Embora os gastos com pensões e aposentadorias dos servidores sejam o fator estrutural por trás da crise fiscal dos Estados, a perda de receita tributária durante a recessão agravou os déficits. Sete Estados e Distrito Federal têm déficits tão grandes que seus governadores podem terminar os mandatos sem caixa para cobrir despesas contratadas neste ano, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Nas contas do consultor Raul Velloso, na média dos 22 principais Estados, a receita tributária poderia ter sido 11,2% maior, se a trajetória da arrecadação de 2002 a 2014 fosse mantida.
Segundo o levantamento, os oito endividados registraram déficit orçamentário superior a 4% da receita total, na média de 2015 a 2017. O caso do Rio é o mais dramático, com rombo de 11,4% da receita total. Levando em conta apenas os tributos, o governo fluminense poderia ter arrecadado 15,2% a mais do que efetivamente conseguiu na média dos três primeiros anos do mandato do governador Luiz Fernando Pezão (MDB).
O Rio aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal, criado pelo governo federal ano passado e que prevê o alívio no pagamento da dívida em troca de medidas de ajuste. Apesar disso, o Estado não deixará as contas no azul neste ano - como já estava previsto no plano, firmado em setembro de 2017.
Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul completam a lista dos Estados com maiores rombos do orçamento, além do Distrito Federal. Para Velloso, dificilmente esses governos conseguirão terminar o ano com caixa suficiente para cobrir despesas deixadas para o próximo mandato. Após a LRF, o Código Penal ganhou um novo capítulo sobre crimes contra as finanças públicas - o descumprimento da norma pode levar a pena de um a quatro anos de prisão.
Procuradas, as secretarias de Fazenda de Goiás e do Rio Grande do Sul informaram que estão tomando medidas de ajuste. No caso do governo gaúcho, o objetivo é reduzir o rombo ao máximo, mas deixar restos a pagar em valor acima do caixa parece inevitável, pois, segundo a Secretaria de Fazenda, ainda não se sabe quando o 13; salário deste ano, valor empenhado em 2018, será pago - o de 2017 foi parcelado em 12 vezes.
O secretário de Fazenda do Distrito Federal, Wilson José de Paula, reconheceu que será difícil fechar o mandato do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), que disputa a reeleição no segundo turno do próximo dia 28, com caixa para quitar as despesas empenhadas ainda este ano, mas destacou que as contas estão "muito melhores" do que as que recebeu. "É zero a zero, como a lei determina? Provavelmente, não", disse Paula. Segundo ele, este ano deverá ter déficit financeiro de R$ 600 milhões, ante rombo financeiro de R$ 2,5 bilhões no início do governo.
Os demais citados na reportagem não responderam até o fechamento desta edição.
Na avaliação de Sérgio Ciquera Rossi, secretário-diretor-geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a perda de receita por causa da recessão não justifica o descumprimento da LRF. A legislação, segundo ele, já traz mecanismos que permitem lidar com situações de queda de receita. Nesses casos, as despesas precisam ser cortadas.
Estados querem afrouxar metas com a União
Sem conseguir fazer o ajuste nas despesas, Estados se mobilizam para afrouxar as exigências da legislação que permitiu a renegociação das dívidas bilionárias com a União. O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Fazenda (Consefaz), André Horta, disse que só quatro governadores terminam o ano cumprindo o teto de gastos (limite de despesas) acertado com o governo federal.
Segundo Horta, uma reunião de um grupo de secretários está marcada para terça-feira com o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Horta, que é secretário de Fazenda do Rio Grande do Norte, afirmou que muitos Estados estão numa situação fiscal ruim, com perda de receitas e pagamento da folha de pessoal atrasado. Entre os quatro Estados que vão conseguir cumprir o teto, ele citou só um: o Espírito Santo. Outro problema, disse ele, é que o com o fim do mandato os governadores têm de deixar em caixa dinheiro para bancar os "restos a pagar", despesas transferidas de um ano para outro.
De acordo com balanço divulgado pelo Tesouro, 18 Estados solicitaram a renegociação das dívidas com a União, no valor total de R$ 458,9 bilhões. Os pedidos foram todos aprovados. A lei permitiu o alongamento da dívida com a União em 240 meses adicionais e redução extraordinária das parcelas devidas entre julho de 2016 e junho de 2018. Em contrapartida ao alongamento da dívida com a União, a lei complementar previu que os Estados instituíssem teto para as despesas primárias correntes por dois anos. Segundo o Tesouro, todos os 18 que solicitaram a renegociação publicaram lei de teto de gastos.
Para a ex-secretária de Fazenda do Estado de Goiás, Ana Carla Abrão, todos os Estados, excetuando Espírito Santo, Alagoas, Ceará e São Paulo, estão numa situação de muita penúria e o problema vai se acentuar até o final do ano. "Eles entraram num quadro de crescimento de gastos muito grande com o calendário eleitoral. Agora, a conta chegou", disse a economista, que é sócia da Oliver Wayman.
Na sua avaliação, os governadores que assumirem em 2019 encontrarão uma situação muito pior daquela encontrada em 2015, que já foi muito grave e que levou à renegociação das dívidas. "O governo federal vai precisar novamente lidar com uma crise de Estados." Na sua avaliação, o quadro piorou porque, em vez de fazer um ajuste estrutural, houve um aprofundamento do problema.
Nas contas do Tesouro, a renegociação das dívidas resultou em redução potencial no fluxo de pagamentos da dívida com a União de R$ 44,7 bilhões de julho de 2016 e junho deste ano. O descumprimento dos compromissos fiscais implicará adicional de 0,20% da receita corrente líquida por meta descumprida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.