São Paulo ; O engenheiro Luiz Antonio França, CEO contratado da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), desde março do ano passado, não consegue falar sobre o mercado imobiliário sem tocar num assunto que vem tirando o sono dos empresários do setor: os distratos, a devolução de imóveis comprados na planta, problema que vem afetando o desempenho das 33 empresas associadas à entidade. Na última semana, o projeto de lei que propõe novas regras para o rompimento de contratos foi rejeitado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Romero Jucá (PDB-RR) protocolou um recurso e a previsão é de que a votação aconteça no início de agosto.
Com muita experiência no mercado financeiro, antes de assumir a Abrainc, o executivo diz que, ao contrário do que muita gente pensa, a maioria dos que estão devolvendo os imóveis não é de trabalhadores que perderam seus empregos, mas de investidor que desistiu da compra por conta das correções nos preços dos imóveis. Entre janeiro e março deste ano, o número de devoluções chegou a 7.025 imóveis, pouco mais da metade dos 13 mil lançamentos realizados pelo mercado no mesmo período.
Além dos distratos, outra preocupação do setor é em relação à volatilidade da economia brasileira que não ajuda em nada, pelo contrário, afasta investidores e fomenta o desemprego. Só no segmento de incorporadoras, o número de postos de trabalho foi reduzido de 2,5 milhões de trabalhadores, em 2014, para o atual 1,3 milhão. Boa parte dos cortes, diz o executivo, pode colocar na conta das devoluções de imóveis. A outra parte se deve à crise econômica. Melhora só em 2019, depois de definidas as eleições e realizadas as reformas necessárias.
O senhor está se referindo aos chamados distratos?
O mercado de imóveis esperava um 2018 melhor. Os números no fim de 2017, e início deste ano, até apontavam para uma
retomada. O que aconteceu?
O segmento de imóveis de baixa renda continuou forte. No Brasil, esse segmento é apoiado pelo programa Minha casa Minha Vida, um dos melhores programas estruturados para a habitação popular. Entregamos um volume de quase 5 milhões de moradias em todo o país. Essa faixa foi extremamente resiliente à crise. Isso se dá em função do grande deficit habitacional na moradia popular. Porém, temos outros segmentos que não foram resilientes, que são os de imóveis de médio e alto padrões.
O que ocorreu?
Esses dois segmentos já seguiram um comportamento de crescimento no passado igual ao de outros países que têm o mercado imobiliário desenvolvido, ou seja, taxa de juros abaixo de dois dígitos, baixo nível de desemprego e bom marco regulatório. No Brasil, com a volatilidade, ficamos hoje com duas dificuldades: o desemprego e os problemas de marco regulatório, que são representados por um volume crescente de devoluções de imóveis.
Sim, a devolução de imóveis pelos compradores. Isso, para o empresário, significa a mesma coisa que se uma indústria qualquer que vende um produto e, dois meses depois, a pessoa quer devolvê-lo e receber o dinheiro de volta. É como se uma loja vendesse uma televisão para os jogos da Copa e, terminado o Mundial, o comprador viesse devolver o aparelho e exigir o dinheiro de volta. Você vende um apartamento para entregar no futuro e aí a pessoa desiste e quer ser ressarcida do valor pago. Nenhuma equação econômica dentro de uma empresa fica de pé se não sabe se a venda que foi feita é venda mesmo.
Hoje, a lei determina que um percentual desse valor pago pelo comprador fique com a construtora.
Sim, mas esse percentual é insuficiente e desestabiliza o mercado. Em outros países, o cliente perde é 100% em caso de desistência. Não tem cabimento: você vende uma coisa para entregar no futuro e depois a pessoa não quer mais e, muitas vezes, ela não quer mais porque teve uma variação de preço e não se interessa mais por aquele imóvel que comprou.
Muitos estão devolvendo porque não têm condições de pagar por conta de ter perdido o emprego. O senhor concorda?
O sujeito que vai a uma concessionária comprar um carro e, depois, perde o emprego, o que acontece? O banco perdoa a dívida? O carro é aceito pela montadora? Claro que não. A incorporadora não é seguro-desemprego e não tem a capacidade de absorver os problemas do cliente. Para fazer isso, teríamos que colocar esse risco no preço do imóvel. Esse risco de perda de emprego do comprador não cabe à incorporadora que está vendendo o imóvel.
Essa questão ainda está sendo discutida no Congresso. Uma primeira proposta que determina a devolução de 50% do valor pago já foi aprovada pela Câmara.
Sim, mas a maioria das devoluções não é porque o comprador perdeu o emprego. Essas representam apenas 10% dos que devolveram os imóveis. São pessoas que compram vários imóveis para investimento. Quando o preço é reajustado, elas devolvem o imóvel. São especuladores. E mais: esses caras que estão fazendo isso estão usando os órgãos de consumidores.
É possível provar que são especuladores?
É um fato que a gente, o mercado, sabe. Não temos estatística, mas é o que a gente tem observado em todas as empresas. Todo esse problema dos distratos no segmento de média e alta renda acabou culminando em uma perda de 1 milhão de empregos no setor da construção entre 2010 e 2016. Se não tivesse esse número grande de devoluções, não tenho dúvidas de que o mercado estaria entregando os imóveis, não haveria atrasos e, mais do que isso, quando se faz um distrato, o mesmo apartamento que foi vendido precisa ser repassado para outro comprador. Se não tivesse o distrato, esse mesmo comprador estaria comprando outro apartamento em construção. Sem os distratos, mesmo com o mercado em crise, o setor estaria em uma posição melhor no segmento de média renda, teríamos um nível de emprego melhor.
Em função dos distratos e da crise, as demissões atingiram muitos trabalhadores?
O nosso segmento de incorporação de imóveis é fortemente empregador e chegou a ser responsável por 2,5 milhões de postos de trabalho em 2014. No ano passado, reduzimos esse número para 1,3 milhão de trabalhadores. Este ano, estamos tentando nos manter nesse nível.
Na questão do distrato, qual é a proposta do setor?
O que foi aprovado na Câmara (devolução de 50% do valor pago pelo comprador do imóvel) não é ideal para o segmento. O certo seria o que é visto no mundo inteiro, que tem o mercado de imóveis desenvolvido. Se olharmos com base em outros mercados, no caso da desistência do imóvel, o comprador perde 100% do valor que pagou. O correto é que tenhamos os mesmos parâmetros que se tem em nível mundial. Esperamos que o Senado tenha capacidade de entendimento de que somos uma indústria geradora de empregos. Se ele não fizer isso, os prejudicados serão os trabalhadores que empregamos e toda a cadeia da economia em que estamos inseridos.
Isso também pode gerar menos investimentos?
Sim, tem também os efeitos nos investimentos. Somos um setor de ciclo longo de produção e, se não tivermos estoque e a demanda aumentar muito, o que vai ocorrer é que o preço vai subir. Se isso ocorrer, o prejudicado é o comprador, que terá mais dificuldade para adquirir a metragem quadrada que ele quer. As pessoas têm que entender que não estamos falando na situação financeira das empresas. Os balanços dessas empresas são um retrato do que a crise e os distratos causaram. Estamos falando em ter a continuidade do mercado de incorporação no Brasil e de as pessoas terem capacidade de investir. Por isso a necessidade de regras e regulamentação claras. É isso que qualquer pessoa que vai investir em qualquer lugar do mundo quer.
E a economia neste ano, qual é a sua análise?
Estamos passando por uma volatilidade muito grande, o que não é nada bom para a economia. Estamos chegando no fundo do poço, mas ainda acho que vamos ter um segundo semestre um pouco difícil. Não dá para dizer que teremos uma reação forte, porque, além de toda a volatilidade causada pela crise política, vamos ter as eleições. A volatilidade vai continuar, mas passando o pleito e resolvendo adequadamente alguns problemas que devem ficar das eleições, não tenho dúvida de que o próximo presidente terá de enfrentar todas as reformas estruturais do Brasil.