São Paulo ; Em uma situação normal, uma jovem startup, com quatro anos de operação, ficaria paralisada diante da possibilidade de perder uma ação na Justiça para um dos maiores bancos do país. Mas em vez disso, o Guiabolso, aplicativo de finanças pessoais, que já foi baixado por cerca de 4,5 milhões de usuários, decidiu intensificar seus investimentos em tecnologia. A fintech acaba de anunciar uma nova fase no negócio, usado por pessoas que buscam dicas para melhorar seu perfil financeiro, reduzir despesas, fazer investimentos ou juntar dinheiro para colocar em prática algum projeto. Já está disponível uma atualização no aplicativo toda desenvolvida com base em inteligência artificial (AI).
Com a tecnologia, desenvolvida por uma equipe de 15 profissionais, como cientistas de dados, engenheiros e PhDs em áreas correlatas, as informações para os usuários passaram a ser personalizadas, customizadas segundo a movimentação financeira e os seus hábitos de consumo. Thiago Alvarez, um dos fundadores da fintech, conta que a partir do trabalho da AI, cada usuário será tratado de uma forma. Se ele não gosta de ser advertido para um gasto fora do orçamento, passará a ser abordado de uma maneira mais adequada ao seu estilo. ;Antes usávamos a mesma linguagem para todos, mas percebemos com o passar do tempo que as pessoas não gostam de ser abordadas assim, com o mesmo puxão de orelha ou a mesma receita de bolo. Passamos a ter agora uma tecnologia individualizada, que vai acumular cada vez mais informações por meio da AI;, comenta.
Pesquisa de campo
Foram oito meses até que o projeto de AI estivesse finalizado. Durante o processo, os executivos fizeram muitas pesquisas para identificar tendências nessa área. Visitaram os mercados americano, chinês, australiano e japonês para conhecer as experiências em mercados maduros para esse tipo de serviço. ;Vimos que o que existia eram soluções que faziam com que o usuário tivesse de se ajustar, por isso decidimos nos inspirar em outros segmentos, que estão avançados na experiência personalizada, como Uber, Amazon e Spotify. São empresas que oferecem experiência personalizada e sob medida. Com a tecnologia que temos hoje, veremos o algoritmo aprendendo e conhecendo as pessoas conforme o uso for aumentando;, detalha Alvarez.
Com a inteligência artificial, o Guiabolso vai funcionar de um jeito parecido com o do Facebook. À medida que o usuário buscar informações sobre determinados assuntos, mais dados sobre esses temas mais buscados vão aparecer no seu feed. Parte da tecnologia contou com a ajuda da equipe do Google para ser desenvolvida. O Guiabolso começou a ser desenvolvido por seus fundadores, os amigos Benjamin Gleason e Thiago Alvarez, em 2014. Eles trabalhavam juntos em uma consultoria, tinham experiência nas áreas de finanças e digital e queriam desenvolver um negócio que tivesse algum tipo de impacto social e que oferecesse como alternativa bons produtos financeiros por meio de parcerias com instituições financeiras, atuando como correspondente bancário. Hoje, por meio do aplicativo, é possível buscar informações sobre planejamento financeiro e pesquisar linhas de crédito com juros a partir de 1,9% ao mês, oferecidos pela Sorocred, Banco Semear, Portocred, Banco CCBS e BV Financeira.
Vale do Silício
Além de acumular alguns prêmios internacionais, o Guiabolso conseguiu recentemente fazer parte de um programa para startups do Google ; foi o único representante brasileiro convidado, de um total de 10 empreendimentos. O programa, que começou há duas semanas no Vale do Silício (nos EUA), tem duração de quatro meses e servirá como um ambiente de compartilhamento das melhores práticas de IA. ;É uma oportunidade de mostrar como é possível oferecer uma experiência completa para os usuários, com um guia realmente personalizado com informações para melhorar a vida financeira das pessoas;, destaca Alvarez.
A primeira rodada de investimento, no ano seguinte, só veio depois de os sócios ouvirem 60 vezes a palavra não. Até agora, foram cinco rodadas de aportes, a última delas no ano passado, num total de R$ 215 milhões. Entre os parceiros estão o braço de investimento do Banco Mundial, o Ribbit Capital, principal fundo de capital de risco com foco em fintechs do Vale do Silício, e Ed Baker, diretor de Crescimento do Uber. Hoje, a fintech tem cerca de 200 funcionários, instalados em um escritório em Pinheiros (Zona Oeste da capital paulista). A receita, que não é divulgada, vem de parte da taxa de juros cobrada nos empréstimos de parceiros.
Incômodo
Enquanto coloca a equipe de cientistas para desenvolver novas funções para seus algoritmos, os gestores do Guiabolso acompanham de perto uma ação movida pelo Bradesco, contrário ao acesso da fintech a dados de clientes protegidos por sigilo bancário. A instituição financeira exige que a fintech apague os dados já coletados. Até o Ministério da Fazenda entrou no caso por acreditar que pode haver algum tipo de má-fé por parte do Bradesco ao tentar impor custos ao Guiabolso. Para o banco, o Guiabolso deveria ser obrigado a notificá-lo previamente e exigir uma autorização dos clientes por escrito para ter acesso aos dados de suas contas. Para a Fazenda, esse tipo de trâmite vai na direção contrária ao que chama de ;relações econômicas dinâmicas;.
A pedido dos sócios do Guiabolso, o caso está sob segredo de Justiça. O motivo do sigilo das informações é que para provar quão segura é a sua tecnologia, a startup contratou uma perícia para atestar que os dados bancários dos usuários são de fato invioláveis. Apesar da ação do Bradesco, Alvarez não acredita em um efeito negativo entre os investidores. ;Eles estão acostumados a esse tipo de situação. Se olharmos para o mundo, quase todas as startups, em diferentes setores, enfrentaram ou ainda enfrentam situações semelhantes, como vemos como o Uber, o Google e o Facebook, por exemplo;, afirma o sócio.Alvarez garante que a tecnologia usada pelo Guiabolso não oferece riscos aos usuários. Os dados, segundo ele, são criptografados e não são fornecidas senhas de cartões. ;Não há acesso a informações que permitam qualquer tipo de movimentação da conta do usuário do aplicativo;, garante Alvarez.
Procurado pela reportagem, o Bradesco, segundo maior banco privado do país, informou por meio de nota que não comenta o assunto. Da mesma forma, Alvarez diz que até a conclusão do caso não pode falar sobre o questionamento feito pela instituição financeira.
- Investidores de peso
Confira a lista de parceiros da fintech
; Ribbit Capital, principal fundo de capital
de risco focado em fintechs do Vale do Silício
; Kaszek, principal fundo de capital de risco da América Latina
; QED Investors, fundo especializado em empréstimo on-line
; International Finance Corporation, braço de investimento
em desenvolvimento do Banco Mundial
; Omidyar Network, organização sem fins lucrativos
que investe em empresas com alto impacto social
; Vostok, fundo especializado em fintechs de alto crescimento
; Valor Capital
; e.Bricks
; Ed Baker, diretor de Crescimento do Uber
; Mark Goines, primeiro investidor do Mint.com
; Peter Kellner, cofundador da Endeavor