Jornal Correio Braziliense

Economia

Com 40 ações na Justiça, taxa sobre frete segue sem solução

Especialistas criticam forma encontrada pelo governo Michel Temer para conter paralisação dos caminhoneiros e alertam para os efeitos na economia do país a médio e longo prazos



São Paulo ; Após 26 dias do início da greve que parou parte do país, o governo permanece encurralado, sem conseguir se livrar da pressão do setor produtivo e dos caminhoneiros. Até agora, segundo contas do Ministério da Fazenda, as perdas acumuladas na economia, incluindo a queda da produção da indústria e a arrecadação de tributos, é estimada em R$ 15,9 bilhões.

Esse valor pode estar subestimado, já que se fala de possíveis efeitos por pelo menos mais dois a três meses. Institutos de pesquisa, consultorias e bancos estão revendo para baixo a previsão do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano por causa da greve.

Para tirar os manifestantes das estradas, o governo optou por atender as reivindicações com a redução do preço do diesel e a fixação dos valores mínimos de frete, o que contrariou produtores rurais, empresas e entidades de classe, que ficaram de fora das discussões. Mesmo uma parcela dos caminhoneiros não apoiou o acordo com o governo sob a justificativa de que não se sentia representada.

;Em parte, o que aconteceu nesse episódio é resultado do esfacelamento das representações de classe. O governo decidiu ter uma interlocução única e achou que assim amarraria um acordo com todos. Claramente ele errou na seleção dos atores com quem negociou;, diz Orlando Fontes Lima Júnior, professor do Departamento de Geotecnia e Transportes da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp.

Para especialistas, houve um grave erro de avaliação. ;O governo abdicou de fazer uma política de regulação que tivesse alguma coerência e responsabilidade e apenas buscou uma sobrevida até 31 de dezembro. O que ele fez foi organizar e legalizar esse cartel de frete. Agora, nem o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem poder para coibir essa situação;, analisa Paulo Furquim, professor de regulamentação do Insper.

Para ele, em um sistema de livre iniciativa, o valor do frete deve oscilar de acordo com a demanda. Esse tem sido o argumento da maioria ; excluindo os representantes dos caminhoneiros e o próprio governo.

Um dos efeitos dessa medida é o número crescente de ações na Justiça em busca de liminares que desobriguem o cumprimento da MP 832 e da Resolução 5.820, da Agência Nacional de Transportes Terrestres, que tratam do frete dos caminhões. Segundo a Advocacia-Geral da União, estão sendo monitoradas 40 ações referentes à MP e à resolução da ANTT. ;Do total, 12 ações são coletivas, propostas por associações representantes de empresas, e 18 ações estão suspensas por decisão do Tribunal Regional Federal da 5; Região (TRF5), que acolheu recurso da AGU em defesa das normas. Duas ações aguardam posicionamento do Supremo Tribunal Federal;, informou por meio de nota.

Impacto

Em um dos recursos apresentado no STF, a Associação do Transporte Rodoviário de Cargas do Brasil (ATR Brasil) alega que o tabelamento de preços vai contra a economia de mercado. O ministro Luiz Fux, relator da ação, preferiu aguardar a negociação entre governo e empresas do setor de transporte de cargas antes de analisar o pedido de suspensão da MP.

Com a indefinição sobre quais serão os valores finais das tabelas de frete, ainda em negociação quase diária entre caminhoneiros, associações e governo, quem pode tem adiado a contratação do transporte de carga para fugir do aumento do custo. Mas seja qual for o desfecho, haverá impacto na economia. ;Em pouco tempo veremos o reflexo dessas medidas nos preços. Esse aumento de custo vai chegar no final da cadeia, ou seja, aos consumidores;, avisa Priscila Miguel, coordenadora do Centro de Estudos em Logística e Supply Chain da Fundação Getulio Vargas (FGVCelog).

Também como resultado da paralisação em várias rodovias brasileiras, o governo decidiu abrir mão de uma parte da arrecadação de impostos ao isentar o diesel da Cide e reduzir o percentual de PIS/Cofins. O subsídio ao combustível virá dos recursos do Tesouro Nacional.

Mas para pagar essa conta, foi preciso cortar o dinheiro previsto para uma série de programas que beneficiariam toda a população, como o de prevenção e repressão ao tráfico de drogas, policiamento em rodovias federais, fortalecimento do SUS (o Sistema Único de Saúde) e concessão de bolsas de instituições de ensino superior.

Consumo em queda

Na avaliação de Paulo Pacheco, professor de economia do Ibmec-MG, os caminhoneiros saíram da greve com a sensação de que foram os beneficiados pelas concessões do governo. Mas não vai demorar muito para que a demanda pelo serviço de frete comece a cair à medida que os custos aumentarem e a população, que vem sofrendo com a queda no poder de compra, deixar de consumir. ;O caminhoneiro não percebeu que ele vai perder o emprego mais adiante;, alerta.

Ainda segundo Pacheco, o governo não tem mais como voltar atrás em suas decisões para contentar os caminhoneiros: ;Foi um erro enorme e só aconteceu porque se trata de um governo enfraquecido, em ano de eleição, e sem capacidade de se articular para nada;.

Em um evento na manhã de ontem, promovido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em São Paulo, Eduardo Guardia, do Ministério da Fazenda, afirmou que a estratégia do Palácio do Planalto para conter a greve foi ;responsável;. Segundo o ministro, a mobilização dos caminhoneiros não afetou o controle das contas do governo.

[FOTO2]

No mesmo dia, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, afirmou ao deixar um evento da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) que a decisão do governo de adotar um tabelamento de preços de frete é equivocada. ;É impossível você fechar uma tabela de preço mínimo para o frete. Esse debate vai continuar até que se perceba que não era a melhor solução;, afirmou o parlamentar.