São Paulo ; Em 2017, o engenheiro paulista Ronaldo Pellegrini teve a ideia de criar uma empresa na área de tecnologia da informação. Ao lado do sócio, ele preparou um plano de negócios caprichado e passou quase um ano em busca de parcerias. ;Procurei incubadoras que apoiam startups, investidores e gestores de recursos;, diz. ;Ninguém se interessou.;
No início de 2018, influenciado por um contato na China, resolveu partir para o outro lado do mundo. Inscreveu-se em um programa patrocinado pela empresa de tecnologia Tencent e não demorou mais do que alguns dias para obter uma resposta. ;Eles gostaram da proposta e aceitaram minha inclusão em um curso destinado a projetos inovadores;, diz o executivo. Em setembro próximo, Pellegrini termina o programa. Melhor ainda: aos 27 anos recém-completados, ele está prestes a receber US$ 5 milhões de um fundo local de investimentos para levar o sonho adiante.
Os chineses não estão bancando o projeto de vida de um brasileiro por caridade. Investir em inovação é uma política de Estado com metas e objetivos defendidos pelo próprio governo. Qual é a razão de tudo isso? ;Os chineses perceberam que, na era tecnológica, o caminho mais curto para crescer é apostar em três frentes: inovação, inovação e inovação;, diz Eduardo Tancinsky, consultor especializado em tecnologia. ;No século 21, nenhuma nação passou por uma transformação tão drástica quanto a desencadeada agora pelos chineses.;
[SAIBAMAIS]Os chineses passaram boa parte das últimas décadas copiando o que os outros países faziam de melhor. Foi assim na indústria de computadores, na produção de carros, na criação de jogos eletrônicos e, mais recentemente, no desenvolvimento de celulares. Não à toa, até pouco tempo atrás a China era conhecida como o país da imitação. De certa forma, a usurpação de know-how funcionou: as empresas incorporaram as tecnologias estrangeiras e aprendem a fazer do seu próprio jeito ; e, muitas vezes, melhor. Agora, de tanto investir e se dedicar à inovação, o país despertou um fenômeno inverso: seus produtos é que passaram a ser imitados pelos outros.
É na China que estão as grandes histórias de empreendedorismo da era ultratecnológica. A 25 quilômetros de Pequim, a região de Zhongguancun ficou conhecida como o Vale do Silício chinês. É lá que fica a sede da Tencent, maior rede social da China, que no final do ano passado alcançou um feito extraordinário: seu valor de mercado chegou a US$ 500 bilhões, mais do que o Facebook.
Recentemente, a Tencent comemorou outro marco. O WeChat, seu aplicativo de mensagens, superou a barreira de um bilhão de usuários. Para efeito de comparação, o Messenger, que pertence à rede de Mark Zuckerberg, contabiliza 1,3 bilhão, mas cresce num ritmo bem menor. Estima-se que, em no máximo dois anos, o WeChat será maior que o Messenger.
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Futuro
Em um seminário recente realizado em São Francisco, nos Estados Unidos, Lei Jun, o carismático fundador da fabricante chinesa de celulares Xiaomi resumiu em uma frase o que está por trás da onda inovadora. ;O futuro pertence à China;, disse ele. ;Quem não enxergar isso estará fora do jogo nos próximos anos.;
Não faltam argumentos para justificar sua teoria. O mercado chinês de pagamento móvel (por smartphones, o sistema mais avançado do mundo) já é 50 vezes maior do que o americano. Isso mesmo: 50 vezes. As duas empresas que mais depositam patentes, um dos principais indicadores para medir o nível de inovação de um país, são chinesas: Huawei e ZTE, ambas da área de telecomunicações. No século 21, os investimentos chineses em pesquisa e desenvolvimento passaram de US$ 20 bilhões para US$ 200 bilhões ; e continuam crescendo acima de dois dígitos a cada ano.
A inovação está em todos os lados. Na última década, a BYD foi a primeira montadora do mundo a lançar carro com plugin (que pode ser alimentado na rede elétrica), a DJI inventou a categoria de drones de consumo, para uso doméstico, e a Didi se tornou a segunda startup mais valiosa do planeta, atrás da Uber. Todos os exemplos acima são de gigantes chinesas que devem seu salto espetacular a um único motivo: a capacidade para inovar.
A Didi foi fundada em 2013 por Chen Wei, um executivo tímido que desistiu de uma carreira bem-sucedida no Alibaba, a maior companhia de e-commerce do mundo, para abrir a empresa de aplicativos de transporte. Em pouco tempo, a Didi se tornou um fenômeno corporativo, sendo avaliada em US$ 60 bilhões graças a uma série de inovações.
Entre elas, seu inédito sistema de inteligência artificial que coleta 70 terabytes de dados todos os dias para identificar gargalos no sistema de transporte. O algoritmo desenvolvido pela equipe de Wei é tão eficiente que fez da Uber uma operação obsoleta na China, a ponto de ser vendida para a própria Didi. No Brasil, a gigante chinesa comprou no início do ano a 99, que acabou se tornando o primeiro unicórnio brasileiro (empresas com valor de mercado em pelo menos US$ 1 bilhão).
A China passou a ser o centro global mais pulsante da inovação em decorrência de investimentos maciços em educação. No início do século 21, o governo decidiu aumentar em pelo menos 5% os aportes na área de ensino. Em 2012, o percentual avançou para 10% a cada 12 meses até chegar a recordistas US$ 500 bilhões investidos em 2017.
No governo do presidente Xi Jinping foram criados três grandes parques tecnológicos nacionais e programas de incentivos fiscais para startups. Enquanto isso, o mundo corporativo se aproximava do acadêmico. Em 2010, 4% dos estudantes da Universidade de Pequim abriram ou trabalhavam em startups. O índice atual é de 14%.
Jinping também apresentou a ideia do ;chinese dream;, que consiste em adotar a inovação como estratégia de crescimento. Em 2015, ele publicou uma carta de intenções que exortava o país a ser um dos protagonistas mundiais em inovação. No ano passado, o documento foi mais incisivo: fazer do país, até 2030, líder global em inteligência artificial. O processo de transformação que começou há três décadas irá, portanto, durar ainda muitos anos.