóvel alugado (42,3%), seguida pela coabitação familiar (41,3%).
Quem mais sente o problema da falta de moradia são as faixas de renda de até um salário mínimo e de um a três salários, que concentram 91,7% do deficit total ; 7,1 milhões de unidades, conforme o estudo da FGV.
Com o novo governo, França acredita que haverá uma preocupação em criar um ambiente atraente para que os investimentos represados voltem a ser feitos no setor. Mas ele alerta que o ponto de partida para essa retomada deve ser a melhoria da segurança jurídica no país. Um dos problemas apontados pelo representante das incorporadoras é o aumento dos distratos. O projeto para regulamentar a quebra de contrato de aquisição de um imóvel já passou pela Câmara dos Deputados, mas ainda aguarda votação no Senado.
Há uma semana, você teve um encontro com o então candidato, agora presidente eleito. Qual foi sua impressão?
Na oportunidade, minhas impressões foram muito positivas. Fiquei impressionado com a maneira objetiva com que ele trata todos os pontos de melhoria da economia brasileira e também sobre pontos importantes para o país, como segurança e saúde. Ele se mostrou uma pessoa com um raciocínio muito rápido e com uma capacidade fantástica de ouvir os problemas que foram levados a ele. A conversa foi muito produtiva, muito amigável e objetiva. Os pontos que levamos a ele são os mesmos da sua agenda.
Essa foi a primeira aproximação entre a associação e a equipe de Bolsonaro?
A Abrainc já vinha conversando com parte da equipe econômica, disponibilizando dados, sempre de terceiros, de fontes renomadas, como FGV e Fipe, para ajudar a equipe econômica na construção da visão estratégica do mercado de habitação no Brasil.
Você está otimista?
Todos os problemas do Brasil, econômicos, de segurança, educação e de saúde, já foram diagnosticados de forma muito clara. Tudo foi muito bem mapeado. Agora, é preciso força de execução para conseguirmos eliminá-los. O novo presidente mostra determinação para implantar as mudanças necessárias.
Existe um otimismo no ar com a eleição de Jair Bolsonaro?
Quando olhamos para o futuro governo, percebemos indicativos importantes para o Brasil. Alguns sinais já foram dados e são muito claros. A redução da máquina administrativa é um deles, com o compromisso de que o primeiro escalão do governo terá uma reforma com a diminuição do número de ministérios. Quando se faz uma reforma em uma empresa, sempre se deve começar de cima para baixo. Esse é o tipo de exemplo que ajuda a aumentar a adesão de todos ao compromisso com a austeridade.
O que falta para que a retomada da economia comece a ser sentida no dia a dia das empresas e dos trabalhadores?
O que o setor produtivo precisa é de segurança jurídica. Desse ponto de vista, quando a gente observa o discurso do presidente eleito tem a impressão de que ele vê isso como algo muito importante para o país. A segurança jurídica nos dará maior apetite para investir. Incluo nisso os investidores estrangeiros, que também estão com muito apetite para colocar dinheiro no Brasil.
Como a segurança jurídica deverá destravar a economia?
Se o governo focar muito na segurança jurídica, os investidores terão interesse em trazer recursos para o Brasil, seja por meio da participação em privatizações, seja em processos de licitação ou com a aquisição de participação em empresas. Isso é o necessário para trazer o investidor para o setor produtivo. Não tenho dúvida de que com esse novo ambiente o investidor que atua no mercado de capitais também passará a olhar o risco Brasil de forma diferente e vai se interessar mais pelo país.
Como a segurança jurídica pode ser passada para o mercado?
Há pontos que dependem da Câmara e do Senado. Se o novo governo tiver maioria, isso terá condições de ser negociado. Vi no Bolsonaro a clara indicação de que irá direcionar todos os problemas de insegurança jurídica para uma solução. Esses projetos serão prioridade no novo governo.
Há muito investimento represado?
Sim, sem dúvida nenhuma. A população brasileira é uma das maiores do mundo e o caminho natural do capital é fluir para onde há negócios, que são gerados a partir das pessoas físicas, que têm de se alimentar, comprar bens duráveis e casas. A atratividade do Brasil é muito grande pelo potencial de consumo da população brasileira. Esse potencial vai crescer à medida que a massa salarial crescer, o que refletirá no potencial de consumo crescente.
Mas antes do aumento da massa salarial há o problema do desemprego ainda em taxas muito elevadas, não?
Sim, o nível de desemprego está muito alto no Brasil e precisará cair. Mas quando se destrava alguns setores, particularmente o da incorporação, já há uma geração grande de empregos. No segmento de incorporação, existe um potencial latente. Só o deficit habitacional é da ordem de 7,7 milhões de famílias. Não há só o deficit habitacional, mas também a expectativa de crescimento da população brasileira e consequente formação de novas famílias. Nos próximos 10 anos, a expectativa é de que seja necessário construir 9 milhões de domicílios. Cabe à indústria de incorporação prover a moradia para essas pessoas
Como isso vai refletir na geração de empregos?
Essa é uma indústria que emprega muito. Uma residência de 100 metros quadrados consegue gerar quatro empregos. Com a economia do país melhorando, veremos o aquecimento do mercado de construção por conta da capacidade de as pessoas se financiarem. Existe uma demanda reprimida, isso é fato. O resultado será a necessidade de construção de imóveis. O setor de construção tem capacidade de gerar 7,5 milhões de empregos por ano, contando toda a cadeia, como empregos diretos e indiretos. Seu papel também é importante no recolhimento de tributos, já que tem uma capacidade anual de gerar R$ 220 bilhões por ano.
Como o setor da habitação tem reagido nos últimos anos?
É possível dividir o mercado de incorporação em dois, o de baixa e o de média renda. Dado o grande deficit, a baixa renda não chegou a sofrer. Foram 5,3 milhões de unidades contratadas desde 2009 só no programa federal de habitação de baixa renda, que resultou na geração média de 2,4 milhões de empregos por ano, tanto direto quanto indireto e induzido. No ano passado, esses contratos foram responsáveis por 72% do PIB do setor. Esses números mostram a importância de um programa de habitação popular no Brasil. Já estamos conversando com a equipe econômica do novo presidente há algum tempo em relação a esse programa e o seu formato para que haja uma continuidade no ano que vem.
O que não pode faltar nesse tipo de programa de habitação para a baixa renda?
Um programa para a baixa renda tem de se adequar a integralmente a esse perfil. Em todos os países há a necessidade de uma adequação nos números, porque é fundamental que a prestação caiba no bolso de quem fechou negócio. Mas para isso é preciso ter um funding, com uma taxa de juros adequada e um subsídio. É importante ressaltar que esses subsídios não existem só no Brasil. Eles existem em todo lugar, inclusive em países com taxa de juros real baixa. Portanto, é preciso manter uma equação que leve em consideração esse equilíbrio e que atenda à enorme demanda da população de baixa renda.
Esse segmento deverá continuar a ter a mesma relevância para as empresas do setor?
Não, esse segmento não deve continuar a ser prioritário. Tem também o de média renda. Tivemos um travamento muito grande em função da crise que o país enfrentou, além do problema da devolução dos imóveis, na planta ou assim que foram finalizados, por meio dos distratos. Esse movimento gerou para a indústria algo que não aconteceu em nenhum outro setor. Outros segmentos tiveram queda de demanda, mas ninguém devolveu depois de seis meses o carro, a roupa ou o liquidificador. A retomada desse segmento vai ajudar a retomar emprego e atenderá à demanda existente por moradia no Brasil, mas o mercado precisa ser regrado. O projeto de lei sobre os distratos, que já passou pela Câmara dos Deputados, continua no Senado.
Como o setor vem acompanhando o uso dos recursos do FGTS?
Para o mercado de baixa renda, os recursos têm como origem o FGTS. Ele sofreu eventos de saques bastante grandes, como o que vimos nas contas inativas. Além disso, houve o problema da perda de empregos, que refletiu na queda da arrecadação. Esses dois fatos geram um desiquilíbrio para o fundo, é inquestionável. Agora, há que se tomar cuidado, porque esses recursos têm de ser aplicados adequadamente, da maneira que o FGTS foi idealizado, com responsabilidade, para que o trabalhador brasileiro tenha essa poupança. Espera-se que com a retomada da economia haja também uma recuperação do FGTS.