Os chamados preços administrados ; aqueles pré-estabelecidos em contrato ou supervisionados pelo governo, como os de combustíveis, planos de saúde, energia elétrica e botijão de gás ; estão impactando fortemente a inflação. O Banco Central (BC), em seu último relatório trimestral sobre o tema, aumentou drasticamente a projeção de aumento médio do conjunto desses preços em 2018, de 4,9% para 7,4%. De acordo com especialistas, como se trata de produtos difíceis de substituir, porque altamente necessários para as famílias, a alta deve limitar o consumo, que já está bastante reprimido.
Economistas destacam que a política monetária, de definição de juros, é estabelecida de acordo com os preços livres, mas ressaltam que o avanço dos administrados pode contaminar os valores de outras mercadorias, principalmente por conta do encarecimento dos combustíveis. Os três itens que mais afetaram a inflação nos últimos 12 meses, medidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), foram dos preços administrados. Dos 3,7% medidos no período, 1,92 ponto percentual (p.p) foi consequência das altas da gasolina (1,08 p.p), energia elétrica (0,44 p.p) e planos de saúde (0,4 p.p).
Os fortes avanços nos combustíveis são ocasionados pela elevação do dólar e da cotação do petróleo no exterior. A moeda norte-americana disparou nos últimos três meses, atingindo R$ 3,90. Além disso, o barril tipo brent do petróleo saltou US$ 30 em um ano, chegando a US$ 77,85. Mauro Rochlin, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disse que há preocupações bem fundamentadas com o avanço dos preços administrados. ;A questão decisiva é o comportamento do câmbio. Se o dólar ficar acima de R$ 4,10, vai ser inevitável que os custos se transfiram para os preços domésticos;, afirmou.
Por enquanto, essa contaminação é refreada pela debilidade da atividade econômica, que inibe aumentos de preços. ;Mas, por mais que a atividade econômica esteja fraca, chega um momento em que o empresário não consegue segurar os valores;, destacou Rochlin.
O forte impacto dos preços administrados não começou em 2018. Em 2017, quando a inflação ficou em 2,95%, os produtos livres tiveram variação de 1,35%, enquanto os administrados ficaram em 7,99%. Nos últimos meses, porém, houve maior participação deles no IPCA. No período de 12 meses até junho, enquanto a alta dos preços livres foi de 1,7%, a dos administrados atingiu 9,9%.
Segundo Fábio Bentes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), as tarifas acabam ;transbordando; para outros preços da economia. ;Essa alta vai se espalhar nos preços livres no futuro. Os reajustes ao sabor da taxa de câmbio e do petróleo colocam o centro da meta (da inflação) sob risco em 2019;, destacou.
No campo da energia elétrica, o período de estiagem ; natural desta época do ano ; elevou a bandeira tarifária de junho para vermelha nível dois, que resulta no adicional mais alto cobrado na conta de luz. O IPCA-15 de junho mostrou que a energia subiu 5,44%, em média, no país. Para julho, o patamar será mantido, o que deve continuar pressionando os índices de preços.
Além disso, nos últimos anos, os planos de saúde vêm tendo reajustes bem acima da inflação, com correções superiores a 30% nos convênios coletivos. Em 2018, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reajustou os seguros familiares e individuais em 10%, enquanto o índice oficial de preços ronda os 3,7%. Como mostrou o Correio na semana passada, além de pressionar o orçamento familiar, as mensalidades mais caras podem levar mais pessoas a abandonar a saúde suplementar.
Juros
Nem todos os analistas, porém, traçam cenários negativos para a inflação. Economista-sênior da Haitong, Flávio Serrano destacou que, apesar dos choques causados pelos administrados, a dinâmica de inflação não deve ser alterada. ;Tirando os efeitos da recente paralisação dos caminhoneiros, que elevou os preços, temos um comportamento muito tranquilo em relação à inflação. Não há porque subir a taxa de juros, até porque o efeito de uma possível alta não será sentido neste ano. Por enquanto, o que podemos ver é que a economia está recuperando em ritmo muito lento e com grande ociosidade;, disse.
Consequência da grave dos caminhoneiros, o tabelamento do frete do transporte rodoviário pode elevar o custo dos produtos. Levantamento da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) mostrou que a inflação pode superar 5% em 2018, puxada pela elevação dos preços de alimentos. Serrano destacou, porém, que a atividade econômica lenta deve ;mitigar; os efeitos da alta . ;A economia fraca deve limitar boa parte dos impactos com frete, gasolina, câmbio;, avaliou.