Jornal Correio Braziliense

Economia

Saiba como usar o cartão de crédito sem se endividar além da conta

Modalidade de pagamento pode ser útil para quem consegue manter as despesas sob controle. É preciso, porém, evitar o uso indiscriminado da ferramenta para não acumular dívidas

O uso do cartão de crédito é visto, muitas vezes, como uma despesa ou um problema a ser resolvido, mas não para o consumidor brasileiro. De acordo com a pesquisa da plataforma de crédito Just, três em cada quatro brasileiros não consideram o gasto com cartão como uma dívida. A pesquisa aponta que o consumidor associa dívidas ao pagamento de juros, em situações em que não há a liquidação completa da fatura.

A coach Lílian Neuberger Guin, 46 anos, faz parte desse grupo. Para ela, o cartão pode ser utilizado como uma ferramenta para a organização dos gastos. ;Eu uso o cartão de crédito para unir todas as despesas do mês e pagá-las em um dia só. Assim, posso deixar o dinheiro no banco, rendendo até o vencimento da fatura;, conta.

Lílian diz que, para controlar o que é gasto com o cartão de crédito, utiliza planilhas e até aplicativos, mas afirma ser equilibrada com as despesas. De acordo com ela, os gastos mensais não passam de 30% do limite do cartão. A lição, no entanto, não foi absorvida do dia para a noite. ;Já cheguei a me endividar por conta dele. Antes de morar em Brasília, tudo que eu e meu marido precisávamos, comprávamos no cartão de crédito. Com o tempo, fomos perdendo o controle;, afirma.

A conta, um dia, chegou. ;Virou uma bola de neve e tivemos que negociar com o banco. Dividiram o saldo em parcelas bem mais em conta, e ficamos pagando a dívida durante cinco anos. Só depois de um bom tempo aceitei a oferta de um novo cartão;, relata Lílian. ;Quando a gente é muito nova, acha até que a despesa do cartão não precisará ser paga. Mas, com o tempo, a gente vai aprendendo que é preciso colocar tudo na ponta do lápis;, diz.

Hábito

O problema das dívidas com o cartão de crédito nasce, principalmente, da falta de hábitos de gestão financeira dos brasileiros, afirma o vice-presidente do GuiaBolso e diretor do Just, Bruno Poljokan. ;Isso prejudica a organização das despesas pessoais;, afirma.

Ele observa que dívida não é apenas aquilo que não é pago. ;Quando gasta, você faz uma dívida. Ela deve caber no seu fluxo de caixa, e não representar apenas aquilo que não consegue pagar;, destaca Poljokan. Por isso, é importante colocar na ponta do lápis as principais despesas.

;É fundamental que o consumidor saiba mensurar quanto ganha e quanto gasta no mês, além de priorizar as despesas mais importantes. As essenciais são gastos como aluguel, alimentação, entre outros;, afirma o vice-presidente do GuiaBolso. ;Em segundo plano, temos os custos financeiros de dívidas pendentes. Por último, os gastos de qualidade de vida, que são bares, restaurantes e consumo de roupas;, complementa Poljokan.

O educador financeiro Jônatas Bueno destaca que a utilização do cartão de crédito só é vantajosa quando feita com inteligência, e limitada ao que se tem na conta bancária. ;Ele é muito vantajoso quando usado exatamente como o cartão de débito;, explica. Ajuda quem precisa de prazos mais longos e traz benefícios que o pagamento à vista não oferece. ;Você tem a opção de pagar a conta depois de 30 dias e ainda ganha pontuação em programa de milhagens;, completa.

Bola de neve

Para aproveitar as vantagens, porém, são necessárias disciplina e sensatez. ;Diferentemente do cartão de débito, o crédito nem sempre acaba quando chegamos ao limite de gastos, e isso pode ser uma armadilha. O parcelamento de gastos muito altos pode ser uma vantagem, mas a despesa precisa estar dentro do orçamento dos meses em que os pagamentos serão feitos;, adverte Bueno.

O policial militar Wellington de Sousa Felisberto, 34 anos, diz que utiliza o extrato do cartão para organizar os gastos. Mas destaca que é preciso muito controle. ;É só deixar de pagar uma fatura que a dívida vira uma bola de neve;, alerta. Graças à organização da família, porém, as despesas nunca viram um bicho de sete cabeças. ;Nós utilizamos o cartão de crédito para os gastos que não são essenciais, como lazer, compra de roupas e calçados, entre outros. Assim conseguimos ter um controle pelo extrato mensal e ainda recebemos pontos que trocamos por descontos e serviços;, diz Felisberto.

Outro aspecto positivo que o policial ressalta é a segurança e a comodidade de não precisar sempre carregar dinheiro. ;Com o cartão de crédito, não preciso correr risco na rua, porque só quem tem a senha e consegue utilizá-lo sou eu. Além de ser muito cômodo andar com um cartãozinho de plástico, sem papel e moedas;, afirma.

Felisberto, assim como Lílian, estipulou um percentual para as despesas com o pagamento eletrônico. ;Eu gasto com o cartão de crédito em torno de 60% da minha renda. Quando eu tenho algum desconto para pagamento à vista, opto por ele. Ainda pago algumas despesas que não podem ser incluídas no cartão, como energia, água e telefone, e o que sobra, invisto;, explica.

Casado, o policial desmente a história de que mulheres são as que mais gastam. ;Minha esposa se organiza da mesma forma;, diz. De acordo com ele, cada um tem dois cartões, um de cada bandeira (Visa e Mastercard). ;E eles não me cobram anuidade;, salienta.


Organização

Os problemas de quem não consegue quitar dívidas de cartão de crédito começam com a falta de organização, destaca Bueno. ;As pessoas se acostumam a não planejar gastos como supermercado, gasolina, viagens e itens do dia a dia, e utilizam o cartão como forma de pagamento, dividindo em várias prestações. Mas se esquecem de controlar as compras e de manter tudo devidamente anotado;, aponta o educador financeiro. ;Muitas vezes, o consumidor nem se lembra dos gastos que fez e se surpreende com o valor da fatura quando chega;, afirma.

É preciso estar preparado, porém, para acontecimentos imprevistos. Por isso, nunca se deve comprometer toda a renda, mesmo que se consiga manter as contas em dia. ;Um dos maiores problemas de se fazer dívidas é que, quando surgem gastos inesperados, a pessoa não está preparada para enfrentá-los, já que o salário está comprometido com o cartão. Às vezes, com parcelas de coisas que ela já consumiu;, exemplifica Bueno.

Segundo o educador, nos casos em que a pessoa não consegue manter um mínimo de controle dos gastos, a solução pode ser abrir mão do cartão. ;Vale a pena deixar de ter o cartão de crédito? Em alguns casos, sim. Em momentos em que a pessoa não está equilibrada, uma alternativa pode ser usar apenas dinheiro para pagar as despesas;, indica.

Outra alternativa é a procura de cartões sem anuidade. ;Existem operadoras, hoje em dia, que não cobram a taxa de manutenção, ou, às vezes, ela é muito baixa;, diz Bueno. ;Se a pessoa prefere a operadora que contratou, vale tentar uma negociação. Mas é importante ficar esperta para que não lhe ofereçam um serviço de que não precisa por um dinheiro que não tem;, acrescenta.

* Estagiárias sob supervisão de Odail Figueiredo